Na história de um concurso de beleza que já dura sete décadas, o nome de Luana Cavalcante ficará marcado como a primeira Miss Brasil que é casada e mãe. Representante de Pernambuco, a recifense de 25 anos foi a vencedora do Miss Universe Brasil 2024, na noite de 19 de setembro, uma conquista que só foi possível por conta de uma série de flexibilizações que o Miss Universo realizou no seu regulamento recentemente, ampliando o escopo de participantes, seja nas seletivas municipais, estaduais, nacionais ou no mundial.
— Se não houvesse mudanças nas regras, eu não estaria aqui agora. É uma inovação crucial para nossa sociedade, porque nós mulheres estamos cada vez mais certas do que queremos e chegando muito longe, especialmente juntas. A vitória de uma mulher é a vitória de todas, assim como a dor de uma mulher é a dor das outras — afirma Luana Cavalcante, a 70ª Miss Universe Brasil.
Luana conversou com Donna por telefone diretamente de São Paulo, poucos dias após a coroação. Para ela, não cola esse papo de que você só pode ser uma coisa. Ela às vezes é atriz, outras vezes modelo e, ultimamente, miss, tudo concomitante com a maternidade de um menino de quatro anos, Pedro, e com o casamento com o empresário Luis Carlos Farsoni.
— Representatividade traz esperança para outras mães, porque é a prova de que nós não precisamos ter que escolher. A sociedade, infelizmente, tenta limitar as mulheres, dizendo que não dá para ser mãe, esposa e uma profissional de sucesso ao mesmo tempo, que você precisa escolher. Discordo dessa fala, somos absolutamente capazes de tudo o que nos propomos a fazer — enfatiza.
Novas regras do Miss Universo
As principais alterações no regulamento do Miss Universo começaram em 2012, ano em que a competição completou 60 anos. Naquela edição, passou a ser permitida a participação de mulheres transgênero. A primeira a se classificar foi a modelo Angela Ponce, representante do Miss Espanha, em 2018.
A maior leva de mudanças, no entanto, ocorreria mais tarde, em 2022, quando a empresária tailandesa Anne Jakapong Jakrajutatip, uma mulher trans, comprou a Miss Universe Organization, empresa que detém o concurso.
Figura de destaque da televisão local e defensora dos direitos LGBT+, ela foi a primeira mulher a assumir a direção da disputa. Na sua gestão, foi estabelecido que mulheres casadas, divorciadas, grávidas e mães poderiam participar do Miss Universo a partir de 2023.
Um dos momentos mais emblemáticos das regras anteriores do concurso para o Brasil foi em 2002, quando a gaúcha Joseane Oliveira teve seu título retirado após ser revelado que era casada. Agora, reconhece Luana Cavalcante, o trabalho de Anne lhe possibilitou tirar do papel os planos de ser miss:
— Graças às mudanças de regras que ela propôs, hoje mulheres como eu têm infinitas possibilidades pela frente. Expresso o meu profundo respeito e agradecimento a ela, que é uma mulher visionária.
Para alguns missólogos e admiradores do universo miss, as novas diretrizes vão contra a essência da franquia, enquanto outros enxergam que as alterações são um avanço na busca por inclusão. Sobre a importância de tornar o concurso mais abrangente, o CEO do Miss Universe Brasil, Gerson Antonelli, afirma que é uma mudança que valoriza a diversidade:
— Não existe um limite para a participação da mulher no Miss Universe, que é uma plataforma de integração e diversidade com representatividade. Não se pode limitar o potencial de uma mulher, não interessa sua idade, estado civil ou classe social.
A mudança mais recente no regulamento ocorreu em setembro do ano passado, quando a organização mundial colocou fim ao limite de idade – que era até os 28 anos – para as participantes.
Os efeitos dessa diretriz começaram a aparecer neste ano: em abril, a modelo argentina Alejandra Rodríguez, 60 anos, venceu a edição do Miss Universo da província de Buenos Aires, embora não tenha conquistado a coroa nacional; na Ásia, ainda há chances de que uma mulher de 80 anos seja a nova Miss Coreia do Sul, já que a modelo Choi Soon-hwa, que também é mãe e avó, estará na competição marcada para o dia 30 de setembro. Seu nome já está gravado na história como a participante mais velha a disputar uma etapa do concurso de beleza até o momento.
Histórico internacional
A coroa entregue a Luana Cavalcante ainda tem um brilho a mais por pertencer a uma Miss Pernambuco pela primeira vez. Com essa responsabilidade adicional, a modelo já está em preparação para o Miss Universo 2024, que ocorre no dia 16 de novembro, no México.
