— Tenho todos os sonhos do mundo. Minha profissão é querer, desejar, imaginar. E o desejo move — declara Dira Paes, resumindo o que projeta para o futuro.
A escolha dos verbos na fala da atriz de 53 anos reflete o entusiasmo com o qual ela vem conduzindo a sua trajetória. E tem dado certo – são quase 40 anos de realizações, com atuações que lhe renderam reconhecimento no Brasil e no Exterior. A paraense nascida em Abaetetuba e criada em Belém migrou aos 17 anos para a capital fluminense, movida pelo desejo de sucesso na profissão.
— Virei adulta no Rio de Janeiro, vim ainda adolescente. Comuniquei aos meus pais, eles me apoiaram e eu me permiti isso, já que tinha independência financeira. Essa decisão foi sem medir consequências. Era como a ordem natural das coisas: fiz meu primeiro filme (A Floresta das Esmeraldas, Estados Unidos, 1985), então, se quisesse ser atriz, teria que ir para o Rio. Fui muito regrada economizando para pagar os cursos e isso me amadureceu. Foi especial — relembra.
Munida de otimismo, disciplina e talento, desde os anos 1980, vem colecionando grandes personagens na televisão, no teatro e, especialmente, no cinema. Atualmente, brilha entre os protagonistas da novela Pantanal, da TV Globo, como a resignada Filó, de quem diz ter resgatado a habilidade de fazer pausas para respirar. Também está em cartaz nos cinemas com o longa Pureza, que conta a história da abolicionista nordestina Pureza Lopes Loyola, vencedora do Prêmio Anti-Escravidão da Anti-Slavery International.
Na esfera pessoal, sua bagagem também vem cheia de conquistas importantes. Casada há 16 anos com o cineasta Pablo Giannini Baião, vive plenamente todos os seus papéis da vida real. Sobre a maternidade, define a experiência com Inácio, 14 anos, e Martim, seis, como “rejuvenescedora”.
— É maravilhoso, lindo, verdadeiro, único, tudo de bom. Viver de acordo com o tempo deles me dá uma manutenção da alegria — comenta.
Na rotina de múltiplas tarefas, cabe, ainda, tempo para o autocuidado, que inclui ioga, meditação e ativismo de direitos humanos – um de seus assuntos favoritos, assim como a arte.
No bate-papo a seguir, ela nos conta mais sobre como mantém a vida em equilíbrio sem abrir mão da leveza.
Como foi ficar longe de casa e, especialmente, dos fillhos durante as gravações de Pantanal, no Mato Grosso do Sul?
Fiquei, no total, um mês lá, mas, de 15 em 15 dias, voltava para o Rio, porque não consigo ficar mais do que isso longe dos meus filhos. E, apesar de estar com a energia totalmente voltada para um objetivo, que é gravar a novela, você se organiza, né? Ainda tenho um filho pequeno, aí fica mais complicado. Mas eu me estruturo, assim, tenho esse tempo, mais ou menos, de validade. E confio no que planejo para isso, porque faz parte do trabalho ter uma organização doméstica. Nesse sentido, é muito objetivo, tem que ter uma rotina, uma vida regrada. Às vezes, você tem que ter esse chão, esse alicerce, para ter tranquilidade no trabalho. Não dá para fazer uma coisa pensando em outra.
A Filó, em toda sua complexidade, toca em várias questões comuns ao dia a dia de muitas mulheres. Como tu vês as Filós da vida real?
Nós estamos nos libertando desse estado Filó – que acho que existem ainda muitas no Brasil. Mas ela tem um viés muito bacana, porque é daquela terra e escolheu aquela vida. Ela tem uma realização pessoal e um amor, que é bem maduro, um pacto de vida. Nós, sem dúvida, estamos aprendendo. É uma habilidade nossa saber fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo. E a Filó administra inclusive suas falhas, seu não saber lidar. Mas ela é tão afeto e alma transparente, que é leve. Isso o campo nos dá, pois ele ensina a ser diferente. Você não tem instintos urbanos, essa pressa. É muito lindo e, ao mesmo tempo, tem a ver com a lida diária. É sorte.
É uma construção de 1990 que continua muito atual.
Acho legal a gente olhar para as mulheres do Brasil como as de Pantanal. Todas têm defeitos, cometem excessos e estão à beira de uma revolução. Existe uma conexão com essa mulher do campo. A gente está falando de feminismo, de tipos masculinos. A novela está comentando um Brasil e o país está parando com a gente para se olhar. É muito legal o momento em que todo mundo para, relaxa e embarca numa dramaturgia. Eu assisto à novela e entendo a atração do público. Vivencio isso, entre nós, “pantaneiros”, e nas ruas, com os assuntos que são levantados. É um privilégio, uma honra.
Como tu fazes para manter a mente em dia?
Sempre me cuido e estou atenta aos meus movimentos de humor. Tenho me cuidado bastante e estou mais organizada, sabe, conseguindo compartimentar as coisas. Na maturidade, você se compartimenta mais. Senão, vira um “liquidificador de emoções” e eu não gosto desse sentimento. Só que quando ele é inevitável, às vezes, é muito bom. Porque chacoalha, deixa louca e você sai... wow! Mas tem que saber lidar. Sou humana e acontece comigo, mas busco consciência para me permitir espaços livres e exclusivos das coisas que tenho e do que desejo fazer com meu tempo livre.
