A indústria agroquímica Adama Brasil S/A, alvo de ação civil pública de responsabilidade do Ministério Público e da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) por conta de prejuízos causados pelo herbicida hormonal produzido a partir da molécula 2,4-D, respondeu por 8,99% das vendas desses produtos para o mercado agrícola do Rio Grande do Sul na safra 2018/2019, período de referência do processo. A empresa constou entre as que mais comercializaram o agroquímico aos produtores rurais gaúchos.
Na ação, distribuída para a 3ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, os autores pedem que a Adama seja condenada a pagar indenização de R$ 21,77 milhões pelo risco da atividade, por danos patrimoniais, como as perdas milionárias impostas às safras de culturas sensíveis, sobretudo a uva, a maçã e a oliveira, e também pelos possíveis prejuízos à saúde pública. Para calcular o valor da ação, o MP e a PGE aplicaram o percentual de participação da empresa no mercado local (8,99%) sobre os prejuízos comprovados na safra 2018/2019.
Caso a ação seja bem-sucedida, a penalidade pecuniária eventualmente imposta à indústria será destinada ao Fundo para a Reconstituição de Bens Lesados. É uma conta gerida pelo MP, destinada a receber valores de indenizações de ações civis públicas e de termos de ajustamento de conduta (TAC) para a reparação de danos causados a direitos difusos e coletivos. Os valores ali depositados costumam voltar para a sociedade indiretamente, a partir de investimentos em programas de atendimento à população. Em março de 2020, por exemplo, o MP repassou R$ 4,9 milhões do fundo para o Estado montar 30 leitos de UTI em meio à pandemia de coronavírus.
Isso significa que produtores de culturas alternativas prejudicados pela deriva não serão ressarcidos individualmente com o eventual recurso da ação. Os lesados que desejam indenização precisam buscar isso em ações específicas, por meio dos seus advogados, apontando o sojicultor que fez a aplicação errada do 2,4-D.
Embora seja alvo da ação judicial, a Adama segue autorizada a vender herbicidas hormonais derivados do 2,4-D ao mercado gaúcho. Não há impacto na produção química e na comercialização do pesticida, utilizado pelos produtores de soja antes do plantio do grão para matar a erva-daninha conhecida como buva.
– Dizemos na ação que o produto é regular, licenciado e sua venda é permitida, mas traz um risco próprio da atividade. Aí existe o dever de indenizar – afirma o promotor de Justiça Alexandre Saltz, esclarecendo que não é parte da ação nenhum pedido de banimento da empresa do mercado regional ou mesmo do agroquímico.
Utilização
As aplicações no campo começam, geralmente, em agosto e o uso incorreto pode causar a deriva pelo vento. O 2,4-D, considerado volátil, é carregado até plantações vizinhas e, por ser herbicida hormonal, causa retorcimento e aborto de frutos, cachos, galhos e folhas. A consequência é que as culturas atingidas pelo agrotóxico costumam perder altos percentuais de produtividade pela morte dos vegetais.
A Adama, com sedes em Taquari (RS) e Londrina (PR), foi a única indústria desenvolvedora do 2,4-D com vendas no Rio Grande do Sul que não ingressou no acordo de mitigação de danos causados pelo herbicida, iniciativa proposta pelo MP em parceria com o governo estadual.
Nesse trato, as outras 17 indústrias mapeadas como desenvolvedoras do herbicida com comercialização local fazem contribuições em dinheiro e equipamentos para financiar ações de reparação de danos e prevenção. O MP não informa cifras, mas os valores arrecadados viabilizaram aportes nas secretarias do Meio Ambiente e Infraestrutura e da Agricultura para a compra de tecnologias de fiscalização, de sistemas de rastreamento dos agrotóxicos vendidos e a instalação de 20 estações meteorológicas que informam sobre os momentos adequados para a aplicação do 2,4-D. Os ventos, por exemplo, não podem ser superiores a 10 km/h. As análises de laboratório em vegetais prejudicados, que acabam confirmando de forma cabal o problema da deriva, também estão sendo financiadas com verbas repassadas pela indústria química.
– A Adama não aderiu ao acordo de mitigação e, de certa forma, agiu como se não tivesse nada a ver com o problema. Mas tem, é um produto deles. É uma conduta omissiva. Eles não quiseram participar de uma iniciativa que existe para fazer a redução de danos – diz o procurador do Estado Maximiliano Kucera Neto, justificando as razões que levaram o Palácio Piratini a apoiar a judicialização.
