Após consecutivas safras frustradas, seja por aspectos climáticos ou mercadológicos, 2019 parecia reservar um cenário alentador para o trigo no Rio Grande do Sul. Até a primeira quinzena de outubro, o tempo firme e a qualidade do cereal colhido, que equivalia à metade de toda a área, indicavam temporada positiva para a cultura. No entanto, mais uma vez São Pedro acabou sendo o responsável pela reversão das expectativas.
A chuva constante entre o final do mês passado e o início de novembro afetou diretamente as lavouras, já que a umidade contribui para o aumento da incidência de doenças nas plantas. Isso resultou em produtividade abaixo da esperada e perda de qualidade na reta final da colheita, que está 91% concluída no Estado.
Prestes a ser finalizada, a safra gaúcha será marcada pelo desequilíbrio entre as regiões produtoras. As propriedades que conseguiram colher o trigo cedo, principalmente na Fronteira Noroeste e nas Missões, garantiram boa produtividade e qualidade. Por outro lado, produtores que colheram mais tarde, casos de Noroeste, Celeiro e Planalto Médio, figuram entre os prejudicados pelo excesso de umidade.
A projeção mais recente é de que o Estado colherá 2,24 milhões de toneladas de trigo, de acordo com dados divulgados pela Emater nesta quinta-feira (21), o que representa 28% a mais na comparação com o ano passado e supera a projeção inicial, de 1,62 milhão de toneladas. Já a produtividade ficou em 2.955 quilos por hectare, aumento de 20% frente a 2018.
– A safra foi melhor do que no ano passado, mas pior do que se esperava. Chegamos a avançar nas expectativas, pois as condições de tempo estavam boas, mas acabaram não se mantendo e vieram os problemas – resume Alencar Rugeri, diretor técnico da Emater.
Uma das principais causas da decepção do setor está na redução acentuada do peso do hectolitro (PH) constatada no trigo colhido depois da chuva. O ideal, para fins de panificação, é que o grão alcance PH de 78 para cima. Ou seja, de cada cem quilos moídos, ao menos 78 virariam farinha. No entanto, o PH do cereal afetado pela umidade dificilmente passou de 76 e, em alguns casos, ficou abaixo de 70. Esse produto não será aproveitado na elaboração de pães, massas e bolachas e deverá ser destinado à ração animal.
– A safra, até o final de outubro, estava correndo maravilhosamente bem. O que se colheu cedo está bom, mas a chuva pegou praticamente metade da safra ainda no campo – confirma Hamilton Jardim, coordenador da comissão do trigo da Federação da Agricultura do Estado (Farsul).
Prejuízo leva produtor a cogitar fim do cultivo
Inicialmente com perspectiva de boa colheita, o produtor Paulo Baumgratz, de Ernestina, no Norte, decidiu expandir de 20 para 30 hectares a área com trigo neste ano. A meta era obter 50 sacas por hectare, contra as 42 sacas produzidas em 2018. Tudo se encaminhava para que o objetivo fosse alcançado, até que o mau tempo fez a safra ir literalmente por água abaixo. Toda a área foi afetada pela chuva, provocando a redução da quantidade e da qualidade do grão.
Baumgratz colheu, em média, 25 sacas por hectare, com PH entre 68 e 70. O produto está sendo vendido a R$ 18 a saca. Para pagar o custo de produção, calcula que deveria ter colhido 36 sacas por hectare a preço de R$ 40 no mercado. Por conta disso, cogita parar de plantar trigo nos próximos anos.
– Há uns seis anos, colhemos em média 60 sacas por hectare. Não me interesso mais pelo trigo. Acho que vamos plantar outra cultura de inverno, talvez aveia. Não adianta trabalhar em cima de algo que dá prejuízo – argumenta o produtor.
Responsáveis por receber 60% do trigo do Estado, as cooperativas gaúchas veem na venda para a fabricação de ração animal o destino mais provável para o cereal de qualidade inferior e, até mesmo, para parte do grão com perfil para panificação.
– Todo ano temos em torno de 30% da produção gaúcha que não vai para a indústria (de panificação) e que costuma ser vendida para outros Estados. A diferença, neste ano, é que temos uma indústria de carnes com demanda aquecida pela China e que pode complementar parte da alimentação dos animais com trigo, dependendo de como estiver o preço do milho – explica Paulo Pires, presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Rio Grande do Sul (Fecoagro-RS).
