Presidente da Cooperativa Vinhos Jaguari, João Alberto Minuzzi, 57 anos, diz que a queda na produção de uvas viníferas será de 30% nesta safra por conta da deriva do 2,4-D. Como consequência, se viram forçados a comprar a fruta de produtores da Serra para envasar as quantidades desejadas de vinho.
– Tem gente que já está desistindo e plantando fumo. Se continuar nesse ritmo, vai acabar a produção vinífera na Região Central em cinco ou seis anos – diz Minuzzi, que já recebeu laudo positivo da Secretaria da Agricultura para a presença de 2,4-D na sua terra.
Na sua propriedade, em Jaguari, ele instalou altas barreiras de capim nas extremidades do vinhedo: a intenção era brecar, com essa proteção verde, o avanço da deriva do herbicida. Não funcionou a pleno.
Sobretudo da sexta carreira em diante, o vinhedo foi afetado e está com folhas e galhos verdes enrugados, retorcidos e frutos abortados. No histórico, Minuzzi deixou de colher cerca de 20 toneladas por hectare ao ano para, atualmente, obter até sete toneladas.
Antes de começar o problema da deriva, os parreirais de Minuzzi precisavam, em dezembro, da poda verde, procedimento que consiste no corte do excesso de folhagens para permitir que o sol chegue aos cachos, importante para maturar e adocicar as uvas. Atualmente, parte do seu vinhedo, do modelo de plantio latado, em que as plantas trepam horizontalmente sobre arames, está esvaziado.
Em meio hectare do seu parreiral, Minuzzi erradicou os vegetais mortos e fez o replantio, na esperança de recuperar o vigor. Na prática, constata “dificuldade de desenvolvimento”. Entre uma plantação de moranguinho e o vinhedo, o produtor rural reservou porção de terra para plantar soja.
– Não sou contra produzir soja, sou contra o 2,4-D. Não uso esse produto aqui – afirma.
Oliveiras acabam com produtividade menor
O produtor rural José Rigo, 72 anos, costumava colher 10 quilos de oliva por planta até 2017 em Dom Pedrito, na Campanha.
Em março de 2020, amealhou 3,5 quilos em cada pé da qualidade arbequina, uma das principais variedades plantadas no Rio Grande do Sul, sensível à deriva do herbicida 2,4-D.
– A redução foi violenta. As perdas são muito significativas porque o custo para produzir é elevado. A planta, a cada nova intoxicação, vai definhando cada vez mais. Começa dando menos frutos, mas vai secar até morrer – lamenta Rigo, produtor rural de médio porte que também já recebeu laudo positivo da Secretaria da Agricultura para a presença do 2,4-D na sua lavoura.
Ele cultiva oliveiras em 30 hectares plantados e destina a colheita para a fabricação de azeite de oliva. Já se aproximando do final do ciclo da atual safra, as oliveiras de Rigo mostram sinais de atrofia. A maioria dos frutos não fecundou e apresenta tamanho menor do que o normal porque não desenvolveu o caroço, o que impede a extração da polpa. Esses frutos estéreis, diz ele, cairão antes da colheita.
Frustração
Atualmente, Rigo cultiva as oliveiras em Dom Pedrito e, depois, envia a produção para uma indústria terceirizada fazer o beneficiamento, com a entrega do azeite de oliva pronto para ser vendido. O projeto é investir em uma indústria própria, cuja área está reservada, mas o cenário atual lhe faz adiar os planos.
– Ficamos na dúvida e estamos aguardando para ver o que acontece com o 2,4-D. Precisamos ter segurança de que vamos colher o que plantamos, e não essa situação de hoje, com a deriva causando estragos e prejuízos – avalia Rigo, que também planta soja, milho e cria gado de corte em uma fazenda em Goiás.
O engenheiro agrônomo Samuel Francisco Gobi, que trabalha na propriedade de Rigo, afirma que a deriva do 2,4-D não ocorre somente por má aplicação. Assegura que, após a pulverização, inversões térmicas causadas pelo calor geram vapor. Neste caso, partículas do volátil agroquímico vaporizam do solo, pairam no ar e, por fim, são carregadas pelo vento para plantações vizinhas.
– É um problema incontrolável para nós. Plantamos árvores para servir de quebra-vento, mas não adiantou – explica Rigo.
Para ele, existem outras maneiras de controlar a buva. Além de agroquímicos alternativos, diz que uma possível solução é o plantio da gramínea azevém, que sombreia o solo e impede a germinação da erva-daninha.
Divergências sobre a solução
Três entidades representativas de culturas afetadas pela deriva do 2,4-D divergem sobre os rumos a serem tomados diante dos dramas que envolvem o futuro da agricultura e a diversificação da produção.
A Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi) é signatária da ação civil pública que tenta suspender a utilização do 2,4-D no Rio Grande do Sul, em parceria com a Associação de Vinhos Finos da Campanha Gaúcha. Presidente da Agapomi, José Sozo diz não possuir um levantamento sobre as perdas na atual safra da maçã, mas afirma que elas estão acontecendo. Ele é enfático ao cobrar providências das autoridades.
