O laço de amor e cuidado que se cria entre as avós e os seus netos funciona como uma ponte: através dela, a geração mais velha e mais versada na arte de viver compartilha seus conhecimentos com os principiantes, na esperança de seguir ajudando ao longo da vida. As marcas desses ensinamentos aparecem no dia a dia: estão na forma como preparamos uma receita, cuidamos da nossa saúde, nos vestimos, embalamos uma criança ou arrumamos a casa para receber alguém.
Embora alguns ditos e ensinamentos tenham caído em desuso com o passar do tempo e o avançar da ciência e da tecnologia, é fato que outros ainda são considerados ótimas dicas. A chamada “comida de verdade” é, sim, a mais saudável, segundo nutricionistas; e a canja quentinha continua a reforçar o organismo contra um resfriado.
Para explicar por que nossas “mães com açúcar” sempre estiveram certas, conversamos com um time de profissionais de saúde, estética, decoração e outras áreas que têm um olhar sobre aquilo que elas defendem. Em clima de Dia dos Avós, celebrado neste 26 de julho, esta é nossa homenagem às técnicas, às dicas e aos costumes valiosos que as matriarcas de diversas gerações passaram e passam todos os dias aos netos (inclusive os que têm vínculo apenas de coração).
Alimentação saudável
“Comida de verdade é melhor”
Além de ser temperada com amor, a “comida de vó” costuma ter alguns dos ingredientes que o Guia Alimentar para a População Brasileira indica: alimentos mais naturais, que crescem nas árvores, na horta. Em suma, itens que vão na contramão dos produtos ultraprocessados. Estes costumam ser mais rápidos de preparar, mas carregam conservantes, aditivos químicos e corantes que podem prejudicar a saúde, explica a nutricionista Bernardete Hansen.
— Quanto menos processado, melhor: é o feijão, o arroz, o aipim, a verdura, a fruta. Eu, por exemplo, fui criada no interior de Nova Petrópolis, onde minha mãe e minha avó cultivavam uma grande horta. O arroz e o feijão pegávamos com outros parentes e conhecidos que plantavam. Esse conceito é o que deveríamos seguir hoje, pois é saudável — comenta.
Plus: cozinhar em panela de ferro não só dá um gosto especial como também é menos arriscado para a saúde do que usar alumínio ou teflon, materiais que, segundo Bernardete, têm sido associados a doenças quando suas partículas são ingeridas.
“Um chazinho quando a refeição não cai bem”
O boldo e a macela são ervas com propriedades digestivas farmacológicas. É por isso que tem tudo a ver beber uma xícara de chá quando comemos demais ou ingerimos algo muito gorduroso — desde que a bebida seja sem açúcar. De forma semelhante, plantas como a camomila e a melissa têm funções calmantes, que ajudam a relaxar.
— Mas é claro que só chá não basta. É um conjunto de coisas. Imagine alguém que passou o dia todo num estresse danado, ainda chegou em casa e ficou grudado nas telas, pensar “ah vou tomar um chazinho e conseguir dormir”. Não é assim, não há chá que seja suficiente para relaxar. É preciso combinar a bons hábitos — afirma a nutricionista.
“Não é bom comer e logo ir dormir”
O processo digestivo funciona melhor quando a pessoa está na vertical, observa Bernardete, um dos motivos pelos quais quem vai dormir de barriga cheia dificilmente tem uma digestão adequada. Além disso, comer demais à noite e logo ir para a cama pode fazer com que o sono seja turbulento e pouco reparador, pois o corpo está trabalhando mais do que deveria para conseguir dar conta de processar o alimento.
Cuidados com os pequenos
"Bebê no charutinho"
Você provavelmente já ouviu alguém dizer que enrolar os bebês com uma coberta, em formato de “charutinho”, ajuda a acalmá-los. O conhecimento tem sido passado de geração em geração e, segundo a psicóloga da infância Marisa Marantes Sanchez, traz benefícios reais a crianças de até quatro meses — as mais velhas já começam a usar mais suas mãos e pernas, e podem se sentir incomodadas.
