Em entrevistas recentes, a atriz Viola Davis, um dos maiores talentos da atualidade e integrante da seleta lista EGOT – que reúne ganhadores dos quatro principais prêmios norte-americanos, Emmy, Grammy, Oscar e Tony –, disse que não se sentia bonita quando mais jovem. Conforme amadureceu, precisou rejeitar todas as ideias que haviam lhe dado sobre beleza, sucesso e autoconfiança, e encontrar em si o poder para redefinir tais conceitos.
O percurso desta artista é comum a muitas mulheres negras, mas foi diferente no caso da jornalista soteropolitana Rita Batista, outra mulher retinta que vem brilhando em frente às câmeras. Ela, que hoje tem 45 anos e faz parte do elenco de apresentadoras do Saia Justa, no GNT, e do É de Casa, na TV Globo, não precisou desconstruir tantas crenças limitantes, já que cresceu em um ambiente que alicerçou sua autoestima e confiança. Está, como ela mesma define “no camarote” da base da pirâmide social brasileira: teve uma rede de apoio, emocional e financeira, e muito incentivo à educação.
Munida desse histórico, Rita não titubeia em dizer: “Eu fui criada para dar certo! Eu sou a melhor coisa que pode acontecer na vida de qualquer pessoa ou corporação!”, como fez em um dos episódios do Saia Justa.
— Minha autoestima foi cunhada por mulheres, avó, tias e primas, e por uma família negra que sabia as dificuldades e os atravancamentos da sociedade brasileira desde sempre no que diz respeito às pessoas pretas. E que sabia que não haveria outra possibilidade a não ser acreditar em si e criar os meios e caminhos para chegar onde almejava — explica.
Rita não hesitou em sonhar alto. Mirou em vagas de apresentadora desde cedo e fez carreira em diversos veículos de Salvador e São Paulo. Chegou, inclusive, a ser repórter do quadro Saia pelo Brasil, em 2016, até finalmente conquistar um espaço oficial no sofá do programa do GNT, que estreou sua nova formação no dia 7 de agosto. Ela compartilha o espaço com as colegas Eliana, Tati Machado e Bela Gil.
— Eu sou telespectadora do Saia Justa e é uma experiência deliciosa estar no sofá como uma das saias. Sempre fiquei muito à vontade e tranquila com a câmera ligada, e sempre tive a expectativa de que algum dia ia rolar. E está dando liga, no ar você já vê, e os números não mentem jamais. A audiência aumentou e está cada vez mais diversificada — detalha.
Uma característica indissociável de Rita é a espiritualidade. Sempre a mais beata e espiritualizada do seu círculo de amigas, neste ano ela deixou sua fé no que é sobrenatural se expandir para um livro, A Vida é Um Presente, lançado em maio. Nele, traz 111 mantras para o dia a dia, selecionados por ela, e compartilha suas observações espirituais. Seu favorito é o mantra da abundância:
— Ele diz “A abundância entra na minha vida de maneiras surpreendentes e milagrosas”. A patronesse dele é Giovanna Antonelli, que ensinou a uma amiga, que me ensinou e agora faço esse mantra a toda hora. É o carro-chefe dos mantras porque é curtinho e fala em abundância, em milagre, em se surpreender com a vida, portanto resume bem o poder que tem essas palavras, encadeadas e repetidas da mesma forma por tantas pessoas.
As oportunidades de fato têm entrado no caminho de Rita, mesmo que em momentos quase inoportunos. Em 2020, quando recebeu o convite para ir a São Paulo para ser repórter da Super Manhã, da TV Globo, por três meses, havia recém se mudado com o filho pequeno, Martim, e o então marido para a sua casa desejada em detalhes, em Salvador. Readaptou a vida para dar espaço a outro sonho, montou uma rede de apoio e foi. Mas não sem críticas, que duram até hoje:
Ao mesmo tempo em que queremos nos livrar do que nos é imposto, retroalimentamos essa imposição
RITA BATISTA
Jornalista
— O julgamento social é muito duro, continuo ouvindo coisas como “o menino vai ficar mais apegado ao pai do que a você”, “filho é da mãe, não é do pai”, “ah, cadê Martim?” e aí respondo muito tranquilamente “Está com o pai”. Hoje moro em Salvador, viajo e volto toda semana. Quando dá, levo ele e a babá para que ele possa ver e entender o universo da mãe dele, que é completamente diferente do mundo das mães dos coleguinhas da escola — afirma a jornalista.
Confira entrevista com Rita Batista:
O Saia Justa é longevo e muito amado, mas é também um divã de muita exposição pessoal. Isso foi um porém?
