Nos anos 1990, quando começava sua carreira como gestor financeiro, Roberto Decourt passou a avaliar que as teorias convencionais estavam longe de explicar o comportamento de consumidores e investidores no dia a dia. As linhas clássicas da economia, que reduziam as decisões humanas a modelos matemáticos, colocando todos como seres absolutamente racionais nas escolhas, não explicavam por que alguém com uma dívida cara no cartão de crédito relutava em sacar dinheiro da poupança, acabando por pagar juros amargos no cheque especial. Ou por que um cidadão que comprara uma garrafa de vinho por R$ 20 relutava em vendê-la (e também tomá-la) por R$ 400 alguns anos depois, quando o rótulo ficara famoso.
– Pelos modelos matemáticos, as pessoas tomam sua decisão sempre buscando aproveitar ao máximo os recursos disponíveis, mas essa linha teórica clássica não considera que há fatores emocionais envolvidos, que muitas vezes têm peso determinante – explica Decourt, pós-doutorado em finanças comportamentais pela Universidade de Grenoble (França) e professor de Economia na Unisinos.
Foi nesta encruzilhada que ele aprofundou os estudos com autores que traziam uma análise mais realista do comportamento relativamente impulsivo e irracional das pessoas com seu dinheiro, como o psicólogo israelense Daniel Kahneman e o economista norte-americano Richard Thaler, em linha que passou a ser chamada de Economia Comportamental. Anos depois, esta se tornaria a corrente mais explorada – e fascinante – da economia: não por acaso, os dois estudiosos levaram prêmios Nobel da Economia: Kahneman em 2002 e Thaler em 2017, como anunciado nesta semana.
– Com as crises e a complexidade de políticas públicas, a linha econômica clássica deixou de trazer todas as respostas e, com isso, passou a ganhar cada vez mais força a economia comportamental – relata Decourt.
Seguidor das lições de Thaler, ele implementou na Unisinos a linha de doutorado de Economia Comportamental. Agora, ajuda a explicar de forma prática as principais ideias do mais recente vencedor do Nobel de Economia.
Contabilidade mental
A teoria clássica entende que as pessoas distribuem racionalmente seus recursos, aproveitando o que economizam em uma conta para melhorar sua qualidade de vida com outros produtos e serviços ou investir, por exemplo. A teoria defendida por Thaler mostra o contrário: as pessoas "compartimentam" suas despesas conforme o perfil das compras. Ou seja, se o preço da cesta básica cai no supermercado, a pessoa não utilizará a diferença do valor para sair de férias ou pagar uma dívida: acabará comprando produtos mais caros no supermercado, gastando com supérfluo e desperdiçando a chance de melhorar sua qualidade de vida.
Lição que fica: tenha objetivos claros, faça um planejamento de como alcançá-los e acompanhe a evolução do seu planejamento. Uma renda adicional pode ser utilizada para antecipar o pagamento de parcela de dívida com altos juros ou para pagar uma emergência médica. Também pode ter melhor uso para investimentos ou poupança para a aposentadoria.
Avaliação do custo real
Se alguém vai comprar um par de botas por R$ 100 e ouve dizer que uma loja um pouco mais distante, a 15 minutos a pé, vende o mesmo item por R$ 80, provavelmente dedicará seu tempo para conseguir o desconto. No entanto, se for comprar uma TV por R$ 2 mil e souber que há uma loja a 15 minutos de caminhada que vende por R$ 1.980, não achará que vale a pena o mesmo esforço – embora economizasse os mesmos R$ 20 nos dois casos. Essa teoria de Thaler desmancha a linha tradicional, que estabelece que a pessoa calcula com precisão o custo do seu tempo e toma as decisões sempre de forma a valorizá-lo.
Lição que fica: nem toda oferta vale a pena, pois há outras variáveis envolvidas, como necessidade, segurança e tempo. Identifique claramente os custos e benefícios de cada uma das suas decisões. Muitas vezes o benefício parece encantador, mas quando se examina claramente os custos, percebe-se que a oportunidade não é tão atraente.