Ela explica que a técnica é tão boa que é adotada atualmente em hospitais, principalmente, para conter e confortar bebês que nascem com baixo peso.
— O charutinho dá a sensação de estar no útero materno, o que é fundamental para que ele se sinta protegido e possa se reorganizar depois de momentos em que ficou mais agitado, seja por alguma necessidade emocional ou fisiológica — aponta Marisa.
“Barulhinho de chaleira para acalmar”
Algumas avós também indicam fazer um chiadinho no ouvido do bebê quando ele está choroso. O som lembra o de uma chaleira com água fervente: enquanto o embala em seu colo, a avó entoa “schhhh - schhhh”.
— Esse som se assemelha ao do líquido aminiótico no útero, que conforta o bebê. O chiadinho é uma coisa que as avós fazem muito e que é útil no cuidado dos pequenos — explica a psicóloga.
Pele bonita e saudável
“Compressas de camomila contra olheiras”
Os poderes de alguns produtos naturais são conhecidos pelas avós e empregados por elas no cuidado com a pele. A dermatologista Manuela da Silva, de Santa Cruz do Sul, traz o exemplo das compressas com chá de camomila gelado. Nas olheiras, elas ajudam na vasoconstrição, que é a redução do diâmetro dos vasos sanguíneos. Por causa disso, amenizam a coloração arroxeada e o inchaço. A camomila também tem propriedades antioxidantes, que contribuem para a qualidade da pele.
— As compressas também são úteis para queimaduras solares (de primeiro grau) e após picadas de insetos, pois a camomila tem propriedades anti-inflamatórias. É algo seguro de fazer em casa, eficiente e natural — pontua a dermatologista.
A recomendação é fazer o chá, colocar para gelar e depois utilizar algodões em disco para fazer as compressas, proporcionando uma superfície de contato maior com a pele da região dos olhos.
“Vaselina nas mãos e nos pés”
A hidratação é fundamental para manter a qualidade e a beleza da pele, fortalecer a barreira cutânea e combater irritações. E a vaselina, produto queridinho das avós, dá conta do recado quando se trata das mãos e dos pés. Isso ocorre, explica Manuela, porque ela forma uma espécie de filme protetor, que impede a perda de água.
— Geralmente, é mais difícil hidratar, principalmente, calcanhares com rachaduras ou que têm uma pele mais espessa por conta de uso frequente de chinelo. Por isso, opta-se por produtos com poder de hidratação maior, como a vaselina — explica a médica.
Nos pés, a dica é aplicar antes de dormir, na sola e nos dedos, e cobrir cada pé com um saquinho plástico e depois uma meia, assim evitando sujar a roupa de cama. Nas mãos, uma luva de plástico ajuda na maior oclusão e proteção dos lençóis.
“Dormir com fronhas de seda ou de cetim”
As fronhas de seda ou de cetim são indicadas, pois ajudam a prevenir as “sleep lines” (rugas do sono). Por serem tecidos suaves e delicados, quando nos mexemos à noite, a pele consegue deslizar sobre o travesseiro, evitando ficar presa e “amassada”.
— Uma queixa comum das pacientes são as rugas advindas do longo tempo que passamos dormindo. Elas são produzidas quando esmagamos a pele repetidamente — diz Manuela.
“Hidratação com babosa”
As avós são conhecedoras do potencial do gel da babosa para hidratação dos cabelos. De acordo com Manuela, ele tem mesmo propriedades antimicrobianas, cicatrizantes e hidratantes. É preciso saber, no entanto, que a babosa in natura elimina um líquido viscoso, amarelo, que é tóxico para a pele. Por isso, é preciso ter cuidado na hora de extrair o gel e empregá-lo somente nos fios.