Conta a seu favor a experiência como modelo internacional desde os 18 anos, período em que esteve em mais de 30 países e chegou a trabalhar junto de marcas como Gucci e Dolce & Gabbana. Há cerca de cinco anos, ela se divide entre o Brasil e a Itália, onde mora com o marido e o filho. Também ajuda o histórico como atriz, carreira em que estreou em 2022 na produção de Hollywood Battle for Saipan. Mais recentemente, esteve no elenco de Filhos do Mangue, filme de Eliane Caffé premiado com dois kikitos no 52º Festival de Cinema de Gramado – e ela estava na serra gaúcha para prestigiar.
A mensagem que quero passar é que a verdadeira felicidade está em servir ao próximo
LUANA CAVALCANTE
Miss Brasil
Sobre os pontos fortes da brasileira, Gerson Antonelli ressalta sua "presença cênica excepcional" e boa articulação na oratória:
— Ela é assertiva, concisa naquilo que fala, atualizada, antenada e com muita experiência internacional, essas são as qualidades principais. Beleza é inegável, mas a inteligência e a maneira como se porta é excepcional, digna de um título de Miss Universe.
Para Luana, seu maior trunfo é a resiliência:
— Sou disciplinada, tenho determinação e amo tudo o que faço. Só me envolvo em projetos em que acredito.
A seguir, Luana fala sobre a coroação, as mudanças do regulamento do concurso e o legado que espera construir como a 70° Miss Universe Brasil.
Entrevista com Luana Cavalcante, Miss Brasil 2024
Ser miss sempre foi um projeto seu? Havia tentado outras vezes?
Sim, anos atrás tomei a decisão de concorrer, na época, meu foco era o Miss Mundo. Mas duas semanas depois descobri que estava grávida, e aí se tornou impossível, as regras não permitiam. Meu filho hoje tem quatro anos e fará cinco em outubro.
Qual foi a sensação depois da vitória?
Me sinto realizada e muito orgulhosa. Naquele momento da coroação, minha reação foi parar no tempo, fiquei "Uau, aconteceu!". Toda a minha dedicação, todas as noites sem dormir, cada mínimo detalhe que planejei, pois sou muito detalhista, vi que não foram em vão. É muito legal saber que quando a gente se doa 100% dá certo.
Ser mãe torna você mais resiliente?
A maternidade sem dúvida é um dos maiores presentes que recebi de Deus, me ensinou a ser uma mulher organizada, que sabe se planejar. Me ensinou a ser estratégica e me trouxe o dom de observar, ser mais sensível, empática e ter mais paciência com as situações que aparecem no dia a dia. Hoje me sinto infinitamente mais forte do que antes, me sinto uma leoa pronta para enfrentar qualquer desafio.
Na ponte aérea Brasil-Itália, e agora com os compromissos de miss, quais as estratégias para conciliar suas responsabilidades?
Nesse momento, estou 100% focada no concurso, não tenho previsão de retornar à Itália. Mas vivo na ponte aérea há cinco anos e tem funcionado, então vou manter esse plano. Tudo isso é possível graças à rede de apoio incrível que tenho. Minha família e meu marido me apoiam incondicionalmente e acreditam no meu potencial. E a gente sempre fez um programa bem bacana de homeschooling (modalidade de ensino feita em casa pelos pais ou tutores responsáveis) para o Pedro, que já sabe ler, escrever e sabe as quatro operações básicas de matemática.
O que espera entregar no Miss Universo, no México?
Quero chegar lá o mais preparada possível, e a minha expectativa é ser corada novamente pela Sheynnis Palacios (risos), quero que o universo veja essa cena se repetir. Vou representar o nosso Brasil da forma como ele é: lindo, rico em diversidade, alegre, resiliente e acolhedor, o país do presente e do futuro. A mensagem que quero passar como miss é que a verdadeira felicidade do ser humano está em servir ao próximo.
Qual é a principal causa social que move você?
Quero trazer novas oportunidades para nossos jovens por meio da ONG da qual sou embaixadora, a Friends Forever International (FFI). O foco é promover a compreensão intercultural entre jovens, intercâmbios e grupos de formação de líderes. Meu objetivo é fundar a primeira sede do FFI no Brasil, que também será a primeira da América do Sul. Quando a gente fala de compreensão intercultural, a gente está falando sobre paz, pois quando compreendemos culturas, religiões e costumes diferentes, conseguimos conviver em sociedade de forma respeitosa.
Estas são as suas primeiras semanas como Miss Brasil. Quando estiver na última, que legado espera ter construído?
Um legado inspirador para as outras mulheres. Espero deixar o Brasil orgulhoso por ter me escolhido. Quero propagar a minha mensagem, a minha verdade, e manter a minha essência do início ao fim.