"Meu riso é tão feliz contigo. Meu melhor amigo é o meu amor", já cantavam os Tribalistas em uma das músicas mais românticas da MPB. Mas, para além de enxergar um amigo no namorado, não raro o movimento acontece de forma contrária: grandes amizades se transformam em tórridos romances.
Sobram exemplos de histórias assim na ficção. A comédia romântica estrelada por Mila Kunis e Justin Timberlake, Amizade Colorida (2011), é um deles. Foi também com essa trama que Chandler (Matthew Perry) e Mônica (Courteney Cox) viraram o casal queridinho de Friends (1994), assim como Jim (John Krasinski) e Pam (Jenna Fischer) em The Office (2005), entre tantos outros.
Na vida real, ainda que talvez de forma menos romantizada, não é diferente. São muitos elementos que ajudam a explicar por que não é difícil encontrar casais que costumavam ser amigos antes de engatar um namoro. Sintonia, conhecimento extra sobre o outro e, por consequência, facilidade na comunicação e na construção da intimidade são alguns.
Em homenagem ao Dia dos Namorados, nesta segunda-feira (12), celebramos aqui histórias de casais apaixonados, como a informata Patricia Zottis, 49 anos, e o empresário Adriano da Silveira, 49, que valorizam seu passado de amizade justamente porque entendem que ele foi essencial para que se tornassem os parceiros que são hoje.
A relação dos dois começou em 1987, por conta de um amigo em comum. Os jovens, com então 14 anos, frequentavam o extinto Glória Tênis Clube, em Porto Alegre, onde passavam as férias aproveitando a piscina. A cada temporada, ficavam mais próximos.
— Se um não ia, o outro também não — relembra Patricia.
Nos meses seguintes ao verão, o contato era restrito às ligações de telefone fixo, já que moravam em bairros distantes. Estas eram especialmente notadas pelos avós de Adriano, que com frequência o questionavam sobre aquele único número que aparecia na fatura todo fim de mês.
Já naquela época, havia quem desconfiasse de que se tratava de algo além de amizade. Uma vez, Patricia ouviu de colegas de clube que Adriano "estava a fim dela". Corajosa, foi tirar satisfações com o amigo, que na hora ficou vermelho e respondeu que "nada a ver", acabando com o assunto. Quando já estavam perto dos 17 anos, passaram o Carnaval, só os dois, aproveitando os bailes de marchinha. Foi aí que Adriano tentou a sorte, arriscando um beijo roubado na amiga. Confusa, Patricia não retribuiu e a relação estremeceu.
— Guria boba, achava que não poderia ter o amigo e o namorado. Pensava: "Se namorar, vou perder o amigo". E acabei perdendo, de certa forma — reflete ela.
Já na transição para a vida adulta, cada um seguiu seu caminho. Alguns meses mais tarde, porém, Patricia arrependeu-se e tentou voltar atrás. Mas ouviu um sonoro “agora, Patricia?”, que a fez desistir de vez. Depois, descobriu por quê: Adriano já estava comprometido e esperava seu primeiro filho.
— Já estava em outra situação, ficou complicado. Ela já não tinha me dado chance na época, por que agora isso? Toquei a vida, já estava com compromisso, fui pai muito cedo. Não podia — explica ele.
Patricia relata que, anos depois, ouviu de um amigo que "a gente só se arrepende do que não faz":
— Lembrei do Adriano na hora.
A história poderia acabar por aí: uma amizade na juventude e um descompasso de ambas as partes na hora de investir em um romance. Mas, 30 anos depois, em 2020, em meio à pandemia, os dois se encontraram nas redes sociais e, após algumas trocas de mensagens, resolveram marcar um jantar.
— Vim até Porto Alegre no dia mais frio da minha vida para jantar com a “amiguinha” — diverte-se Adriano, acrescentando que, na época, morava em Cidreira.
— Estava com uma ansiedade, era pior que adolescente. Ele me fez voltar aos 16 anos. Passei a tarde nervosa, porque iria reencontrá-lo. Nas nossas ligações, ele dizia que eu era a paixão da adolescência dele. É aquela história das borboletas no estômago — complementa Patricia.
Novo capítulo
Solteiros, mais maduros e sem querer desperdiçar outra chance, não se desgrudaram mais. Hoje, são casados e não poupam elogios para a relação que vêm construindo.
A gente é amigo, parceiro, e o reflexo vai para a relação de marido e mulher
ADRIANO DA SILVEIRA
sobre relação com Patricia Zottis
— A gente é amigo, parceiro, e o reflexo vai para a relação de marido e mulher. É a nossa essência: se tivermos um problema, vamos resolver juntos. É querer, não é forçado. Temos comunicação para tudo. É até meio difícil de explicar. Nossa amizade é maior do que ser namorado, noivo, marido… Isso é só consequência do que vivemos entre nós. É surreal — afirma Adriano.
