A perda de sustentação da bexiga pode causar diversos incômodos, que vão desde dificuldade para urinar até desconforto nas relações sexuais. A condição, informalmente apelidada de "bexiga caída", se chama cistocele e atinge um número significativo de mulheres.
De acordo com a urologista Karin Jaeger Anzolch, doutora em Cirurgia pela UFRGS e atual Presidente da Sociedade Brasileira de Urologia do RS, acredita-se que o problema possa ocorrer em pelo menos um quinto das mulheres entre 18 a 83 anos, aumentando com a idade, podendo chegar a um terço das mulheres entre 50 e 89 anos. Na entrevista a seguir, ela esclarece dúvidas sobre a doença.
O que é bexiga caída (cistocele)?
Nesta situação, a bexiga perde a sua sustentação e literalmente "cai" pela vagina, formando um abaulamento de graus variáveis. Vale lembrar que o mecanismo causador do problema frequentemente atinge também outras porções das estruturas de sustentação, então não é raro que, além da bexiga, outros órgãos sofram deslocamento e os sintomas possam variar.
Os ossos da pelve (ou bacia) se fecham formando um anel com as abas largas, que lembram as de uma borboleta, mas a parte inferior é aberta, justamente para que se possa urinar, evacuar, manter relações sexuais e, no caso das mulheres, também permitir o nascimento de um bebê. Mas, para que os órgãos não se desloquem por essa abertura, existe uma rede de músculos, tendões, nervos, vasos sanguíneos e membranas que chamamos de "assoalho pélvico", que é uma estrutura bastante interessante, pois funciona de uma forma dinâmica e inteligente, equilibrando as pressões e relaxando e contraindo de acordo com a vontade e com a necessidade do momento.
Em algumas situações, esse assoalho pélvico pode enfraquecer, sobretudo nas mulheres, e então podem ocorrer os chamados prolapsos pélvicos (POP). Os fatores variam: pode ser hereditariedade, menopausa, envelhecimento, excesso ou a perda significativa de peso, tosse, constipação crônica, exercícios mal conduzidos e gestações, sobretudo em bebês muito grandes e em trabalhos de parto difíceis ou prolongados.
Quais os sintomas da condição? Atrapalha quais aspectos da vida da mulher?
Além do incômodo, é comum a sensação de "bola na vagina", que pode repercutir na qualidade de vida, levando a mulher ao constrangimento, à diminuição das interações sociais, das atividades físicas e até mesmo ao isolamento. Também podem ocorrer sintomas urinários, como perda ou dificuldade para fazer xixi, dificuldade para evacuar, infecções urinárias de repetição, ferimentos locais, transtorno na esfera sexual (que engloba insegurança, vergonha, medo de perder urina, desconforto e dificuldade de penetração), entre outros.
Às vezes, esse prolapso é tão significativo que não apenas a bexiga, mas outros órgãos descem pela vagina, como o reto e intestino delgado, o útero e a própria vagina, que, no caso da ausência de útero por uma cirurgia prévia, também pode descer e adquirir um aspecto de uma bolsa, sobretudo quando a mulher faz esforços. De acordo com o grau, a cultura e tipo de prolapso, os sintomas podem ter mais ou menos impacto na vida da mulher. Geralmente, uma forma de graduarmos didaticamente um prolapso é classificá-lo em graus, que variam de um a três.
Um mito é que toda bexiga caída apresenta incontinência urinária ou, ao contrário, que toda a perda de urina seja uma bexiga caída. Na verdade, há algumas que até dificultam o ato de urinar, pois podem comprimir a uretra ou, pelo seu deslocamento, não permitir o seu esvaziamento completo. Por outro lado, as causas da perda involuntária de urina podem ser outras que não o prolapso pélvico, como a bexiga hiperativa e as fístulas.
Como é feito o tratamento?
Quando o grau é leve e a mulher não refere queixas, pode ser conservador, sem cirurgia. Neste caso, para que não se agrave, é importante que o assoalho pélvico não seja forçado de uma forma exagerada, e fatores como tosse, constipação, excesso de peso e exercícios de alto impacto devem ser evitados ou manejados adequadamente. Também não se costuma fazer tratamentos cirúrgicos se ainda há ideia de engravidar, a menos que os sintomas se tornem muito acentuados. A fisioterapia do assoalho pélvico promove uma consciência e uma proteção maior e pode ajudar bastante na prevenção, nos casos menos acentuados e nas perdas urinárias.