Estilo e decoração
“Estampas que não saem de moda”
A personal stylist Ana Carrard lembra que algumas estampas, como pied poule (padronagem miúda que lembra pegadas de galinha) e o xadrez príncipe de Gales, são clássicos da moda. Mas ela observa que começa a ganhar relevância a releitura de um tecido que costumava ser muito querido há alguns anos: a chita, com grandes florais coloridos, de baixo custo.
— Ela costumava ser usada pelas avós para fazer capas de botijão de gás e toalhas de mesa. Só que, de uns tempos para cá, ela voltou como algo super de moda, nas roupas mesmo. As estampas coloridonas que tradicionalmente enfeitam a chita têm sido passadas inclusive para tecidos mais nobres, já que ela é mais durinha e não serve para todos os modelos – relata Ana.
“O crochê e o artesanal”
Primeiro, a colcha de quadradinhos coloridos decorava a cama da avó da personal stylist Ana Carrard. Depois, adornava a casa da mãe. Agora, a técnica é vista também em casacos e acessórios nas vitrines, o que, para ela, é sinal de que está em alta e de que o trabalho feito à mão está sendo cada vez mais valorizado.
— Está havendo um resgate do artesanal. O crochê é uma prática que, na época da minha avó, que nasceu bem no início do século passado, era feita para as coisas de casa, como um capricho mesmo. Hoje em dia, são artigos de luxo. O feito à mão está num lugar de mais valor, porque hoje temos muito menos tempo para dedicar a isso — afirma Ana.
A arquiteta Li Puente também vê o crochê como um dos queridinhos do momento na decoração dos ambientes, já que há muita gente em busca da referência afetiva que ele carrega. Embora a técnica passe por releituras de material e usos, o ponto e a textura ainda são os mesmos.
— Essa técnica também voltou, não daquela forma literal do paninho de vó que fica em cima dos móveis. Retornou em uma linha mais contemporânea, fazendo parte de almofadas, mantas, mobiliário, pufes e luminárias. Acredito que esse resgate ocorre, pois cada vez mais queremos que a nossa casa conte a nossa história. E isso de remeter à avó é uma forma de se sentir abraçado pela casa, fazendo parte daquele lugar — reflete Li.
Truques para o dia a dia
“Bicarbonato: um aliado na limpeza”
A personal organizer Samantha Grahl lembra que avós de vários tempos têm levado adiante o hábito de usar o bicarbonato de sódio nas tarefas domésticas, como para deixar a roupa mais limpa, por exemplo. O produto, explica, funciona como alternativa de baixo custo para eliminar manchas e consegue tirar a sujeira sem prejudicar a coloração das roupas.
— O bicarbonato é muito bom para remover marcas amareladas, eu uso muito para lavar toalhas e lençóis. Não tem problema se for roupa colorida, pois ele não mancha. É um produto que não agride o meio ambiente e nem a nossa pele — afirma Samantha.
Na cozinha, ele também serve para a limpeza de panelas que, com o tempo, vão ficando avermelhadas ou escurecidas. Fazer uma pastinha com bicarbonato e utilizá-la como um saponáceo ajuda a limpar.
“Especiarias contra traças e mau-cheiro”
As polêmicas bolinhas de naftalina para afastar as traças não são mais tão recomendadas, por conta do cheiro forte que deixam nas roupas, de acordo com Samantha. Mas um outro truque ancestral que ainda funciona é colocar folhas de louro, canela e cravo em pequenas trouxinhas de tule ou de organza. Posicionar esses saquinhos dentro do armário, um a cada duas prateleiras, afasta as traças, que não gostam do cheiro das especiarias.
— Além delas, algo que eu faço em casa é ferver água, cravo e canela em uma panela toda vez que vou cozinhar alguma comida que vai deixar um cheiro muito forte na casa, algum molho, alguma fritura. Não serve para sugar a gordura, mas combate o cheiro forte — indica Samantha.