Na contramão do “deixa rolar e vamos ver no que é que dá”, as redes sociais têm mostrado que há muita gente interessada em rotular as etapas dos relacionamentos. Ficante premium, conversante e ficante comfort são alguns dos termos mais populares para definir as dinâmicas afetivas – desde as primeiras conversas afetuosas até as "ficadas" regulares.
Nunca ouviu falar? Role o feed no TikTok ou no Twitter. Por lá, não é difícil encontrar quem use as nomenclaturas em frases bem-humoradas, como “fui jantar com meu ficante premium e o garçom falou ‘boa noite, casal’. O que é isso? Vamos com calma!”. Ou então “não tenho namorado nem conversante nem ficante nem paz. Só tenho solidão e trevas”.
Para explicar o significado dessa classificação e refletir sobre a necessidade de colocar uma etiqueta nas relações interpessoais, Donna conversa a seguir com dois psicólogos que estudam os relacionamentos da atualidade.
Um deles é Léo Strack, psicólogo clínico, membro do comitê de sexualidade da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul (SPRGS), especializando em sexologia clínica pelo CEFI. A pedido de Donna, ele montou um glossário explicando alguns dos termos que estão circulando na internet. Confira:
- Conversante: aquela pessoa com quem você pode falar sobre tudo durante várias horas, que te trata superbem. Pode ser até que vocês já tenham ficado tempos atrás ou que exista uma chance de ficarem no futuro, mas no momento a intenção é apenas conversar.
- Ficante premium: é de quem que você mais gosta, deseja e investe. Mas por que não vai além? Porque essa pessoa pode não estar tão a fim de você como você dela. É alguém que dá ghosting, responde com poucas palavras. Até acontece alguma coisa de vez em quando, mas não com a seriedade que você gostaria.
- Ficante comfort: é o que você "até que gosta", mas não tanto quanto o premium. Ele te trata bem, vocês têm uma química legal, mas é apenas isso: legal. A principal característica é que ele está ali disponível quando o premium não está. Quando você está num momento de carência, buscando carinho e conforto, é nessa hora que o ele costuma aparecer.
- Ficante limited edition: aquele casinho que, pela distância, tempo ou outro motivo, sempre tem uma data para acabar. A pessoa mora ou estuda em outra cidade, veio visitar a família, veraneia na mesma praia, enfim. Os motivos podem ser os mais diversos, mas sua marca é que existe uma limitação prática que impede a relação de evoluir.
- Ficante versão remixada: aquele que reaparece de tempos em tempos, mas de uma forma um pouco diferente. Aparentemente mudado, mais maduro ou mais tranquilo. Quando ele volta, até dá aquela esperança de que "agora vai". Mas, no fim, tende a acabar sendo a mesma coisa antes e não dar em nada.
De acordo com Strack, se antigamente um único relacionamento precisava suprir todas as necessidades afetivas e relacionais de uma pessoa, com a liberdade e fluidez que há nas relações de hoje, é possível utilizar diferentes relacionamentos para suprir necessidades diversas.
— É a partir dessa dinâmica de múltiplos e simultâneos relacionamentos que se torna importante categorizar e nomear cada uma das relações. Cada ficante apresenta uma função diferente; o papel daquela relação, se ela serve para me dar conforto, para experimentar uma vivência de casal, para conversar ou simplesmente ter um momento de prazer, é a principal marca de cada tipo de ficante — aponta o psicólogo.
Organização mental
De tipos de filme a gêneros de música e estilos de vestir, o ser humano tende a categorizar tudo que está no seu entorno. Esta necessidade, explica a psicóloga e terapeuta de casais Tatiana Spalding Perez, geralmente vem de uma necessidade de "organizar as ideias".
— As pessoas estão constantemente criando conceitos e, dentro da lógica da psicologia e da sociologia, entendemos que é preciso nomear as coisas para saber explicá-las. Quando os conceitos surgem, geralmente é para ajudar as pessoas a se identificarem e conseguirem explicar para si e para os outros aquilo o que sentem — observa Tatiana.
Um dos benefícios disso pode ser a sensação de segurança e de tranquilidade que vem a partir disso. De acordo com Tatiana, estas sensações aparecem na medida em que as pessoas conseguem ter uma melhor noção do lugar que ocupam dentro da vida do outro e vice-versa, calibrando expectativas.
— Por exemplo, se sei que a minha relação com é de “conversante”, não vou esperar dele um grande convite e um grande passo. Sei que, por enquanto, estamos apenas conversando e me sinto mais segura sabendo disso — afirma Tatiana.
Também pesa para a criação de novas nomenclaturas o fato de que o início das relações — onde os indivíduos ainda não se conhecem a fundo e não sabem o que almejam desse contato — tende a ser uma fase marcada por incerteza e de insegurança. Rotular é uma forma de tentar amenizar esses desconfortos.
— A pesquisadora Brené Brown já diz “amar outra pessoa é a coisa mais vulnerável que existe no mundo, porque a gente ama sem saber o quanto o outro nos ama de volta”. Acredito que as categorizações vêm para criar essa sensação de segurança e de controle, justamente, nessas relações que ainda não sei bem o que são, como me sinto ou para onde vão — defende a psicóloga.
Outro ponto positivo dos nomes, lembra Tatiana, é que eles podem ajudar as pessoas a se sentirem bem com elas mesmas ao perceberem que não são as únicas vivendo aquele tipo de dinâmica, já que várias outras estão tendo sentimentos parecidos e chamando da mesma forma. Por outro lado, há as que não se adaptam aos novos conceitos e os acham estranhos, o que não é um problema, segundo a especialista.
O principal alerta quando se adotam esses rótulos diz respeito à responsabilidade afetiva, aponta. Idealmente, as categorizações que fazemos no nosso íntimo precisam ser, de alguma forma, comunicadas para o outro, evitando que haja conflitos de expectativas.
— É importante que, no diálogo com a pessoa, eu dê a entender em que lugar ela está. Talvez eu não vá dizer: “Olha só, você é meu número dois, porque tem outro que é o número um na minha lista”, mas é possível dizer que você não quer tanto compromisso — conclui a terapeuta.