Quando não está no saguão dos aeroportos em busca de boas ou comoventes histórias para o programa Chegadas e Partidas, a vida da apresentadora Astrid Fontenelle, de 63 anos, também gira em torno de algumas das mulheres mais sábias do Brasil.
Em Admiráveis Conselheiras, nova atração do GNT, a jornalista vai ao encontro de personalidades como a magistrada Luislinda Valois, a jornalista Marília Gabriela, a escritora Conceição Evaristo, entre outras, em busca de seus conselhos mais preciosos. A ideia é desestigmatizar a palavra “conselho” e acabar com a noção boba de que “se conselho fosse bom, não era dado, era vendido”.
— Valorizamos o respeito à ancestralidade, aos mais velhos e a sua sabedoria. Chego neste momento junto com eles. Estou com 63 anos, tenho o cartão do idoso e não tenho problema em ser chamada de idosa ou de velha. Mas não me sinto velha no sentido “antiga”, de pensamento antigo, falta de atividade — afirma a jornalista fluminense.
Depois de 10 anos à frente do Saia Justa, que apresentou até 2023, Astrid considera que, agora, está recebendo um presente com esse novo programa, que é a chance de absorver os ensinamentos das entrevistadas. A temporada começou a ser exibida no fim de setembro e terá, ao todo, 10 episódios na programação.
Sou a pessoa certa no momento certo, já que envelheço junto com a população brasileira e num momento em que a pauta do etarismo está na moda
ASTRID FONTENELLE
Jornalista e apresentadora
Questionada sobre a entrevista que mais a marcou, a comunicadora cita a conversa com Marília Gabriela, a quem chama de professora. Em um dos trechos que correu a internet, Gabi fala a Astrid sobre solidão e ser responsável pela vida que tem:
— Vivo sozinha, estou sozinha a maior parte do meu tempo. Foi uma opção antiga e, hoje, diria que essa opção virou consequência. Sou muito sozinha, o meu celular não toca, estou acostumada, sei que fui eu que construí isso. Não saio muito, porque descobri que fiz da minha vida profissional, a minha vida social. Quando deixei de trabalhar, o que foi uma opção, comecei a perceber o que era realmente a solidão.
A franqueza de Marília sobre o assunto reverberou na interlocutora:
— Solidão era um risco que estava correndo. Há alguns anos eu era a pessoa que falava “Não quero conhecer mais ninguém, já conheço gente suficiente”. Depois que conversei com a Gabi, pensei “Pode limpar o seu HD, Astrid. Vamos encaixar mais gente”. Cultivar os amigos é preciso. Se você não vai hoje, vá amanhã, se esforce. A gente transformou as relações do trabalho em relações pessoais, então se satisfaz com aquela conversinha do café, do almoço, mas não dá. Viva a vida, vá ao churrasco, vá ao cinema.
O tempo de Astrid é o presente, inclusive no amor: no início do ano, renovou os votos de matrimônio com o empresário Fausto Franco, com quem é casada há 14 anos, sob as bênçãos do filho Gabriel Fontenelle, de 16 anos, adotado ainda bebê pela jornalista. Na conversa com Donna, Astrid fala sobre ser uma mãe antirracista e dos novos desafios da maternidade de um adolescente, além de seus insights sobre longevidade, na vida e na carreira.
Como o Admiráveis Conselheiras entrou na sua vida?
É interessante os lugares em que a vida nos coloca. Na mesma conversa em que recebi a notícia de que seria desligada do Saia Justa, recebi uma encomenda do GNT para fazer um programa de entrevistas com mulheres 60+. A referência era um podcast chamado Wiser than Me (apresentado pela atriz Julia Louis-Dreyfus), que nunca tinha ouvido porque, até 2023, minha vida era pauta para o Saia, que tem uma demanda de conhecimento muito grande. Saí daquela reunião magoada. Era dezembro, entreguei os programas que tinha que entregar e passei 42 dias na praia. Quando voltei, em fevereiro, me reuni com o meu pequeno time e criamos o programa.
Como vocês escolhem as entrevistadas do programa?
Fizemos um listão sob a premissa de que realmente teriam que ser mulheres que eu admire e teria vontade de ir até elas. Óbvio que a lista começou com nomes de Fernanda Montenegro e Maria Bethânia, de quem sou fã rasgada, mas era preciso mesclar profissões e experiências de vida. Aquela situação do Saia Justa me colocou, pela primeira vez, diante da possibilidade concreta da aposentadoria.
Quando fui à casa de Maria Adelaide Amaral, que tem 82 anos, e vi uma mesa de trabalho cheia de coisas para fazer, eu pirei. Pensei: “Ainda temos tempo”. Pode ser que essa parada venha quando quiser, ou quando houver um impedimento de saúde, mas quando Maria Adelaide conta sua trajetória com o câncer, vejo que nem isso a parou. Na verdade, ela fica deprimida quando para de trabalhar e de ter coisas para fazer. É importante perceber isso.
Tenho a impressão de que seus programas abordam muito o afeto. É uma busca sua?
