Dois frigoríficos e um matadouro da Serra são alvos de uma operação realizada na manhã desta terça-feira (29) pela Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, em conjunto com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público (Gaeco) - Núcleo de Segurança Alimentar e a Receita Estadual. Foram cumpridos três mandados de busca e apreensão em estabelecimentos das empresas Aida Alimentos, Matadouro Gavazzoni e R. Moretto – Frigorífico, nas cidades de Bento Gonçalves, Flores da Cunha e Anta Gorda. A operação ocorre após laudo constatar na copa fatiada da marca Aida a presença da bactéria Listeria monocytogenes, um agente biológico altamente nocivo e letal.
De acordo com as investigações, os investigados associaram-se para cometer crimes contra a saúde pública adicionando amido e Carne Mecanicamente Separada (CMS) e utilizando produtos de baixa qualidade para a fabricação dos produtos da empresa Aida. A prática torna os produtos impróprios ao consumo humano.
A Receita Estadual também acrescenta que foram constatados problemas, como carnes vencidas e acondicionadas de forma irregular, rótulos fraudados com datas de produção e validade alterados, e aditivos para utilizar em embutidos com prazo de validade vencido. Também foi constatada a falsa indicação de "não contém glúten" nos rótulos de produtos fabricados pela empresa.
A intenção das buscas é localizar embutidos adulterados e produtos químicos utilizados de forma irregular, além de documentos e equipamentos eletrônicos. A operação ganhou o nome de Incassato, que significa embutido em italiano.
Como funcionava o esquema
De acordo com o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor, Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, foram encontrados problemas no produto final das três empresas investigadas. A Matadouro Gavazzoni, de Flores da Cunha, e a Moretto, de Anta Gorda, também são fornecedoras de matéria-prima da Aida, de Bento Gonçalves. Nestas duas empresas, o maior problema encontrado é a matéria-prima de baixíssima qualidade. No caso da Aida, eles também colocavam o amido e a carcaça para o produto pesar mais, conforme o promotor.
— Praticamente toda a linha de produtos da Aida tem problema, como as copas, os salames, os apresuntados — aponta Alcindo.
A investigação começou em abril do ano passado quando três toneladas de produtos da empresa de Bento Gonçalves foram jogadas fora. O dono foi preso em flagrante e passou a responder processo criminal. As análises foram concluídas no final do ano passado e as investigações terminara neste primeiro trimestre do ano. Na investigação do Ministério Público, duas funcionárias foram flagradas em áudio falando de estratégias para driblar a fiscalização.
— Elas tentam ganhar tempo para análise e chegam a perguntar se está lacrado, dando a entender que cogitaram até trocar a amostra — conta o promotor.
Uma segunda escuta mostra um revendedor que não está conseguindo vender os produtos porque eles estão podres.
Os nomes dos envolvidos não foram divulgados pelo MP. Por conta da greve dos caminhoneiros, não havia muito material para apreensão porque a produção já estava parada. Eletrônicos, como o celular do dono da empresa, também foram apreendidos.
O próximo passo da operação vai ser informar a Secretaria Estadual da Saúde e a Associação Gaúcha dos Supermercados (Agas) para que os produtos sejam retirados das prateleiras o mais breve possível.
Riscos à saúde
Laudos realizados pelo Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro), a partir de fiscalizações da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seapi) na empresa Aida Alimentos, constataram a presença da bactéria Listeria monocytogenes na copa fatiada. De acordo com o Lanagro, a bactéria é causadora da doença chamada listeriose, infecção que tem incidência baixa, mas alto grau de severidade e alto índice de mortalidade (de 20% a 30%).
A listeriose pode causar problemas sérios em gestantes, recém-nascidos, idosos e pacientes debilitados e imunodeprimidos. Os sintomas iniciais são semelhantes a uma gripe: com febre, mialgias e dor de cabeça, podendo haver complicações como aborto, feto natimorto, nascimento prematuro e infecções neonatais. A listeriose invasiva, por sua vez, pode afetar o sistema nervoso central e causar meningite, meningoencefalite e abscessos no cérebro. Ela atinge, principalmente, pacientes com mais de 50 anos e causa febre, alterações na percepção sensorial e dor de cabeça.
