Empresária, consultora, avó, observadora do comportamento urbano, analista de tendências, ícone da moda, referência de elegância e, especialmente, divertidíssima. Costanza Pascolato, 82 anos, sempre esteve em alta. Presença brilhante nas altas rodas fashion no Brasil e no exterior, ela agora propõe uma interação diferente. Em seu novo projeto, o livro-caixinha Puxa Conversa Moda (Matrix Editora, R$ 43), apresenta cem cartas com perguntas sobre estilo para serem respondidas e comentadas entre amigos.
— Esse período em que estão todos mais unidos, ainda mais agora, que está meio inverninho, a gente sabe que é uma ideia que dá supercerto. É para falar de estilo, mas são opiniões, estamos na era das opiniões, inclusive. Então fica muito engraçado ver que são perguntas tão banais e acaba saindo cada coisa (risos). Para você ter ideia, temos uma que é "como você reage diante da palavra li-qui-da-ção?". Aí, você imagina — diverte-se.
A publicação acompanha as pequenas transformações do cotidiano que, mesmo para quem nunca abriu mão da efervescência nas grandes cidades, hoje pede um pouco mais de calma. Para Costanza, a mais despojada de suas seis publicações não foi menos desafiadora que seus livros de memórias.
— A ideia foi simplificar, porque não posso só ficar falando de filosofia, o que não é tão fácil, porque, para mim, moda é comportamento. Precisei, inclusive, desmembrar algumas perguntas, por estarem muito elaboradas — comenta, acrescentando ter embarcado na aventura despretensiosamente: — O Paulo (Tadeu, jornalista e publicitário, fundador da Matrix Editora e autor de 88 livros) é amigo da minha filha e já faz sucesso há um tempo com essas cartas dentro de uma caixinha. Então, como estou neste mercado há uns 50 anos, quando pensou em fazer uma edição sobre moda, ele me escolheu. Achei divertido, porque as pessoas estão retomando o costume de estarem juntas, que faltou por tanto tempo — diz ela.
Habilidosa contadora de histórias, a italiana radicada no Brasil tem intimidade com o mercado editorial. Desde os anos 1970, tem sua assinatura registrada na trajetória de algumas das principais revistas especializadas em moda do país. A seguir, ela fala mais sobre este caminho que ainda está longe de terminar, incluindo sua experiência na produção de conteúdo para plataformas digitais e o lifestyle que inclui exercícios diários e um olhar atento ao que acontece ao seu redor.
Se a moda é um espelho do agora, o que você vê refletido hoje na criação nacional?
Ficou muito claro, depois da pandemia, que aquilo que vinha acontecendo devagar, uma hipnose de exagero, deu uma brecada e recomeçou de outro jeito. Errado é pensar que o tempo é um só, achar que vamos voltar a viver como antes. Não podemos voltar ao passado. Você tem moda para todos os níveis sociais e, com a questão da internet, a coisa ficou escancarada. Aqui temos a moda para as pessoas que nunca puderam comprar em shopping, por exemplo. Isso é um avanço, mas, ao mesmo tempo, tem essa discussão da moda com a preservação da saúde da terra e o fenômeno chinês, que é uma coisa absurda. A gente sempre navega entre o bom e o ruim na moda e, na questão de ser sustentável, isso é um problemão.
O que motiva isso?
A necessidade de possuir. É uma coisa séria, porque o problema maior é que tem mais gente e mais necessidade.
Ao mesmo tempo, também se percebe uma valorização das raízes. Seria um passo estratégico?
No primeiro ano de pandemia, eu já tinha a sensação de que cada país estava se voltando à cultura local, crescendo e trabalhando. O Brasil quer ser brasileiro na questão da moda, mesmo tendo absorvido coisas de outros lugares. Aqui, na São Paulo Fashion Week, tinha um monte de meninos fazendo coisas a ver com a inclusão, vi um aperfeiçoamento da alfaiataria, que no Brasil faltava, e tudo isso é um progresso. Vai ser a moda do nicho. O grupo que se encontra naquela estética local. Tanto que as empresas de luxo gigantescas, como Louis Vuitton, estão fazendo produtos específicos para venda nas lojas locais.
De onde vem isso?
Eles entenderam que, como o mundo fechou, precisavam correr atrás do gosto nacional, que foi, por muito tempo, omitido pela questão de que quem era rico comprava qualquer coisa com marca. E quem não era tanto, queria o logo, porque estava comprando o status e nada poderia ser discreto. Afinal, “para que eu vou gastar essa fortuna se ninguém vai saber quanto custou isso?”
É algo que se observa, em diferentes patamares, nas redes sociais?
Quando tive a primeira conta no Instagram, não postava nada, só olhava os outros. E, com isso, comecei a entender a personalidade de um monte de gente. Só pelas postagens, já identificava o estilo. As pessoas se enganam não sendo transparentes ou sendo demais, tendo muita opinião e fazendo a polarização bendita. Poderíamos ter nossas próprias opiniões, mas eu penso do meu jeito e não preciso esfregar no nariz de ninguém. Não essa bagunça em que todo mundo acha muito.
