Dormir mal está ligado a uma série de problemas relacionados à saúde, mas alguns deles são ainda piores quando é a mulher quem está tendo uma relação difícil com o travesseiro. O pneumologista Christiano Perin, especialista em Medicina do Sono pela Associação Médica Brasileira (AMB) e diretor do Labsono, explica que a ciência tem evidências de que a falta de sono — ou o sono ruim — torna as mulheres mais propensas a problemas de saúde mental como depressão, altos níveis de angústia, hostilidade e irritabilidade.
Para além de prevenir questões emocionais, o descanso noturno é essencial para a recuperação da energia, para a renovação celular e para uma pele mais bonita, afirma o especialista. Noites maldormidas também podem interferir na produção de substâncias relacionadas à sensação de fome e de saciedade, o que culmina no ganho de peso.
— Algumas substâncias passam a ser produzidas de maneira anormal. A grelina, associada à vontade de comer, aumenta bastante. A falta de sono pode também reduzir a produção da leptina, hormônio associado à saciedade — explica Perin.
A seguir, confira a entrevista completa e 10 dicas para dormir melhor.
Porque é importante ter uma boa noite de sono?
Uma boa noite de sono é indispensável para o bom funcionamento do organismo. A privação acarreta aumento do cortisol (hormônio do estresse), ligado a distúrbios de humor, ansiedade e surgimento de doenças como diabetes, hipertensão, obesidade, doença vascular cerebral e cardiovasculares, entre outras. As pessoas que não dormem o suficiente ou têm um sono de má qualidade por causa das interrupções provocadas por distúrbios do sono sentem falta de energia para as tarefas diárias, ficam deprimidas ou irritadiças, queixam-se de dificuldade de concentração, apresentam maior frequência de doenças infecciosas, acidentes automobilísticos e envelhecem mais rapidamente. Há evidências consistentes de que a privação de sono e alguns distúrbios como a apneia do sono aumentem o risco de diabetes, hipertensão arterial, arritmias, doenças cardiovasculares e cerebrais.
A quantidade de horas de sono considerada normal para um adulto pode variar entre seis e dez horas, sendo em média de sete a nove horas para pessoas entre 18 e 65 anos e sete a oito para quem tem mais de 65. Mas não basta quantidade, o sono precisa ter qualidade. Diversos distúrbios, como insônia, apneia e pernas inquietas podem causar um sono de má qualidade ou não restaurador. Além disso, precisamos ter ritmo, ou seja, dormir em horários regulares e respeitando nosso relógio biológico, o que muitas vezes é uma tarefa difícil como no caso dos trabalhadores em turnos. A melhor maneira de saber se você está dormindo bem é se você se sente revigorado e restaurado ao acordar pela manhã.
O sono ajuda na saúde da pele? Por que isso ocorre?
Durante o sono há a síntese de colágeno e elastina, proteínas responsáveis pela firmeza e elasticidade da pele. Além disso, ocorre a remoção de toxinas promovendo a renovação celular. Com sua privação, há um aumento do cortisol (hormônio do estresse) e de radicais livres, responsáveis pelo envelhecimento precoce. Enquanto dormimos, há uma maior oxigenação da pele e a liberação de hormônios, como o GH, do crescimento, que é responsável pela renovação e combate ao envelhecimento celular. Este hormônio é liberado exclusivamente durante o sono, então se dormimos pouco ou mal, não produzimos GH em quantidade suficiente. Por isso se fala em “sono da beleza”.
Dormir mal pode causar algum impacto à saúde das mulheres?
Os distúrbios do sono mais comuns nas mulheres são a insônia, apneia e pernas inquietas. A insônia é mais comum nas mulheres do que nos homens em qualquer faixa etária. É importante ressaltar que a prevalência de ronco e de apneia aumenta bastante com a queda hormonal após a menopausa, se tornando praticamente igual a dos homens.
As mulheres, em geral, demoram mais para dormir e acordam por mais tempo durante a noite, por uma combinação de fatores hormonais e sociais. A progesterona e o estrogênio influenciam o humor, o que pode afetar a qualidade do sono. Depois, há a gravidez, o levantar para os filhos e a menopausa (causando um sono mais curto, mais leve e mais fragmentado).
Mulheres precisam de mais tempo de sono que os homens?
Estudos mostram que, independentemente da fase da vida, as mulheres dormem de 11 a 20 minutos a mais por dia em relação aos homens. Uma das possíveis explicações é que seus cérebros trabalham mais durante o dia pelo fato de serem multitarefas. A maioria dos homens se apega a fazer uma coisa de cada vez, enquanto as mulheres são mais propensas a lidar com duas ou três tarefas diferentes ao mesmo tempo. Isso significa que seus cérebros trabalham mais e, portanto, precisam de mais tempo para se reparar e se recuperar.