O dirigente lembra que, apesar dos problemas enfrentados recentemente, o Rio Grande do Sul continua produzindo trigo suficiente para atender a indústria de panificação.
Quem escapou da chuva comemora a colheita
Era sexta-feira, 25 de outubro, quando Jairo Gaviraghi terminou de colher o trigo na propriedade da família em Santa Rosa, na região noroeste do Estado. O resultado não poderia ter sido melhor. Em uma área de 60 hectares, conseguiu-se, em média, 65 sacas por hectare e quase toda produção atingiu peso do hectolitro (PH) acima de 80.
Se o ciclo da safra fosse postergado por alguns dias, o panorama poderia ter sido bem diferente, já que dois dias após o término da colheita começou um longo período de chuva na região. Para Gaviraghi e outros agricultores gaúchos que conseguiram escapar dos efeitos da umidade, o resultado desta safra é celebrado.
– Conseguimos aplicar os tratamentos de químicos na hora certa e quando chegou a colheita correu tudo bem – comemora Gaviraghi.
Em função do bom resultado, o produtor planeja expandir o cultivo para 80 hectares em 2020, visando à rotação de cultura com a soja. Assim, além de vender bem o trigo à cooperativa da região, poderá preparar melhor o solo para oleaginosa, o carro-chefe da safra de verão.
Neste ano, a perspectiva de venda do cereal de qualidade melhorou em relação ao ano passado. Conforme o informativo conjuntural divulgado pela Emater na semana de 21 de novembro, o preço médio da saca pago ao produtor rural ficou em R$ 38,65. Na mesma época, em 2018, estava em R$ 37,85.
Na avaliação do consultor de trigo da Safras & Mercado, Jonathan Pinheiro, a menor oferta de trigo tipo 1 em todo o Brasil, com PH acima de 78, deve influenciar ainda mais no comportamento dos preços nas próximas semanas.
– Com um trigo de boa qualidade cada vez mais escasso, a tendência é de alta nos preços – salienta.
Além dos problemas enfrentados nas lavouras do Rio Grande do Sul, Pinheiro lembra que a safra de trigo do Paraná, Estado dono da maior produção no país, também teve a qualidade afetada pelo mau tempo. As lavouras paranaenses foram prejudicadas pelo excesso de chuva. De acordo com a Companhia Nacional do Abastecimento (Conab), o país deve colher 5,1 milhões de toneladas de trigo em 2019, queda de 5% frente a 2018.
Pressão sobre a indústria
Responsável por beneficiar aproximadamente 70% da produção de trigo do Rio Grande do Sul, a indústria gaúcha já trabalha com a hipótese de buscar mais trigo fora do Estado por conta da perda de qualidade em parte expressiva do grão colhido. A decisão deverá ser tomada pelos moinhos a partir de dezembro, com a conclusão da safra local e o avanço da colheita do cereal na Argentina.
A redução acentuada no peso do hectolitro (PH) pode fazer com que o percentual de aproveitamento da safra gaúcha de trigo deste ano caia a 50% do total, projeta Diniz Furlan, presidente do Sindicato da Indústria de Trigo do Rio Grande do Sul (Sinditrigo-RS).
– Ainda não temos claro quantas toneladas foram entregues com a especificação de panificação, mas se a qualidade cair, será necessário importar mais trigo – aponta Furlan.
Ainda que tradicionalmente o Rio Grande do Sul seja autossuficiente na cultura, produzindo mais do que o consumido no Estado, o Brasil não é. A Conab projeta que a demanda interna de trigo no período 2019/2020 será de 12,1 milhões de toneladas frente a uma produção de 5,1 milhões de toneladas. A saída acaba sendo trazer o cereal do Exterior, em especial da Argentina. Neste caso, Furlan destaca que a cotação do dólar, que chegou a romper a barreira dos R$ 4,20 nesta semana, tende a aumentar os custos dos produtos, que deverão ser repassados ao consumidor final.
– A farinha que ainda hoje está no mercado foi comprada com o dólar abaixo de R$ 4. Se a cotação persistir acima disso, a tendência é de que os preços aumentem – constata.
A desvalorização do real frente à moeda norte-americana já está pressionando o preço da farinha no país. Segundo levantamento da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), o preço médio da tonelada está em US$ 469 (o equivalente a R$ 1.824) em 2019, expansão de 23% na comparação com 2018. A cotação é a maior da década. Segundo a Abitrigo, isso ocorre principalmente pelo efeito do câmbio.
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