– O governador (Eduardo Leite) precisa entrar em campo. É um assunto muito grave, pega a maçã, a oliveira, a videira, a nogueira, a erva-mate. O desenvolvimento do Rio Grande do Sul se fez pela diversificação. Isso gera empregos. Não queremos destruir ninguém, e não queremos ser destruídos – apela Sozo.
Embora reconheça a existência de prejuízos causados pelo 2,4-D, o Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva) avalia que eles foram pontuais na atual safra.
– Tivemos situação atípica neste ano. As chuvas não foram regulares e o plantio de soja atrasou. As aplicações de 2,4-D ocorreram mais tarde por causa disso. E a floração da oliveira, que é o período de maior impacto para as plantas, foi um pouco mais cedo do que o normal – comenta Fabrício Carlotto, engenheiro agrônomo e diretor-técnico do Ibraoliva, explicando o motivo de os danos terem sido menores entre associados da entidade.
Capacitação
O Rio Grande do Sul é responsável por cerca de 80% da produção nacional de noz pecã, cultura também afetada pela deriva do 2,4-D. Na atual safra, o Instituto Brasileiro de Pecanicultura (IBPecan) diz não ter um balanço sobre perdas.
É de conhecimento da entidade, por exemplo, a situação de um associado que estima perda de dois mil quilos de noz em decorrência da ação de herbicidas hormonais nas nogueiras.
Relações Públicas do IBPecan, o produtor rural Carlos Eduardo Scheibe é contrário a qualquer hipótese de retirada do 2,4-D do mercado. Ele é incisivo ao defender cursos de capacitação para a correta dispensação do agroquímico.
– Tem muita gente aplicando sem ter noção ou treinamento. Proibir não é o caminho. Precisamos de capacitação do nosso pessoal para que o uso seja eficiente. O equipamento também precisa ser adequado para a aplicação. Tudo isso se aprende nos cursos que estão disponíveis – diz Scheibe, citando as ofertas de qualificação da Secretaria da Agricultura.
O produtor, que cultiva soja além da noz, entende que a culpa não é do 2,4-D, mas do emprego equivocado feito pelos humanos.
– Temos problemas, já tivemos perdas em anos passados, e sempre foi por mau uso do herbicida. A capacitação é importantíssima para evitar as perdas –avalia Scheibe.
Produtor avalia regras para uso do produto como insuficientes
Em Piratini, primeira capital da antiga República Rio-Grandense, a Vinícola Don Basílio reduziu a produção de uvas viníferas da média de 50 toneladas para 35 toneladas ao ano. Nesta safra, já foi emitido laudo informando que a lavoura foi atingida pelo 2,4-D.
No método de plantio espaldeira, em que as plantas crescem verticalmente, é possível perceber as folhas com as deformações que foram apelidadas de “patinha de rã”. Nos cachos de uvas, incluindo variedades como pinot noir e cabernet sauvignon, há frutos abortados. Algumas plantas jovens que deveriam ter alcançado o primeiro arame de sustentação, na altura de um metro, ainda estão com 20 centímetros ou menos.
Sócio da vinícola, localizada na Zona Sul do Estado, o engenheiro agrônomo e produtor rural Cezar Eduardo Lindenmeyer avalia que as instruções normativas criadas em meados de 2019 pela Secretaria da Agricultura para controlar a deriva não se mostraram eficientes na prática.
– A fronteira gaúcha é rica em ventos. Pela instrução, só se pode aplicar o 2,4-D com ventos de até 10 km/h, mas é muito raro que se consiga essa condição aqui. A fronteira é impossível para esse tipo de defensivo. As instruções normativas foram uma grande cortina de fumaça, até porque ninguém respeita nada – desabafa Lindenmeyer.
Na sua propriedade, em Piratini, ele tem uma pequena fábrica artesanal em que transforma as uvas colhidas em uma marca própria de vinhos. O plano é expandir o negócio rumo à industrialização, mas o cenário de perdas pôs um freio no ímpeto.
– Qual a garantia para eu tomar um financiamento ou investir recursos próprios sem saber se há futuro? O desleixo, o descuido das autoridades, força a paralisação de planos – lamenta o produtor.
Detalhes do problema
O que é e como é usado?
O herbicida hormonal 2,4-D é aplicado nos campos antes do plantio da soja para matar a erva-daninha conhecida como buva. Como é um agrotóxico volátil, de específicas condições de uso, pode sofrer processo de deriva pelo ar, atingindo plantações vizinhas de outras culturas
Quais os efeitos?
Ao receber o contato do 2,4-D, as plantas de folhas largas são atacadas no sistema hormonal e deixam de se desenvolver. O sintoma nas plantas é característico de um produto hormonal, que causa inicialmente enrugamento das folhas para depois interromper o desenvolvimento vegetativo
Investigação
O caso foi parar no Ministério Público Estadual, ainda em 2015, quando foi aberto inquérito civil para buscar solução. Em 2018, pela primeira vez, foram feitos laudos oficiais da Secretaria Estadual da Agricultura. Em julho de 2019, o governo do RS publicou instruções normativas para regrar o uso de agrotóxicos hormonais, como o 2,4-D. Entre as exigências, estava a obrigatoriedade de cadastro dos aplicadores, mediante curso de capacitação
Denúncias de deriva de agrotóxico podem ser feitas à Secretaria da Agricultura pelo telefone (51) 3288-6296 ou WhatsApp (51) 98412-9961.
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