Por exemplo?
Estar com a família, ir ao cinema, teatro. Jantar com amigos, falar de arte, da vida. São coisas revigorantes.
Dá tempo de namorar?
Claro! Nem separo isso. Pratico (risos).
Como é estar casada há 16 anos com a mesma pessoa?
Vamos fazer 17 em outubro e vamos nos renovando. A gente fica mais um pouco, vai vivendo de pouquinho em pouquinho e já tem um poucão. É uma sensação de liberdade ter uma pessoa que faz cinema também, que entende a nossa realidade. É um parceiro que admiro muito e isso é fundamental. Tem coisas que despertam uma relação e têm coisas que a mantêm.
Romper a linha dos 50 no mercado é um ponto de reflexão para ti?
Tem uma geração que está chegando dos 50+ e é surpreendente. Existe uma longevidade a olhos vistos, nós vamos durar mais. A gente está se proporcionando esse fôlego. Desde a década de 1970, tem uma revolução feminina que vem acontecendo, de ciclos em ciclos, e esta é a geração da primeira leva de feministas. São mulheres à frente do seu tempo, que vieram para romper barreiras, inclusive, a do etarismo. E quem vai ter que mudar é quem tem um olhar preconceituoso sobre a longevidade de uma mulher e sua potência.
Até isso deixar de ser uma pauta.
Sou extrovertida, mas tenho me permitido ser mais econômica com a energia. Direcionar para onde eu quero.
DIRA PAES
Atriz
Acho que vai ficar ultrapassado, porque vamos ter uma maior fatia na sociedade, uma massa a ser considerada potencialmente consumidora, donas das nossas vidas. Porque são as avós que, muitas vezes, dão conta da família. A gente vê muito isso se repetir no país. Somos as donas da vez.
Pensas no futuro?
Tenho todos os sonhos do mundo. Minha profissão é querer, desejar, imaginar. E o desejo move. Sempre quero alguma coisa. É um verbo bom nos dias de hoje. Às vezes, é um vaso, uma planta, uma coisa pequena que vai fazer bem. Manter a conexão com a vida e se permitir voar na imaginação. É um exercício, uma prática. Não só isso, claro, porque não é um mundo de privilegiados. Mas acho que a gente precisa se olhar com amor, carinho, se prestar atenção, tentar ser sua primeira observadora. E se comunicar com outras mulheres, porque sempre vai ter alguém que já passou pelo que você passou.
[Neste momento da entrevista, Dira, sem querer, deixa vir o inconfundível jeito de falar do norte do Brasil] E esse sotaque paraense?
Eu sou paraensíssima (risos)! Quando estou falando com paraenses, viro paraense. Ando por muitos lugares e é só alguém falar, que começo a falar igual.
Tu és uma atriz extremamente versátil. Qual a dimensão do que tem de ti nas personagens e delas em ti?
Vou ser sincera. Um pouco (de si) você dá racionalmente. Não tem jeito. Vai ter coisa sua, porque é seu corpo. Mas, às vezes, tem coisas que você guarda ali, aí atua na personagem e dá certo, é legal. Uma coisa que parte do pensamento, do estudo. Eu já fiz muitas totalmente diferentes de mim e aprendi com elas também. A Filó me trouxe de novo o contar até 10, respirar, dar um tempo, expandir.
Tu és ansiosa?
Não. Sou extrovertida, mas tenho me permitido ser mais econômica com a energia, sabe. Direcionar para onde eu quero. É aprendizado, uma habilidade. E vale a pena.
Costumas meditar?
O tempo todo (risos). Não, o tempo todo, não. Geralmente, quando faço ioga, três vezes por semana.
Essa é tua atividade regular?
Vario. Faço pilates e outras atividades também.
Algum esforço pela estética?
A beleza tem muito a ver com a harmonia de você com seu tempo. O físico é consequência, não essência. É uma conjunção de fatores que faz bem à saúde: pensar no seu corpo, na sua mente e nos seus desejos. Conviver com essas três coisas harmonicamente. É o que tento.
Algo específico?
Já entendi e quero entender cada vez mais sobre alimentação voltada à independência do mundo animal. Sou ativista social, ambiental, isso nunca deixou de ser pauta na minha vida. É do meu dia a dia, um combustível verde. Pequenas mudanças para grandes transformações: isso é meu fascínio. No mundo estético isso existe e é maravilhoso. Quantas pessoas são recuperadas por tecnologias avançadas? É muito lindo ver uma cicatriz coberta, a recuperação de um seio. E, para não cair na positividade tóxica, acho que a gente também pode se permitir cuidados especiais. Sem classicismo, pois a internet permite o acesso à informação. Todo mundo há de encontrar seu caminho e, se não encontrar, a busca é muito linda. Pode ficar com ela, que a travessia já é maravilhosa.