Jogo do ditador
Imagine que alguém é convidado a participar de um jogo em que escolherá se um determinado valor, digamos, R$ 100, será dividido entre si e outra pessoa. No entanto, será o outro que escolherá com quanto cada um ficará. E caberá à primeira bater o martelo se o dinheiro será dividido como o segundo escolheu ou se ninguém receberá nada. Testes mostram que, quando o segundo escolhe ficar com 80% do valor, deixando só 20% para o outro, a primeira pessoa decide que nenhum ficará com nada, abrindo mão de sua fatia para punir o aproveitador. É mais um teste que confronta a teoria clássica, que diz que as pessoas preferem sempre ganhar algum dinheiro do que não ter nenhum dinheiro.
Lição que fica: muitas vezes, pode-se perder oportunidades de ganhar um dinheiro ou empreender algum projeto por resistência a alguma ideia ou alguma pessoa envolvida, em uma espécie de "boicote" involuntário. Não se preocupe quanto o outro ganhe. Se aparecer uma oportunidade que pode te gerar um ganho, mas o ganho dos outros será maior, pense que é melhor ganhar menos do que o outro do que não ter ganho algum.
A escolha induzida
A pesquisa de Thaler também esmiúça como as empresas podem tirar proveito da capacidade superficial de julgamento do consumidor, vendendo produtos que não são tão bons por preços elevados. Por exemplo, a pipoca de cinema: o pote pequeno custa R$ 8 e o grande (que é o dobro do pequeno), R$ 10. Ninguém que leve em conta custo-benefício escolherá a pequena. Na verdade, nem a loja espera que alguém escolha a pipoca pequena, mas coloca esta opção para induzir o cliente a achar que comprar uma pipoca grande vale a pena - mesmo quando custa cinco ou seis vezes mais do que prepará-la em casa.
Lição que fica: não se deve levar em conta a oferta de produtos em um mesmo ambiente e julgar que o mercado se restringe ao que tal estabelecimento oferece. Fazer pesquisas prévias e ter em mente os preços justos por cada produto ou serviço é essencial para fazer bons negócios.
Análise de risco
Essa teoria foi explicada pelo próprio Richard Thaler em sua participação hollywoodiana, no filme A Grande Aposta, que falava sobre a bolha imobiliária nos Estados Unidos. A cena mostrava a atriz Selena Gomez ganhando em diversas rodadas de roleta. Aos poucos, os demais jogadores começavam a torcer por ela e até apostar entre si que ela continuaria ganhando. Ou seja, a euforia fazia as pessoas deixarem de lado a noção do risco para tentar garantir seu naco do lucro, o que teria levado muitos investidores norte-americanos e apostar em papéis frágeis na crise de 2008. É mais uma teoria que afunda a "racionalidade" econômica entre os agentes de mercado.
Lição que fica: a euforia ou a depressão são péssimas conselheiras. Provavelmente, quando um investimento está em alta por longo período e as pessoas estão entusiasmadas é um momento de sair (e não entrar) no investimento, pois o excesso de otimismo faz com que os investidores subestimem os riscos. O inverso também é válido, pois quando um investimento apresenta um histórico recente de perdas, talvez seja um momento de superar o medo e entrar, surfando uma boa onda desde o início.
O que é meu vale mais
Voltamos ao exemplo do vinho do início da reportagem. Mesmo quem comprou um item relativamente barato e vê que o preço no mercado está subindo (isso pode servir para um ingresso para show, uma obra de arte ou um imóvel, por exemplo) tende a resistir a fazer a venda, seja porque criou um apego emocional com o item e não quer passá-lo adiante, seja porque acha que valerá ainda mais no futuro.
Lição que fica: as pessoas tendem a cobrar mais pelo que é seu do que pagariam a um terceiro. Isso reduz, por exemplo, as chances de encontrar preços mais realistas quando irão vender um imóvel ou, para os empreendedores, leva ao hábito de cobrar demais pelo seu produto, empacando negócios que poderiam ser promissores.