Saltz avalia que, no Judiciário, a discussão central terá de concluir se a empresa é responsável ou não pelos efeitos deletérios da solução que ela oferece ao mercado.
– O MP acredita que sim. Pelos pontos de vista do direito do consumidor, do direito ambiental e do código civil, a empresa que oferece um produto perigoso é responsável pelo prejuízo que ele causa – justifica o promotor.
Procurada pela reportagem, a indústria se manifestou em nota: “A Adama informa que não recebeu notificação do Poder Judiciário sobre a noticiada ação civil pública. A empresa, de atuação global na proteção de cultivos, ressalta que o herbicida em questão está regularmente registrado perante as autoridades federais e estaduais”.
Produtores apontam prós e contras na ação judicial
A Associação de Produtores de Vinhos Finos da Campanha Gaúcha, uma das entidades que lidera a reação contra os danos causados pela deriva do 2,4-D, avaliou o ajuizamento da ação contra a Adama Brasil de forma positiva, mas insuficiente. Na última safra, a entidade estimou que um milhão de garrafas de vinho deixaram de ser envasadas em função do herbicida. Um prejuízo de R$ 66 milhões na Metade Sul.
– Eles (MP e PGE) reconhecem que existe prejuízo a diversas culturas, inclusive à saúde pública e ao meio-ambiente. Isso é positivo. Por outro lado, não resolve o assunto. Não é economicamente que vai se resolver. Isso somente vai ser resolvido quando não for mais usado o 2,4-D – diz Valter Pötter, presidente da Associação de Produtores de Vinhos Finos da Campanha Gaúcha.
A entidade liderada por Pötter, em conjunto com a Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi), move uma ação na Justiça que busca suspender a aplicação do 2,4-D no Rio Grande do Sul enquanto não forem criadas zonas de exclusão – quadrantes no território gaúcho em que o uso do herbicida hormonal seria proibido devido ao risco de atingir culturas sensíveis.
– Existem normas para a aplicação e, mesmo assim, a deriva continua acontecendo. A nossa expectativa é ter sucesso na ação que pede a suspensão, mas ainda não houve decisão – lamenta Pötter.
Os produtores de culturas diversificadas argumentam que existem produtos alternativos ao 2,4-D, que não produzem estragos nas plantações vizinhas, e citam culturas de manejo que ajudam a controlar naturalmente a buva, como as pastagens. A PGE e o MP, desde o princípio das discussões, não apoiam a intenção de retirar do 2,4-D do mercado gaúcho. O entendimento é de que a educação, a fiscalização e a punição pontual dos infratores são os caminhos mais adequados.
– O produto não é problema por si só, mas pela maneira como é usado. É perigoso, causa danos, não há dúvida. Por isso a responsabilização da empresa. Me parece que só tirar não resolve. A questão é qualificar a fiscalização e punir quem descumpre as regras. É o que tem sido feito. Temos centenas de acordos de não persecução penal com produtores e empresas que descumpriram as regras relacionadas ao 2,4-D – diz o promotor Alexandre Saltz, indicando o mecanismo que encerra o procedimento criminal contra o acusado, desde que ele acate penalidades alternativas, como o pagamento de multas.
Entre os agricultores gaúchos, sobretudo os mais vinculados à sojicultura de larga escala, a eventual proibição do herbicida hormonal é avaliada como medida extrema que causaria encarecimento da produção de soja, principal item de exportação do campo.
– Não podemos falar pela Adama, que é uma indústria e possui seu CNPJ, mas pensamos que a construção de soluções conjuntas é o melhor e mais vantajoso caminho. Dezessete indústrias participaram dessas soluções e tiveram desembolsos – diz Domingos Velho Lopes, vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), entidade que defende a manutenção do 2,4-D no mercado.
O gerente de regulamentação estadual da Associação Brasileira de Defensivos Pós-Patente (Aenda), Luis Carlos Ribeiro, diz que a contribuição em dinheiro das indústrias ao acordo de mitigação de danos é fruto de negociação que coube diretamente às empresas e ao Ministério Público.
– A Secretaria da Agricultura fez um levantamento de quanto foi vendido de 2,4-D no Estado. A partir desse espelho de comercialização, ficou decidida a contribuição de cada empresa. Foi negociação direta entre elas e o Ministério Público. A Aenda se envolveu somente na parte de educação, treinamentos e orientações ao produtor sobre como adquirir e aplicar o produto. Nessa parte, a Adama está atuando com a gente – diz Ribeiro.