Nas últimas semanas, lideranças do agronegócio repetiam um chiste: "Será a primeira Expointer sem vacinação bovina e com vacinação humana". A frase exprimia o contentamento dos pecuaristas por chegarem à primeira grande feira de negócios gaúcha após a certificação do Estado como zona livre de aftosa sem vacinação.
O status foi concedido em maio pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e afeta, em termos práticos, o ingresso de animais de outros Estados na feira. Santa Catarina, por exemplo, não participava porque já dispensava a vacinação e, agora, vem porque vê o RS exibir situação semelhante. Já quem ainda vacina para prevenir a aftosa fica impedido de enviar bovinos a Esteio.
A nova condição gaúcha é promessa de negócios com 70% dos mercados ainda restritos no mundo. No Brasil, o primeiro Estado a obter a certificação foi Santa Catarina, agora também acompanhada pelo Paraná. Como a aftosa é de difícil erradicação, o selo internacional afiança a aplicação de protocolos rígidos de biosseguridade exigidos por alguns países. Isso pode beneficiar não só a bovinocultura, mas todas as cadeias de corte.
O plano dos exportadores é que as proteínas gaúchas cheguem à mesa de compradores exigentes, como Japão e Coreia do Sul, que pagam até 50% mais por carnes procedentes de países livres de aftosa. Já o mercado chinês pode passar a adquirir miúdos e cortes suínos com osso, que antes não podiam ser comercializados.
O governo do Estado espera ganhos de R$ 1,2 bilhão ao ano, e as novas fronteiras no horizonte serão tema, inclusive, de um ciclo de palestras e debates do Senado que ocorrerá na Expointer, às 14h de quinta-feira, dia 9.
— São (expectativas) de médio e longo prazo. Mas, à medida em que o mundo vai reconhecendo que temos uma estrutura confiável, isso poderá ser precificado — comenta o presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira.
As perspectivas de ganhos dividiram espaço nas rodas de conversa com outro tema: a necessidade de manter o status sanitário.
— Há um binômio que representa com adequação esse momento: oportunidade e responsabilidade. Não há dúvida de que surgirão oportunidades de negócio com o certificado. Mas é preciso mantê-lo e, para isso, essas duas expressões têm de andar no mesmo sentido — afirma o presidente da Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac), Leonardo Lamachia.
O presidente do Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa), Rogério Kerber, destaca que a vacina era uma ferramenta contra a aftosa que saiu de cena, exigindo a entrada em ação de outras para a obtenção do selo internacional.
— Substituímos essa vacina por outros procedimentos importantes de defesa sanitária, com capacidade de pronta-resposta, com participação eficiente do setor produtivo como vigilância, notificações, manutenção de sistema de defesa com servidores públicos e da iniciativa privada capacitados e treinados, sistemas de controles modernos, novas ferramentas. É um processo contínuo de melhorias — diz.
Evolução é meta alinhada com o Ministério da Agricultura
A diretora do Departamento de Defesa Agropecuária da Secretaria da Agricultura, Rosane Colares, lembra que a evolução do status sanitário do Rio Grande do Sul em relação à aftosa é uma meta alinhada com o plano do Ministério da Agricultura de erradicar a doença do país até 2026. A ambição tem a ver não apenas com o bem-estar animal, mas com o impacto econômico e comercial.
Receber a certificação da OIE exige um excelente desempenho em auditorias do ministério sobre a qualidade dos serviços veterinários no Estado. A aprovação da pasta no exame, recorrente e minucioso, é o que dá subsídios à organização para conceder o selo de sanidade.
Manter essa estrutura exige investimento e, recentemente, a vigilância a campo recebeu R$ 12 milhões para fortalecimento das inspetorias veterinárias e R$ 7 milhões para a compra de veículos. Isso favorece agilidade no trabalho de detecção e diagnóstico de doenças no rebanho e na manutenção de interações com os produtores.
Apesar de entender que federações e produtores têm seu papel na manutenção do status sanitário, especialmente na vigilância do rebanho, para Lamachia, a responsabilidade é primordialmente do poder público. Cabe à União, aos Estados e aos municípios questões como controle de portos e aeroportos, organização de ações de defesa agropecuária, fiscalização da venda de carne e de cabeças de gado irregulares para controlar a circulação do vírus.
A preocupação com vigilância remete ao surto de aftosa em Joia, município do noroeste gaúcho, noticiado em agosto de 2000. Após seis anos sem notificações da doença e atrás da certificação, o Estado havia suspendido a vacina. Até a extinção dos focos, em fevereiro de 2001, 11 mil animais foram mortos, entre bovinos, caprinos, ovinos e suínos. Os proprietários pagaram a conta.
Hoje, a Farsul trabalha na criação de um seguro aos pecuaristas, por meio da Fundesa. A intenção é evitar a sonegação de informações de casos suspeitos às autoridades sanitárias, por medo de prejuízos.
— A OIE prevê que o Estado não perde o status desde que faça um rifle sanitário central em todos os animais infectados e uma vacinação perifocal, que vai conter o vírus encurralado. Mas o produtor que terá seus animais sacrificados não pode sair quebrado. Temos que dar garantias para que ele, ao desconfiar de qualquer coisa, corra à autoridade sanitária — defende Gedeão Pereira.
Conheça algumas ações permanentes de vigilância agropecuária:
Programa Sentinela
No combate a irregularidades relacionadas à saúde animal e ao contrabando, fiscaliza a faixa de fronteira com o Uruguai e a Argentina e faz vistorias em uma área que compreende 64 mil propriedades rurais, com um rebanho estimado em 4,4 milhões de cabeças.
Programa Guaritas
O Fundesa preparou um material educativo sobre os riscos que produtos de origem animal e vegetal, além de animais e insumos transportados de forma irregular, podem trazer à saúde da população e dos rebanhos. O folheto é distribuído para quem cruza o limite entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Equipes do programa abordam veículos de 97 municípios na divisa entre os dois Estados.
Monitoramento
Pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte (NCSU) analisam o fluxo de animais entre propriedades gaúchas para descobrir quais têm mais contatos. A pesquisa, fruto de convênio com a Secretaria de Agricultura e o Fundesa, é baseada em informações do Sistema de Defesa Agropecuária (SDA), e ajuda a defesa sanitária do Serviço Veterinário Oficial e promover mais controles de biosseguridade.
Treinamento
A parceria gaúcha com a NCSU é o treinamento de servidores. Em 2020, por exemplo, 130 profissionais da Secretaria da Agricultura receberam capacitação para uso do aplicativo RabApp, que permite o acompanhamento da movimentação de animais entre propriedades. Antes, os servidores só podiam fazer esse serviço acompanhando o sistema na sede da secretaria.