
Capturado em águas profundas, até 200 quilômetros distante da costa gaúcha, o atum bonito listrado tornou-se objeto de estudo que pretende fazer com que o peixe chegue em maior quantidade e com preços mais convidativos ao mercado – independentemente da distância que tenha de percorrer. O Projeto Bonito Listrado, iniciado há três anos em cinco universidades brasileiras, levanta informações sobre o comportamento dos cardumes, para identificar áreas de reprodução, desova, crescimento, tipos de alimento e rotas migratórias.
Em fevereiro, marcas eletrônicas com duração de até oito meses serão implantadas em 12 peixes para acompanhamento da movimentação via satélite, explica o coordenador do projeto, Lauro Saint Pastous Madureira, responsável pelo Laboratório de Tecnologia Pesqueira e Hidroacústica do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
— Saberemos exatamente de onde vêm e para onde vão, o que fazem e para quais profundidades mergulham — resume o professor.
Intenção é ajudar a alavancar a cadeia produtiva do terceiro peixe marinho mais pescado no mundo. Perde apenas para sardinha e anchoveta peruana, conforme a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). No Brasil, são capturados por ano 25 mil toneladas da espécie, 28% no Rio Grande do Sul, de acordo com o Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe), que agrega sindicatos e indústrias. A estimativa é de que 1,5 mil pessoas estejam envolvidas na pesca do atum bonito no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
Integrante da pesquisa, o professor Paulo Zawislak, coordenador do Núcleo de Estudos em Inovação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica o cenário atual do pescado gaúcho fazendo analogia com a industrialização do frango – hoje vendido em pedaços nos mercados, mas que há cinco décadas era oferecido apenas inteiro e até mesmo vivo.
— Tinha de levar para casa, destroncar o pescoço, tirar pena, pele. É o mesmo que acontece com o peixe hoje. Aqui, come-se praticamente na Páscoa. Se compra inteiro de pescadores na praia ou nos mercados — ilustra Zawislak, argumentando que embora o enfoque do estudo seja no atum bonito listrado, os resultados poderão ser estendidos para pescados em geral.
O professor argumenta que a indústria do frango começou a se desenvolver com integração da cadeia. Com isso, veio a garantia de oferta e a estabilidade para que as empresas se organizassem a ponto de oferecer o produto fatiado aos consumidores. Desenvolver o mercado do atum nos mesmos moldes, segundo Zawislak, também requer reorganização de toda a cadeia, passando pela pesca, logística, processamento, distribuição, venda e conscientização dos consumidores. Nesse processo, considera que a inovação é imprescindível.
— Se não há oferta em volume satisfatório para o mercado, fica caro e as pessoas consomem esporadicamente. A indústria não se desenvolve porque não tem retorno lucrativo — explica.

Testes para inclusão na merenda escolar
Avaliação da aceitabilidade do atum nas escolas para possível implantação na merenda escolar será feita ao longo do estudo. O atum é fonte de proteína magra, indispensável para a formação de músculos e órgãos, ferro, vitaminas do complexo B e magnésio, importante para os ossos. Conforme a nutricionista Aline de Andrade, sua carne também é rica em ômega 3, gordura que reduz inflamação do corpo, ajuda na prevenção da neurodegeneração e da obesidade.
Segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Pesca, Doces e Conservas Alimentícias no Rio Grande do Sul, Torquato Ribeiro Pontes Neto, a demanda por atum inteiro se sobressai por conta do uso em enlatados e sushis, mas que, se houvesse procura do mercado, surgiriam indústrias que venderiam o produto fracionado.
Sobre a quantidade de empresas interessadas em capturar a espécie, restrita a uma no Estado, o secretário de Pesca de Rio Grande, Cláudio Costa, lembra que a pesca especializada desse tipo de produto requer embarcações específicas. Além disso, o mercado nacional não é atraente.
— O custo é alto, e o consumo não é popular — pontua.
Cadu Villaça, diretor-técnico do Conepe, diz que o principal desafio do setor é proporcionar condições para ordenamento, registro, controle, rastreabilidade e prestação de contas da captura.
— As perspectivas são de crescimento e expansão baseadas no cumprimento de regras e obrigações pela cadeia produtiva — destaca o dirigente.
Indústria exporta 90% da pesca
Fundada em 1889, a Indústria Alimentícia Leal Santos, de Rio Grande, é a única empresa gaúcha que pesca o atum bonito listrado. A empresa tem seis barcos e cerca de 300 funcionários que capturam o peixe com isca viva e exportam, atualmente, para países da Ásia e América do Sul. Até o ano passado, o principal mercado era o europeu, mas o pescado brasileiro está impedido de entrar no continente em razão de embargo da União Europeia.
O diretor da Leal Santos, Alexandre Llopart, diz que 90% da pesca é exportada inteira e congelada para enlatamento. Os outros 10% são processados na fábrica para envio, cozido e congelado, para enlatadoras do Mercosul. Segundo o empresário, o mercado brasileiro não paga o preço que a pesca sustentável exige, por isso a necessidade de exportar grande parte da produção. Cerca de 7 mil toneladas são pescadas pela empresa anualmente – equivalente a mais de US$ 10 milhões.

Até 2011, a Leal Santos buscava em Santa Catarina e Rio de Janeiro a sardinha que atraía os cardumes de atum. A descoberta do peixe anchoita possibilitou que a empresa se tornasse sustentável e abrisse portas para o mercado europeu:
— A partir do convênio com a Furg, enxergamos que tínhamos um produto sustentável, que poderíamos fazer pesca seletiva e buscar selos internacionais de qualidade. Hoje somos totalmente especializados no atum bonito listrado para exportação — destaca Llopart, acrescentando que a empresa reduziu o consumo de combustíveis e a emissão de gás poluentes.
Iscas locais reduzem custos
A pesquisa atual é continuação de um projeto que, há sete anos, reduziu um dos principais gargalos da pesca do atum bonito listrado no Rio Grande do Sul: a necessidade de capturar sardinha viva em outros Estados para usá-la como isca ao lado das embarcações e atrair o atum.
— Os barcos tinham de navegar até Santa Catarina e Rio de Janeiro para pescar sardinha e trazê-la para o Estado. Depois, levar o peixe até alto-mar para capturar o atum. Era um gasto alto — resume o professor Lauro Madureira.
O estudo na época, feito pela Furg em parceria com o setor privado, apontou a anchoita como alternativa, espécie de pescado abundante no Estado e com população mais de 10 vezes superior à da sardinha. A mudança resultou em economia de até 40% de combustível para a única empresa gaúcha que faz a pesca do atum bonito com isca viva – Leal Santos – e, por consequência, na redução de gases de efeito estufa.
— Aquele trabalho qualificou a equipe para mais projetos, como este do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade — diz Madureira.
A pesquisa atual teve inicio há três anos por meio de parceria entre a Furg, coordenadora do projeto, e outras quatro instituições – UFRGS, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRGS) e Universidade Federal Fluminense (UFF). O término está previsto para setembro deste ano.
Cada grupo ficou responsável por áreas específicas, como acompanhar as rotas dos atuns e comparar o valor nutricional com o de outros animais, como frango e suíno. Projeto teve R$ 2 milhões patrocinados pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade. Outros R$ 2 milhões foram aplicados como contrapartida pelas universidades. Até o fim do ano, os resultados serão apresentados. Depois, serão elaborados relatórios, um técnico e outro focado no incentivo ao consumo.