O histórico de amizade também foi um fator para que a decisão de ficar juntos tenha sido tomada com mais rapidez, concordam eles. E sobre os conselhos que dariam a quem gostaria de viver um romance com um amigo, mas tem receio, os dois respondem: não deixe de investir.
— Não perca 30 anos como perdi. Se pudesse voltar, se tivesse uma máquina do tempo para entrar e namorar o Adriano lá com 16, ah, sem dúvidas (voltaria) — sonha a romântica Patricia.
Colegas de apartamento
É quase como se os jornalistas Rafael Bernardes, 30 anos, e Camila Emil, 28, tivessem escutado os conselhos de Patricia e Adriano. Os dois se conheceram em 2014 na faculdade e, desde então, percorreram um longo trajeto até oficializarem o namoro há cerca de três meses. Até acontecer, a possibilidade de envolvimento romântico "nem lhes passava pela cabeça". Os dois namoravam outras pessoas — e, inclusive, todos costumavam sair juntos.
Mas a vida quis que Rafael e Camila ficassem solteiros na mesma época, no final do ano passado, quando passaram a curtir com ainda mais intensidade os rolês com amigos. A amizade era tanta que já tinham decidido dividir um apartamento em Porto Alegre quando deram o primeiro beijo.
— Daí para cá, a gente nunca mais parou de ficar — resume ele.
A situação não foi vista como problema para eles, que pensavam que a "ficada" seria pontual.
— Minhas amigas perguntaram: "Vai dar certo isso de ficar e morar juntos?". Respondi: "A gente é amigo o suficiente. Temos um diálogo muito aberto. Vai dar tudo certo" — conta Camila.
Rafael também destaca a importância da comunicação.
— Na minha cabeça era: "Se em algum momento um estiver gostando mais do que o outro, vai falar". Os dois teriam maturidade para continuar sendo amigos e eu lidaria com isso. Seria difícil com ela morando do meu lado, mas a terapia está aí para isso (risos).
Virada de chave
Foram meses como amigos-ficantes, até que estabeleceram a regra de que poderiam se relacionar com outras pessoas, desde que não as levassem para casa. Com essa naturalidade, aproveitaram o último Carnaval juntos, ainda solteiros. A oficialização veio três semanas depois, assistindo ao pôr do sol.
— Quando vi ela sorrindo, pensei: "É o momento". Pedi em namoro e ficamos horas como dois bobos nos olhando e falando: "A gente está namorando!" — relembra Rafael.
No apartamento, por algum tempo, cada um seguiu com o seu quarto, para entender que existia ali um "refúgio individual".
— Por uma questão de ritual, era importante — conta Camila.
Os dois elencam algumas razões para que a transição de amigos para namorados tenha dado tão certo: diálogo, respeito à individualidade do outro, sinceridade e ter deixado o sentimento fluir.
Diferenciais positivos
Entender que a pessoa com quem você está se relacionando segue sendo a mesma de antes é um dos principais pontos levantados pela psicóloga e terapeuta de casais Tatiana Spalding Perez. Muitas vezes, por colocar amizades e romances em “caixinhas” diferentes, as pessoas mudam o jeito de ser com o outro e, assim, acabam abrindo mão de qualidades que faziam daquela relação tão especial.
Tudo o que tinha de positivo na amizade pode ser levado para o relacionamento amoroso
TATIANA SPALDING PEREZ
psicóloga e terapeuta de casais
— Tudo o que tinha de positivo na amizade pode ser levado para o relacionamento amoroso. Pensem: “Do que eu gostava dessa relação? Como continuar florescendo, cultivando esses aspectos positivos?”. Tem que ter muito cuidado para não mudar totalmente. Muda a intimidade sexual, o status. Mas segue sendo a mesma pessoa, as mesmas coisas que partilham. O grande desafio é não colocar problema onde não precisa ter — argumenta a profissional.
A psicóloga também não recomenda que haja uma conversa formal para definir limites:
— É importante que a fluidez continue para que o casal possa construir sua própria dinâmica com a história que tem.
Lidar com o excesso de informações sobre a vida do outro pode ser um ponto de insegurança para alguns casais, mas é o que costuma ser o diferencial positivo, defende Tatiana.
— Ele estava do meu lado enquanto eu me construía como pessoa, me transformava em quem sou. Isso pode trazer uma conexão muito maior do que começar do zero — diz ela.