Não. Eu nunca tinha trabalhado em um programa somente de opinião, mas para mim nunca foi uma questão opinar, falar sobre assuntos espinhosos e impopulares. E não há como fazer um programa no perfil do Saia e ficar se esquivando disso e daquilo, se protegendo, porque o público percebe e você acaba não entregando nada.
Estando à frente de dois programas de TV, você se cobra ao pensar em quem se espelha em você?
Fico feliz com a possibilidade de estar nesse lugar em que as pessoas me colocaram, de ser uma referência, porque não tive muitas. Faço parte do elenco da TV Globo com tantas outras colegas sabendo que estamos nesta posição de destaque porque outras trilharam esse caminho pantanoso, escorregadio e muitas vezes perigoso, então é honrar a existência das mulheres que vieram antes e dizer para as que estão nos assistindo que “sim, é possível”. É um lugar de lisonjeio e de muita responsabilidade.
Você tem uma família que a ajudou a construir uma autoestima forte. O que eles lhe diziam?
Não eram frases específicas, mas no dia a dia a gente era estimulada a funcionar, estudar, galgar o que gostaríamos, construir carreira, ter independência e não nos submetermos ao que não fosse estritamente necessário. Os eventos de racismo não eram tolerados e, obviamente, eram estimulados a serem rebatidos, e não relativizados. Também estudei na escola de uma pedagoga negra que tinha uma educação antirracista e onde se falava sobre educação sexual. É nesse ambiente progressista que cresci, eu não tinha a menor condição de dar errado.
Vivemos um momento desafiador para o jornalismo profissional. Às vezes rola uma sensação de estar conversando com o vazio?
É difícil, mas eu, irmanada com tantas e tantos colegas da comunicação profissional não temos essa opção, não podemos nos dar ao luxo de esmorecer porque a imprensa livre é um pilar democrático, não existe democracia sem isso.
De onde vem o pique para viver na ponte aérea Salvador-Rio-São Paulo?
É musculação. Atividade física é um valor inegociável porque senão você não aguenta. As pessoas acham que é justamente o contrário, né? Que você está exausta, cansada e por isso não vai. Vá porque o corpo é inteligente, mágico. Músculo é reserva de energia, gordura é o que deixa a gente para baixo, enfadonho, cansado. É preciso que observemos isso. Na vida a gente tem que fazer poupança de músculo, que é energia, e de dinheiro, porque a expectativa de vida do brasileiro tem aumentado e a gente vai envelhecer, graças a Deus. Quem não morre jovem velho fica, e é preciso que a gente se adapte.
Recentemente você fez uma campanha publicitária sobre menopausa. Como está se preparando para essa fase?
Aqui em casa o povo é muito longevo. Minha mãe menstruou até os 60 anos, então a menopausa está longe, mas mesmo não estando nela acho importante começarmos a falar, sem tabu, sobre um assunto que é comum a todas as mulheres. O feminino tem uma coisa estranha, uns assuntos proibidos, assim como era com a menarca: de repente a menina menstruava e ficava em segredo na casa, na família. Tem que falar, gente. Quanto mais a gente fala dos assuntos, menos eles se agigantam e parecem ser monstruosos.
Como lida com as expectativas sobre a sua imagem?
As mulheres têm um nível de exigência consigo e com as outras que é inatingível e que foi criado justamente para nos dominar. A perfeição me dá muita agonia porque viemos de fábrica assimétricos. E os homens não são exigidos de maneira nenhuma, ouço o tempo inteiro que “Um homem sem barriga é um homem sem história”. Eles fazem piadas de seus “defeitos”, enquanto nós ficamos preocupadas, nos entupimos de coisas, gastamos um monte de dinheiro para fazer procedimentos dos mais variados. Não sou contra, mas acho que tem que ser feito a partir de um incômodo da própria pessoa, e não de uma imposição. É uma brincadeira de cabo de guerra, ao mesmo tempo em que queremos nos livrar de tudo o que nos é imposto, retroalimentamos essa imposição. Enquanto isso, o patriarcado fica se refastelando, acha maravilhoso para poder olhar para a nossa cara e dizer “Nem vocês sabem o que vocês querem”.
São 21 anos de carreira. Você considera que está no auge? O que vem por aí?
Considero que estou no platô, no caminho da subida, mas ainda não cheguei no cume. Estou caminhando para a parte mais alta, por isso não estou com o boi na sombra. Agora é o momento da virada da trama da novela, o capítulo cem. Estou no capítulo cem da minha carreira, então aguardem emoções.