Parece coisa de novela, mas existe na vida real um documento chamado “contrato de namoro”. E ele vem sendo adotado por casais brasileiros, segundo dados do Colégio Notarial do Brasil — entre 2016 e 2021, o número de registros cresceu 228%.
Em entrevista para Donna, as advogadas especialistas em direitos de família e sucessões Bianca Lemos e Débora Ghelman explicam que esse acordo não é reconhecido na Legislação, mas pode servir para proteger a situação patrimonial de cada parte antes, durante e depois da relação. Isso porque o contrato limita o relacionamento a um namoro, afastando a possibilidade deste eventualmente ser reconhecido como união estável, o que envolveria questões relacionadas à posse de bens.
Um dos motivadores do crescimento da procura, apontam as advogadas, é uma modificação da Lei da União Estável que ocorreu em 1996, a qual tornou menos rígido o processo de reconhecimento desse tipo de união, eliminando o prazo mínimo de cinco anos de convivência entre o casal e a necessidade de haver filhos em comum.
— Dessa forma, certos casais decidiram se prevenir juridicamente para o caso de virem a se separar. Assim, fizeram o contrato para registrar oficialmente que a sua relação ainda não é algo tão sério como uma união estável — afirma Débora.
Assim como não há lei que determine o contrato de namoro, também não existem disposições legais que o proíbam, defendem as especialistas. No entanto, as decisões que já foram publicadas sobre o tema demonstram um entendimento dos tribunais no sentido de que o contrato de namoro, por si só, não pode ser utilizado para rechaçar a existência de uma união estável quando houver elementos que a sustentem. Fica a cargo do magistrado analisar as provas e averiguar a natureza da relação.
O que se pode afirmar, pontuam Bianca e Débora, é que o documento é uma prova importante que colabora para o afastamento da união estável, mas não é determinante nem excludente.
— Se, apesar da existência do contrato de namoro, houver elementos que preencham todos os requisitos da união estável, tal qual a lei determina, não será possível afastar a sua existência. Desse modo, o contrato não poderá ser aplicado com intuito de travesti-la — explica Bianca.
Confira, a seguir, as respostas das especialistas para algumas das principais dúvidas sobre o tema:
Qual é o perfil do casal que opta pelo contrato?
É aquele que mantém uma relação afetiva, pública e duradoura, mas que não tem intenção de formar família (como é o caso da união estável) ou, se houver, é apenas um desejo futuro e incerto. Dessa forma, o par tem como objetivo resguardar seus patrimônios e seus direitos, evitando a possibilidade de repercussões legais e jurídicas sobre eles em caso de rompimento da relação.
Como é feito?
É um negócio jurídico, que pode ser realizado por instrumento particular ou escritura pública, sendo que o casal precisa se assegurar de que o cartório faz esse tipo de serviço. Nesse contrato, é importante que conste a qualificação das partes (nome completo, nacionalidade, estado civil, profissão, CPF ou CNPJ, RG, endereço eletrônico, endereço de residência ou endereço comercial), o objeto (definir que a relação em questão não ultrapassa um namoro) e a data de início da relação.
É possível também dissertar sobre diversas situações peculiares do casal em questão, desde que mantendo-se atento às leis. Outro ponto importante é procurar profissionais especializados em Direito de Família para orientar a realização desse contrato, a fim de garantir que ele tenha validade e eficácia.
O que o difere da união estável?
O namoro é um vínculo afetivo no qual há um envolvimento amoroso e romântico entre as partes, mas não há interesse de se criar expectativas a longo prazo ou compromissos perante a lei. Não sendo possível, portanto, configurar como uma entidade familiar. Assim, ele configura-se como uma relação afetiva, e não jurídica.
Já a união estável é entre duas pessoas que têm a intenção de constituir uma família, sendo pública e duradoura. Nesse sentido, funciona quase como um casamento, uma vez que direitos e deveres se aplicam, como, por exemplo, regime de bens, herança, entre outros.
Portanto, a diferença se apresenta nos seus efeitos no mundo real e no mundo jurídico. O contrato de namoro não é previsto em lei e não determina repercussões legais e jurídicas quando a relação chega ao fim, como partilha de bens, por exemplo.
Já a união estável se assemelha bastante ao casamento e tem efeitos patrimoniais e sucessórios que serão discutidos caso a união chegue ao fim, como a partilha de bens, heranças e os possíveis alimentos entre os ex-companheiros, por exemplo. Vale lembrar que alimentos são as prestações devidas para as necessidades pessoais do indivíduo que não pode satisfaze-las por meio do seu próprio trabalho.
Se o casal se separar, o que prevê o contrato de namoro? E a união estável?
O contrato de namoro não prevê nada acerca dos patrimônios do casal em caso de separação. Não há o que permita que os bens de cada integrante sejam atingidos ou que possibilite um eventual pedido de alimentos entre eles. Assim, quando o namoro termina, não há uma repercussão no âmbito jurídico e legal.
Por outro lado, o fim da união estável, da mesma maneira que acontece no casamento, repercute de maneira direta nos patrimônios dos ex-companheiros: surgem debates sobre partilha de bens, pensão alimentícia, herança e outros, a depender do regime de bens escolhido.