Atualizadas para aumentar a qualidade do leite e habilitar o produto brasileiro para mercados externos exigentes, as instruções normativas (INs) que tratam da produção, conservação e recepção nas indústrias deverão entrar em vigor em dez dias sem que boa parte dos produtores e laticínios esteja preparado. O alerta foi feito por representantes do setor ao Ministério da Agricultura, que por enquanto mantém a data de 30 de maio para as mudanças começarem a valer. O pedido é de um período de transição para adequação das propriedades — principalmente médias e pequenas.
As INs 76 e 77 foram publicadas pelo governo em 30 de novembro de 2018, com prazo de 180 dias para entrarem em vigor. Antes disso, as mudanças foram discutidas em um processo de consulta pública que recebeu 420 sugestões.
— O objetivo da atualização é justamente induzir a profissionalização e reduzir a concorrência desleal entre produtores que priorizam qualidade e outros que trabalham apenas com volume — destaca Milene Cristine Cé, auditora fiscal federal agropecuária do Ministério da Agricultura no Estado.
Uma das mudanças trazidas pelas INs é o estabelecimento de um limite da contagem bacteriana total (CBT) no recebimento do leite cru, na indústria . Pelas novas regras, o máximo permitido será de 900 mil unidades formadoras de colônia por mililitro (Ufc/ml).
— Mais da metade do leite produzido no Rio Grande do Sul supera em muito esse valor – afirma a médica veterinária Letícia de Albuquerque Vieira, consultora de qualidade de laticínios.
O objetivo da atualização é justamente induzir a profissionalização e reduzir a concorrência desleal entre produtores que priorizam qualidade e outros que trabalham apenas com volume.
MILENE CRISTINE CÉ
Auditora fiscal federal agropecuária do Ministério da Agricultura no Estado
O limite estabelecido para a indústria leva em conta o máximo exigido nas propriedades, de 300 mil Ufc/ml, considerando que o produto pode aumentar esse valor em até três vezes no trajeto. Para o Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do RS (Sindilat-RS), não há estudos suficientes em relação à referência de 900 mil de contagem bacteriana no recebimento.
— Antes de definir parâmetros é preciso ter dados mais detalhados, até porque esse é um procedimento novo para as indústrias — avalia Alexandre Guerra, presidente da entidade, que reforçou o pedido de prazo de transição.
A entidade também reclama da exigência às indústrias de implantarem programas de qualificação dos produtores de leite, que envolvem questões de gerenciamento da propriedade. Outro ponto considerado difícil de ser adaptado imediatamente é a temperatura de recebimento do leite na plataforma da indústria, de 7°C, podendo chegar a 9°C em episódios excepcionais. Hoje, é de 10°C.
— Isso vai exigir que a temperatura do leite seja reajustada nos refrigeradores nas propriedades, onde os produtores enfrentam problemas de fornecimento de energia elétrica — lembra Carlos Joel da Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado (Fetag-RS).
Pequenas propriedades serão mais impactadas
O dirigente é favorável às medidas, mas pondera a necessidade de tempo para implantação. Presidente do Conselho Brasileiro de Qualidade do Leite (CBQL), o professor universitário André Thaler Neto diz que protelar não é a melhor alternativa:
— Temos um histórico de adiamento que não é benéfico. Precisamos avançar, quanto mais critérios e exigência de qualidade, mais mercados poderemos acessar.
O receio é de que o maior impacto das novas regras seja nas pequenas propriedades, onde poderão ser necessárias adaptações que exijam investimentos imediatos — em um momento de escassez de crédito. A Associação das Pequenas Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul (Apil-RS) estima que metade dos produtores gaúchos já cumpram as exigências das INs. Outros 25% têm condições de se adequar imediatamente e os 25% restantes terão dificuldades.
— Em um prazo curto, inferior a dois anos, esse produtor sairá da atividade, por não ter capacidade de investimento e nem sucessor — considera Wlademir Dall’Bosco, presidente da Apil-RS.
Precisamos avançar, quanto mais critérios e exigência de qualidade, mais mercados poderemos acessar.
ANDRÉ THALER NETO
Presidente do Conselho Brasileiro de Qualidade do Leite (CBQL)
A entidade calcula que esses 25% de produtores representem hoje menos de 5% da produção, que poderá ser compensada pelo ganho de produtividade do setor como um todo.
— As mudanças das INs fortalecerão os programas de pagamento por qualidade, protegendo os produtores de oscilações do mercado e oferecendo mais segurança ao consumidor — contrapõe a auditora fiscal federal agropecuária do Ministério da Agricultura.
O assunto está sendo discutido na 42ª Expoleite e 15ª Fenasul, que ocorre até este domingo, em Esteio .
Indicadores de qualidade
- A contagem bacteriana total (CBT) do leite refere-se à higiene e conservação do leite, que são determinadas por boas práticas, temperatura e tempo de armazenamento até o consumo final. Volumes baixos de CBT aumentam o tempo de vida de prateleira do produto, além de manter o sabor e os nutrientes do produto.
- A contagem de células somáticas (CCS) é um indicador de saúde da glândula mamária da vaca. O indicador está relacionado à produtividade do animal e também ao rendimento industrial do produto – com variação física do teor de lactose, do nível de proteína e da acidez do leite.
Principais mudanças das INs 76 e 77
Contagem bacteriana na indústria
O limite de contagem bacteriana total (CBT) no recebimento do leite cru, na indústria, será de 900 mil unidades por mililitro. Os limites estabelecidos na propriedade, de 300 mil de CBT e 500 mil de contagem de células somáticas (CCS), foram mantidos.
Descarte de produtores
O leite cru coletado nas propriedades deve apresentar médias geométricas de contagens de no máximo 300 mil unidades formadoras de colônia por mililitro (Ufc/ml). As médias precisam considerar análises de três meses consecutivos e os registros devem ser armazenados pelas indústrias.
Caso o produtor apresente índices acima do limite em três trimestres sequenciais, a coleta do leite deverá ser suspensa pela indústria. O produtor poderá voltar a fornecer o alimento quando apresentar pelo menos um resultado positivo, sem compor média.
Temperatura do leite
A temperatura de receptação do leite cru na plataforma da indústria será de 7°C, podendo chegar a 9°C em episódios excepcionais. Pela lei atual, o leite pode chegar à indústria até 10°C.
Programa de capacitação
As empresas precisarão adotar planos de autocontrole, que incluam qualificação de fornecedores com assistência técnica e gerencial. O trabalho das indústrias nas propriedades deverá incluir fiscalização sobre o controle de dejetos da produção leiteira, exigências referentes à qualidade da água, controle de pragas e armazenamento de alimentos/rações animais.