Noites mal dormidas podem aumentar vontade de comer, reduzir a sensação de saciedade e gerar ganho de peso.
O que a falta de sono tem a ver com o humor para as mulheres?
A falta de sono as torna mais propensas a problemas de saúde mental. Para as mulheres, ela está associada a sentimentos de depressão e ansiedade, além de várias condições de saúde mental. Pesquisadores da Duke University estudaram esse fenômeno com 210 homens e mulheres de meia-idade e descobriram que o sono ruim está mais associado a altos níveis de angústia, hostilidade, depressão e irritabilidade nas mulheres.
O estudo descobriu que elas sofrem mais fisicamente e mentalmente quando não dormem o suficiente. As mulheres também são 40% mais propensas a ter insônia.
Qual a relação entre mudanças hormonais e o sono?
Nossos ciclos de sono-vigília são regidos por hormônios, que afetam quando nos sentimos cansados, alertas, com fome e muito mais. As mulheres experimentam mudanças hormonais a cada mês e ao longo de suas vidas, que afetam seus ritmos circadianos e criam uma maior necessidade de sono. Durante a menstruação, por exemplo, uma parcela das mulheres tem problema para dormir devido a cólicas, dores de cabeça e inchaço. Relatam níveis mais elevados de sonolência diurna, cansaço e fadiga.
Durante a gravidez, podem desenvolver a síndrome das pernas inquietas, uma condição que torna mais difícil adormecer. Elas também são mais propensas a sofrer de depressão, apneia e de dor e incontinência que interrompem o sono. Esses problemas podem persistir no período pós-parto, quando seus níveis hormonais caem ao mesmo tempo em que começam a cuidar de um recém-nascido com um ciclo de sono irregular – muitas vezes resultando em ainda mais sonolência diurna.
Já durante a menopausa, uma parcela das mulheres experimenta ondas de calor. Quando isso ocorre à noite, acordam suando, interrompem seu sono. O risco de desenvolver apneia do sono também aumenta durante este período. Como resultado, ao acordar, as mulheres se sentem menos revigoradas e apresentam cansaço e sonolência excessiva durante o dia.
Qual a relação entre o sono e as sensações de fome e saciedade?
Noites maldormidas podem aumentar a vontade de comer, reduzir a sensação de saciedade e gerar ganho de peso. E os impactos no corpo podem ocorrer em qualquer idade, tendo como responsável a desregulação metabólica induzida. A explicação é que algumas substâncias passam a ser produzidas de maneira anormal. A grelina, uma substância associada à vontade de comer, aumenta bastante com a falta de sono. Ela pode também reduzir a produção da leptina, que é o hormônio associado à saciedade. Estudo publicado em 2022 na revista científica JAMA Internal Medicine, mostrou que o aumento de 90 minutos de sono por noite foi capaz de reduzir em 270 Kcal a ingestão calórica diária sem mudar a dieta usual, o que, a longo prazo, pode resultar em perda de peso significativa (algo como 9 quilos em três anos).
O dormir menos também ocasiona cansaço e falta de energia, então a pessoa tem dificuldade maior de realizar exercícios. Mas não é somente a falta de sono que acaba por gerar ganho de peso. O contrário também pode ocorrer. O excesso de peso pode atrapalhar o sono, já que dependendo do local onde a gordura se acumula (como no pescoço, por exemplo), há tendência ao ronco e, consequentemente, um sono de pior qualidade.
10 dicas para dormir melhor
- Mantenha o quarto arejado durante o dia, escuro à noite, sem ruído excessivo e com temperatura agradável.
- Evite álcool e bebidas com cafeína (café, refrigerantes, chá preto, chimarrão, energético, achocolatados) seis horas antes de dormir.
- Evite luz intensa durante a noite, já que ela pode estimular o estado de alerta e afastar o sono, e exponha-se à luz do dia pela manhã.
- Faça refeições leves à noite. Não é bom dormir com fome nem após ter comido muito.
- Evite exercícios físicos próximos ao horário de dormir, mas pratique atividade física regularmente.
- Estabeleça horários regulares de dormir e acordar, o que favorece o estabelecimento de um ritmo.
- Não durma durante o dia. Pequenos cochilos de cerca de 30 minutos após o almoço são permitidos.
- Evite atividades com telas (celular, tablet, computador, televisão) próximas ao horário de dormir. Elas estimulam o estado de alerta à noite.
- Use a sua cama essencialmente para dormir. Evite assistir TV, trabalhar ou ingerir alimentos nela.
- Vá para a cama quando estiver com sono e saia se estiver sem. Procure fazer alguma atividade relaxante em ambiente com pouca luminosidade e retorne à cama apenas quando sentir sono. Isso ajuda a associá-la ao ato de dormir.