Como você lida com a exposição?
A visibilidade que eu sempre tive, para mim, é uma incógnita desde antes do digital. Eu saía na Caras (a revista) toda semana e não sabia porquê. Eu sou muito tímida e ninguém sabe. Eu apareci na capa do caderno de Lazer do Estadão, em um baile de Carnaval, e meu pai ficou tão chocado. Quando jovem, eu aparecia nas colunas sociais e, quando me casei aos 21 anos, meu pai escreveu para todos os colunistas agradecendo a atenção e dizendo que agora eu era uma moça casada e não precisava mais aparecer. Porque era a mentalidade dele, da aristocracia. Mas continuei aparecendo.
Você se considera uma pessoa ultraconectada?
Eu só tenho Instagram, porque é uma coisa visual. Nunca tive Facebook. Fiz um site em 2012 e hoje nem o alimento mais, que me mostrou o caminho do digital. Fiz 19 anos de Cláudia e Cláudia Moda. Minha escola foi essa. Fui para a fábrica (Santaconstância, tecelagem de sua família, em São Paulo) quando minha mãe precisou de ajuda, e continuei escrevendo. Fui para a Folha, para a Vogue e não saí até agora. O que mudou foi meu jeito de participar, com o passar do tempo. A gente teve que se transformar com o digital.
O jeito que minha ruga nasceu é pela expressão que faço naturalmente. Como vou contrariar a natureza e ficar legal?
COSTANZA PASCOLATO
Empresária e consultora, autora do livro Puxa Conversa Moda
Nesta transformação, a moda acompanha a evolução da mulher, especialmente as 60+?
A moda acompanha menos do que deveria no Brasil. Porque a mulher não deixa a peteca cair, mas acho que existe muito mais coisas para ela. Eu acho que já existe uma série de marcas acompanhando, mesmo sendo uma moda para um país mais quente e onde não temos uniformes, como as americanas. A brasileira veste coisas práticas.
Existe certo e errado, com o passar do tempo, na hora de se vestir?
O errado é olhar para a influencer novinha e querer ser igual. Inclusive, fazer plástica, usar filtros para parecer outra.
Você não usa filtros nas fotos nem faz procedimentos estéticos?
Eu uso um recurso do próprio telefone, que muda a luz na foto. Uso a luz de estúdio, que melhora a imagem. Mas tive um choque aos 49. Estava muito cansada, fazia 21 edições por ano. Uma amiga fez minilifting, me indicou e fui a Campinas para fazer. Lá peguei uma meningite em uma epidemia que estava acontecendo. Fiquei 12 dias tomando soro quase desmaiada, então foi um negócio que eu disse “nunca mais”.
Além disso, a gente envelhece cada um de um jeito. Tem gente que, entendo, pode querer fazer umas mudancinhas. E tem procedimentos que não são tão invasivos. Não critico quem faz, só não acho legal a pessoa não se enxergar e fazer cada vez mais. Isso é se autoaniquilar.
Como o autocuidado faz parte da sua rotina?
Caminho todo dia, de três a cinco quilômetros, dependendo do tempo que tenho. Tanto que meus netos me deram parabéns na pandemia, porque minha massa magra subiu e a gordura caiu. Eu caminhava até dentro da garagem, ouvindo podcast para não morrer de tédio.
Qual o papel dos exercícios na sua vida?
Entendi que o movimento era fundamental, primeiro para a saúde física, mas, principalmente, para a saúde mental. Você precisa de exercício físico para não ficar deprimida. Faço pilates desde 2001. Faz falta, não gosto quando não posso caminhar. Caminho uma hora e medito todo dia também, faz quatro anos. Não é só ficar lá parada. Antes de levantar da cama, eu já medito, porque depois é capaz de me distrair na rua. Mas ando muito atenta ao que eu vejo, porque aprendi que existe a meditação ativa e eu consigo, fico atenta. Observando você mesma e o que acontece à sua volta, você aprende tanta coisa, porque tudo muda o tempo todo. Não é esvaziar a mente, mas observar e não viver com os pensamentos.
Vejo a expressão das crianças, dos pais, da moça que cuida dos bebês, do cachorro e do dono, que quase sempre se parecem. Tudo isso é um alimento da alma. Fora o verde, que é fundamental. Meu prazer é estar em contato com a natureza. Agora vou para a Itália, onde minha filha mora, que é em um lugar todo verde, mesmo sendo a 10 minutos do centro. Eu vou até lá, vejo as lojas, a moda. Não preciso ficar bebendo e comendo muito, como as pessoas falam. Gosto de ficar em contato com a natureza.
Algum segredo para chegar aos 82 assim, cheia de vida?
Viver o melhor possível nesse tempo que ainda tenho. Meu grande lance é viver bem, com a saúde legal, sem dar trabalho a ninguém.