Adulteração
As análises dão conta, também, que os produtos pepperoni, apresuntado, presunto cru e presunto tipo Parma continham amido em quantidade superior à prevista na legislação (no caso do pepperoni, presunto cru e presunto tipo Parma, a legislação sequer permite a presença de amido e, em relação ao apresuntado, o insumo estava em quantidade superior à permitida).
Além disso, foi encontrado amido em presunto cru tipo italiano fatiado, produto cujo rótulo afirma, nas informações nutricionais, que o percentual de carboidratos é 0% e que o produto não contém glúten. O amido seria utilizado para aumentar o peso dos produtos, o que consiste em fraude econômica.
O Lanagro também constatou a presença de nitrito de sódio em quantidade superior à permitida em amostras de mortadela sem toucinho com ervas finas. A utilização do insumo deve ser limitada e atender aos padrões da legislação, pois há estudos que relacionam o alto consumo a alguns tipos de câncer.
Fraude econômica
A fraude econômica também foi identificada a partir da detecção de indícios do uso de carne mecanicamente separada (CMS) em produtos em que a prática é proibida (pepperoni) ou em quantidade superior à permitida pela legislação. No caso do apresuntado, houve adição de 38% de CMS, o que faz com que mais de um terço da composição do produto seja constituída de insumo de custo quase cinco vezes menor que a carne suína e constituída de ossos, carcaça ou parte de carcaça de animais de açougue (aves, ovinos e suínos). Além disso, os resultados das análises dos parâmetros podem indicar a utilização de matéria-prima de má qualidade, como carne vencida ou em decomposição, por exemplo.
Histórico da empresa
Em abril de 2017, durante operação da Força-Tarefa do Ministério Público Estadual com participação do efetivo da Vigilância Sanitária Municipal de Bento Gonçalves e Estadual e outros órgãos, foi constatada a reutilização de carne vencida e imprópria ao consumo humano na confecção de embutidos pela Aida Alimentos. O proprietário, Mauro Francisco Gasperin, foi preso em flagrante por cometer crimes contra as relações de consumo e falsificação de selo emitido por autoridade. Foram inutilizadas aproximadamente três toneladas de produtos impróprios ao consumo, o que gerou denúncia criminal. A empresa foi autuada diversas vezes pela fiscalização estadual entre os últimos dois anos, o que não impediu a continuidade dos crimes.
Contrapontos
Em nota, a Aida Alimentos Ltda informou que "acerca da investigação ocorrida nas dependências da empresa no dia 29/05/2018, liderada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. A empresa informa ter cooperado com a autoridade policial e fiscalizatória, fornecendo produtos, materiais e documentos para auxiliar nas verificações. Há mais de 90 anos oferece alimentos de qualidade aos seus consumidores, sempre comprometida com o fornecimento adequado dos seus produtos.
"A Aida Alimentos Ltda reforça sua preocupação e compromisso com a natureza dos seus produtos bem como se prontifica a prestar todo e qualquer esclarecimento para atestar a qualidade das matérias-primas utilizadas na fabricação de seus alimentos. A empresa desconhece as acusações feitas e por este motivo busca esclarecimentos junto aos órgãos competentes. Solicitamos tranquilidade e confiança por parte de todos".
Também em nota, o Matadouro Gavazzoni informou que “tem criação de suínos própria e abatedouro para padronizar a qualidade de seus produtos. Além de utilizar a carne para seus produtos, é fornecedora de matéria-prima para outras empresas. Sempre seguindo um rígido controle de qualidade da produção e dos produtos”.
“A empresa adota medidas na linha de produção, entre elas as mais rigorosas práticas de higiene, manipulação, conservação e controle de seus produtos de forma a assegurar sua qualidade, atendendo às exigências legais nacionais. (...) Reiteramos também que não há qualquer vínculo ou existência de problemas da empresa junto ao Ministério Público. Cabe salientar, ainda, que a empresa está consolidada junto ao mercado estadual desde 1995 e durante este período nunca foi alvo de investigação de qualquer ordem, estando aberta a todos os esclarecimentos e informações necessárias”, diz trecho da nota.
A Moretto, de Anta Gorda, não manifestou contraponto até a quinta-feira (31) pela manhã.