Principal produto das lavouras no inverno, o trigo se encaminha para colher recordes no Rio Grande do Sul, neste ano. A área plantada do cereal em 2021 é a segunda maior nos últimos 15 anos, atrás apenas do ano de 2014, entusiasmando os números que podem resultar com a safra. Se confirmadas as expectativas e o clima ajudar, o Estado pode colher 37% a mais do que no ano passado.
Segundo projeção da Emater, a área cultivada de trigo deve superar 1,08 milhão de hectares, 13,29% a mais do que na safra de 2020, quando foi de 953,8 mil hectares. Já a produção do cereal pode atingir 2,89 milhões de toneladas neste ano, aumento de 37,81% em relação à temporada anterior, quando somou 2,1 milhões de toneladas. Também representaria o maior desempenho desde 2013, quando chegou a 3,3 milhões de toneladas.
Com a semeadura 97% finalizada e as condições climáticas de chuva, frio e sol favoráveis até aqui, as projeções para a safra tendem a se confirmar ou até superar as estimativas.
— A expectativa é de que a projeção siga. Não tivemos nenhum evento extremo, mesmo com as geadas recentes. O trigo depende muito que as condições sejam favoráveis até o dia da colheita — explica o diretor-técnico na Emater, Alencar Rugeri.
Campos mais dourados
O aumento na área plantada tem se intensificado nos últimos anos e chega a quase 50% em relação a 2019. O cultivo está concentrado nas regiões de Ijuí, Santa Rosa e Frederico Westphalen, mas a presença do cereal nos campos gaúchos vem crescendo tanto nas regiões já tradicionais, como Planalto Médio e Missões, quanto pelo incremento na Metade Sul e na Depressão Central.
Na região de Pelotas, no Sul, que abrange 22 municípios, a área cultivada chegou a aumentar 208%, de 3,5 mil hectares na safra passada para 10,9 mil hectares na deste ano, de acordo com a Emater.
— A produção estava em declínio e houve uma retomada. Além do bom preço, a demanda para engorda na pecuária está muito alta. Outro motivo são as cooperativas e cerealistas incentivando o plantio — afirma Evair Ehlert, assistente técnico regional da Emater em Pelotas.
Na região de Bagé, a perspectiva é de expansão de cerca de 25% da área de trigo em relação à do ano anterio, segundo a Emater. O levantamento também mostra aumento expressivo em parte da Fronteira Oeste, como em Alegrete, onde a área foi triplicada.
O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro-RS), Paulo Pires, explica que o aumento em área plantada não representa, necessariamente, expansão de fronteira agrícola, e, sim, aumento de área ocupada. Áreas tradicionais de soja voltaram a plantar trigo pela viabilidade econômica, por exemplo.
Com o plantio já praticamente encerrado, a expectativa é pela colheita.
— O produtor fez a parte dele, agora é torcer para que o clima também ajude — diz Pires.
Preços incentivam o produtor
O cenário é de oportunidade, e o agricultor está atento. Dentre os fatores, estão a capitalização dos produtores por conta da safra de soja e a valorização do preço do trigo, que saltou de uma média de R$ 45 a saca para próximo de R$ 85. Também há uma demanda no setor de proteína animal, que está vendo no trigo uma alternativa para a fabricação de ração diante do alto custo do milho.
Entram na conta, ainda, o planejamento nas propriedades para melhor aproveitamento da terra e a demanda dos moinhos por trigo nacional como forma de importar menos e evitar o preço do dólar. Só o custo do frete da Argentina para o Brasil, por exemplo, dobrou de preço, saltando de US$ 15 no ano passado para atuais US$ 35 por tonelada.
Para o coordenador da Comissão do Trigo e Culturas de Inverno da Federação da Agricultura (Farsul), Hamilton Jardim, o setor vive uma esteira de boas notícias.
— Acredito que vamos ter surpresas tão logo haja a mensuração final dos números — diz Jardim.
O dirigente prospecta que a área total cultivada com trigo possa superar 1,15 milhão de hectares. E que, neste ano, a produção pode ultrapassar 3,3 milhões de toneladas, superior à quantia do ano passado que enfrentou quebra por geada e, depois, seca.
O produtor Alexandre Lima, de Passo Fundo, destinou 30 hectares de terra para o cereal em 2021. Mas gostaria de plantar mais. Ele diz que só não expandiu a produção para não repetir a área de plantio, plantando trigo sobre trigo.
— No meu caso, fico limitado porque não tenho área para aumentar. Se pudesse, plantaria mais. Tendo uma margem boa de lucro e tendo área, a intenção é ampliar — diz Lima.
Em relação aos preços atualmente praticados, o coordenador da Farsul diz que não há como prever se seguirão aumentando ao longo do ano, embora a previsão seja otimista.
— O cenário é muito positivo em relação a preço. É a maior safra prevista que o país tem nos últimos 30 anos. A tendência é de que os preços sigam estáveis em patamar alto, comparado aos anos anteriores, até a entrada da safra que está no campo para ser colhida — analisa Jardim.
Na avaliação do presidente do Sindicato da Indústria do Trigo no Estado (Sinditrigo-RS), Rogerio Tondo, os ótimos preços estimulam o produtor a plantar mais. E a perspectiva de safra maior respinga em incentivo para explorar mais a terra, já que existe ociosidade durante o inverno.
— É um movimento que vem se intensificando. Apostando na rotatividade de culturas, o produtor pode dobrar ou até triplicar a área de inverno — diz Tondo.
O presidente da Fecoagro-RS complementa afirmando que é muito importante que o produtor tenha outra fonte de renda na estação mais fria do ano, além de uma opção para cobrir o solo. Na avaliação dele, os bons preços compensam o plantio do cereal mesmo com o aumento de custo de 31% na produção em um ano.
Gastos com insumos e transporte são os que mais têm pesado no bolso do produtor. O presidente do Sinditrigo-RS cita outro fator do mercado, que é o repique do dólar. Segundo Tondo, a volatilidade da moeda norte-americana gera imprevisibilidade para precificar o produto. Por isso, derivados do trigo como massa, pães e biscoitos devem seguir absorvendo maior repasse “pelo menos até a entrada da nova safra”, acredita o dirigente.