Nos casos em que os graus são maiores ou que a paciente apresente sintomas, como a sensação de "bola" na vagina, perda de urina, bloqueio para evacuar, desconforto pélvico, o tratamento cirúrgico pode ser instituído. Na maior parte das vezes, o que se faz é buscar reconstruir a parede de sustentação dos órgãos.
Casos selecionados, sobretudo em idosas que não desejem ou que não apresentem condições cirúrgicas, há uma outra opção que inclui o uso de pessários, que são dispositivos flexíveis removíveis e higienizáveis, que visam manter os órgãos pélvicos no lugar.
Há alguma maneira de evitar a bexiga caída?
Não há uma maneira 100% (eficaz) de evitar, mas, sobretudo se já há um histórico familiar, o que poderia sinalizar uma predisposição genética para o problema, é importante que, desde cedo, a mulher tome consciência de proteger o seu assoalho pélvico contra as forças exageradas. Mantendo um peso adequado, fazendo um bom acompanhamento pré-natal, durante e após o parto, e corrigindo fatores como tosse, fumo, diabetes, constipação e exercícios sem uma supervisão adequada. Às vezes, a mulher é toda cuidadosa com a sua saúde e alimentação, mas, por exemplo, realiza exercícios que forçam muito o assoalho pélvico sem a devida contrapartida do reforço, podendo levar a problemas futuros.
Importante ter a consciência de que, pela ação da gravidade, quase todas as forças se refletem sobre a sustentação da pelve, o assoalho, mas que esses músculos podem ser trabalhados de forma a ficarem mais protegidos dos impactos negativos. Se a mulher for uma atleta de alto impacto, por exemplo, talvez valesse uma avaliação ou um acompanhamento profissional para essa área. Outra coisa é a assistência à gestação e ao parto, que costuma ser também muito benéfica para evitar complicações.
Existe um perfil de paciente com maior tendência a desenvolver bexiga caída?
As informações a respeito da incidência desta doença são difíceis de serem obtidas, uma vez que muitas mulheres não revelam o problema ou o aceitam como consequência natural do envelhecimento, das gestações e partos. Também culturalmente há diferenças em relação à tolerância dos sintomas que produz. De qualquer forma, acredita-se que possa ocorrer em pelo menos um quinto das mulheres entre 18 a 83 anos, aumentando com a idade, podendo chegar a um terço das mulheres entre 50 e 89 anos.
Além da idade, fatores como hereditariedade (história familiar pode aumentar em 2,5 vezes o risco), número e tipo de partos, IMC (índice de massa corporal) e questões étnicas parecem estar envolvidos. Mulheres brancas e latinas aparentemente teriam um risco de quatro a cinco vezes maior de apresentarem prolapsos que as afrodescendentes americanas.
Mulheres que tiveram partos vaginais, especialmente múltiplos ou com assistência reduzida, que usaram fórceps ou que aumentaram muito de peso durante a gestação, também podem ter mais predisposição. Mulheres que fazem exercícios de alto impacto, que carreguem peso, que são fumantes ou que apresentem tosse ou constipação crônica também estão na mira.
Fique tranquila
Hoje em dia, as informações sobre a prevenção e o tratamento da condição são bem mais conhecidas, enfatiza a médica. Cada opção deve ser discutida e individualizada de acordo com o perfil e desejo da paciente.
— É importante escutar, entender como o problema está afetando a vida e suas relações. A franqueza da paciente e a escuta atenta por parte do profissional já é meio caminho para o sucesso do tratamento. Algumas atitudes podem mudar o curso do problema e, dentre elas, medidas simples como controle de peso, conscientização do assoalho pélvico e correção de fatores desencadeadores — reforça a especialista.
Por fim, ela ressalta que a bexiga caída (ou os prolapsos pélvicos, de forma geral) são frequentes em mulheres.
— Nenhuma deve sofrer sozinha ou ter vergonha de procurar ajuda, se isso estiver incomodando — conclui.
*Produção: Luísa Tessuto