Não é busca, eu sou o que sou, acredito que essência é imutável. Quando me convidaram para fazer o Chegadas e Partidas, a diretora me disse “Quero você exatamente porque sei que você vai se envolver”, e ela foi muito certeira porque sou uma pessoa emotiva, consigo fazer o exercício de me colocar no lugar do outro. Esse programa mexe com a vida de toda a equipe, não só com a minha. Acabamos refletindo sobre o tempo que as pessoas perdem até revelar sua verdadeira emoção, até falar um “Eu te amo”, dar um abraço. Deixam para falar só naquele minuto do aeroporto que não volta mais. Então aprendemos muito. Agora, com o Admiráveis Conselheiras, também acho que sou a pessoa certa no momento certo, já que envelheço junto com a população brasileira e num momento em que a pauta do etarismo está na moda.
Por falar em etarismo, de onde veio a vontade de assumir o cabelo branco?
Foi uma coisa orgânica. Tenho uma pasta no Pinterest chamada “O que eu vou ser quando envelhecer” com algumas referências. Quando falei dela para uma diretora do canal e manifestei a vontade de ter cabelo branco, ela disse que podia ter o cabelo que quisesse, menos branco. Aí veio a pandemia e foi a minha chance, porque era eu quem fazia meu cabelo e maquiagem. Como tenho lúpus, só eu ficava no estúdio e o único que chegava perto de mim era o cara que me colocava o microfone, foram dois anos assim, além dos mais de 400 testes de covid.
Voltaria a usar tinta?
No segundo mês da transição, uma empresa de cosméticos me chamou para fazer publicidade de tintura de cabelo. Não era um dinheiro que mudaria minha vida e, como estava vivendo uma vontade, recusei. Depois uma outra empresa me chamou para fazer publi de xampu matizador para cabelo branco, e aí aceitei. Ganhei dinheiro e consegui manter a minha coerência. Dificilmente cairei no mundo das tintas novamente, mas também não sou fechada a essa possibilidade.
Você está sempre muito estilosa. Tem alguma preocupação estética?
Gosto do que acho bonito para mim. Não tenho aquele preconceito bobo do tipo “Não vou usar uma camiseta com plumas”, porque eu vou. Mas acho que o cabelo branco envelhece, sim, por isso se arrume, meu amor. Coloque um batonzinho, não vá sair na rua com essa moda de usar pijama que vão pensar que você realmente está de pijama.
Você acredita que a pauta do etarismo está em alta?
Com certeza. Primeiro que as empresas têm que engolir as políticas e práticas de ESG. E, segundo, que o Brasil está envelhecendo muito bem, a gente tem que falar sobre o aproveitamento do conhecimento das pessoas mais velhas dentro das empresas. Podemos ser excelentes consultoras.
Você adotou seu filho Gabriel, quando ele ainda era um bebê. Pode contar mais sobre esse momento?
Sempre quis ter um filho e sempre soube que seria por meio do processo de adoção. Desde garota visitava a antiga Febem em São Paulo, sou amiga do padre Júlio Lancelotti há mais de 35 anos, frequentava uma casa que ele tinha para crianças HIV positivo, era meu programa de domingo, então o assunto sempre esteve na minha vida. Tive casamentos, tive gravidez interrompida, de perder, e também fiz aborto porque achava que não era hora, não era o homem, era muito jovem e estava tudo errado. É um capítulo triste da minha vida – ninguém faz porque quer, são situações que te levam a isso. E também acho que Gabriel estava guardado para mim.
Como se preparou para a chegada do seu filho?
Quando ele veio, estava muito à disposição da maternidade, já estava trabalhando menos, me programei para isso. Como o juizado bate muito na tecla do contar a verdade para a criança sobre a sua origem, desde a primeira vez que peguei ele no colo, o chamei de “Meu bebê estrelinha”, porque na composição química dos seres humanos temos um elemento idêntico ao das estrelas. Comecei a contar a história dele a partir disso. Fui uma ótima mãe de moleque e acho que sou uma ótima mãe de adolescente, mas a adolescência requer muito mais atenção.
A guerra antirracista é a mais importante da minha trajetória
ASTRID FONTENELLE
Jornalista e apresentadora
Como está sendo ser mãe de um adolescente?
Construí a chegada à adolescência na base da conversa, do conhecimento, então ele chega sabendo o que é sexo, drogas e rock’n’roll, porque conto tecnicamente e a partir das minhas experiências, não escondo nada. O fato do Gabriel ter vindo por meio da adoção me colocou num sistema de proximidade com ele muito compromissada. Essa coisa de falar a verdade sobre a origem dele e ele ter certeza absoluta de que eu jamais iria mentir para ele, me colocou nesse compromisso.
Você se diz uma mãe antirracista. Teve que trazer muitas outras pessoas para esse lado?
A guerra antirracista é a mais importante da minha trajetória. Mas antes de ser uma mãe antirracista, eu era uma mulher que tinha aprendido com a própria mãe a estar sempre atenta, porque eu era “um perigo da sociedade”, era a filha de uma desquitada em plenos anos 1960. Fui proibida de estudar numa escola de freiras no Rio por causa disso. O que o Gabriel me ensina é que não basta apenas me colocar como uma mulher que não é racista, teria que ser mais do que isso. E o antirracista tem que estar disposto à luta, a ser uma pessoa que está a serviço do outro para desconstruir o racismo estrutural do Brasil. Mas graças a Deus meu filho vive numa sociedade em transformação para melhor, hoje os episódios já não acontecem com frequência.
Qual é o conselho de Astrid para as leitoras de Donna?
Ler, se informar e se cercar de gente inteligente, procurar aprender uma nova língua, procurar fazer um carinho não feito numa amizade antiga. E ler significa que você não quer estar sozinha, e essa é a melhor avenida para a gente seguir no envelhecimento.