Uma decisão histórica foi anunciada pela organização do Miss Universo na última sexta-feira (5). A partir do ano que vem, o concurso passará a aceitar participantes casadas, divorciadas, grávidas e mães. A idade, no entanto, segue a mesma: é preciso ter entre 18 e 28 anos para disputar a coroa.
As novas regras chegaram a cada país por meio de um e-mail, enviado para todos os diretores nacionais, assinado pela CEO do Miss Universo, Amy Emmerich, que assumiu o posto em fevereiro deste ano. Por aqui, a diretora-geral da franquia Miss Universo Brasil, Marthina Brandt, recebeu o novo regulamento com entusiasmo.
— Nós representamos uma franquia e a decisão da matriz sempre será respeitada. O Miss Universo é atual e inovador. Por isso, inclusive, é um concurso que foi criado em 1952 e é icônico até hoje. É preciso reconhecer que somos muitas, diversas e, portanto, é preciso ter um olhar interseccional e de respeito para aceitar os muitos papéis que conquistamos e temos direito — afirma a gaúcha, que ganhou o título nacional em 2015.
Em contrapartida, Evandro Hazzy, missólogo referência no país, não concorda com a mudança.
— Sou completamente contra. Não aceito esse novo regulamento, mas me cabe respeitar — diz ele, que foi o preparador de nove gaúchas vencedoras do Miss Brasil e também é autor do livro Universo Miss (2014), que conta bastidores dos eventos de beleza.
Hazzy acredita que as alterações propostas levarão à perda da essência do concurso. Ele ressalta que já há concursos específicos para as casadas, assim como para crianças e adolescentes. Além disso, argumenta que uma Miss tem muitos compromissos e viagens, o que poderia ser um problema para quem tem filhos.
— Com todo respeito às mulheres, sempre as defendi em todas as áreas, que precisam trabalhar, ter a sua autonomia pessoal e profissional. Mas, para esse fim, para o produto Miss Universo, acho que temos que respeitar o quadrado — pondera.
Ao longo de sua trajetória profissional, o missólogo esteve por trás de duas polêmicas envolvendo as regras da competição. A primeira delas se relaciona justamente com uma das determinações alteradas na semana passada: eleita Miss Brasil 2002, a gaúcha Joseane Oliveira perdeu a coroa e os prêmios após ser revelado que ela ocultou (inclusive para o missólogo, seu preparador) o fato de que era casada, apresentando documentos de solteira para a organização do evento.
— Sofri bullying por isso, eu era o responsável por ela. Fui massacrado nacionalmente porque ela era casada, por uma omissão dela — lembra ele, que acredita que o episódio pode ter influência em sua postura de resistência frente às mudanças anunciadas.
Já em 2011, foi feito um movimento para tirar o título da gaúcha Priscila Machado, eleita Miss Brasil. O motivo foi ela ter feito fotos seminua como modelo antes do concurso, o que também vai contra as regras.
— Não eram explícitas. Ela estava de calça jeans, com a mão cobrindo o seio. Tivemos que enviar as fotos para o Miss Universo e pedir autorização. Eles, com a mente mais aberta, liberaram. Ela ficou em terceiro lugar — pontua.
Hazzy ainda diz que é "do tempo antigo" e gostaria que as coisas não mudassem.
— Talvez para os jovens seja maravilhoso, porque eles estão vivendo outro momento — reflete. — Fiz história em um período em que as misses eram de verdade. Por seu trabalho na cidade, no Estado e no país — acrescenta.
Adaptações necessárias
Já o consultor especialista em misses Paulo Filho acredita que a mudança proposta pela organização é "extremamente assertiva" e que "abrirá o leque para que muito mais mulheres participem, se tornem misses, realizem o seu sonho e façam a diferença na nossa sociedade".
— O mundo está mudando, está evoluindo. Essa regra havia sido criada na década de 1950 e já estava mais do que na hora de ser alterada, atualizada. Nós, como estudiosos, e eu como especialista em concursos de beleza, sempre respeitei para participar. Eu vejo como extremamente pertinente porque abre oportunidade para diversas outras mulheres que também sonham em ser miss. Afinal de contas, ser miss é ser representatividade. O fato de ter filhos ou ser casada, e até mesmo passar de uma certa idade, não impede uma mulher de ser uma representante extremamente qualificada — opina, ponderando que algumas questões precisam ser adaptadas para que a eleita possa manter a agenda que o posto exige.
O atual coordenador do Miss Universo São Paulo, Eder Ignácio, também aponta para a necessidade de ajustes com a mudança.
— Estou aguardando como se dará de forma prática e objetiva essa mudança dentro do regulamento. Modernizar é preciso e não vejo problema em atualizar algumas regras no Miss Universo que já se perduram por 70 anos. Mas, desde que todas as hipóteses e possibilidades tenham sido devidamente estudadas e pontuadas de forma criteriosa, porque essa mudança está permeada por várias outras pessoas que não somente a miss — ressalta.
Mas, assim como Paulo, reforça o impacto positivo do novo regulamento.
— Em pleno século 21, não podemos invalidar mulheres só porque são ou foram casadas ou porque são mães. A mulher atual consegue ser tudo isso e também miss. A questão a que estou atento é em relação ao compromisso a instituição. Como serão os contratos de presença em eventos, viagens internacionais, campanhas publicitárias? Como estará nos itens do contrato esses detalhes práticos da mulher casada e mãe? Atualizar é necessário, mas com a atualização são necessárias resoluções para questões pontuais.
Eder ainda vai além. Para ele, o Miss Universo deveria rever a regra de idade.
— Afinal, a mulher de 35 anos hoje já não é mais a mesma de 20 anos atrás. Eu vejo beleza e maturidade em uma mulher de 30 que, por vezes, não enxergo ainda na de 18 ou 19 — conclui.
*Produção: Luísa Tessuto