Há 16 anos, o Brasil dava um passo importante para combater a violência contra a mulher. Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha (lei 11.340), reconhecida como uma legislação das mais completas do mundo para garantir a proteção e assegurar o direito das mulheres. Na prática, a lei agilizou processos, definiu os tipos de violência, endureceu a punição aos agressores e forçou o Estado e a sociedade a enxergarem o tema como uma epidemia silenciosa. E o mais importante: salvou a vida de milhares de brasileiras. Só que ainda há muito a avançar – inclusive, quando o assunto é fazer a legislação valer de fato.
— Ainda há barreiras que precisam ser vencidas, como a defasagem na rede de apoio. Também focamos no caráter punitivo da lei e, para garantir uma mudança efetiva, precisamos focar no teor preventivo. A Lei Maria da Penha é popular, mas é inegável a dificuldade de aplicação — defende a advogada Gabriela Souza.
Na pandemia, ficou ainda mais evidente a urgência de pensar em novas estratégias para combater a violência doméstica. Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que uma a cada quatro mulheres foi vítima de algum tipo de violência desde o início do período. Outro dado alarmante foi o número de feminicídios: o Brasil teve 1.350 casos somente em 2020 – em média, um a cada seis horas e meia.
Para a advogada Claudia Sobreiro de Oliveira, os números mostram que é preciso ir além de punir com rigor. É necessário conscientizar a população e encontrar mecanismos para mudar a cultura e o comportamento.
— Precisamos atuar em todos os âmbitos. Também precisamos fazer a rede funcionar. A vítima tem que ser reinserida na sociedade, com atendimento psicológico, jurídico. O agressor precisa sair do ciclo, e há mecanismos para ajudar, como os grupos de apoio — afirma a presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/RS.
Outro agravante é o medo de ir até a delegacia. Romper o silêncio nem sempre é fácil – em 2020, das 80 vítimas de feminicídio no Estado, apenas cinco tinham medida protetiva de urgência em vigor. Para a delegada Jeiselaure Rocha de Souza, diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher do RS, há uma parcela de mulheres que não identifica que está dentro de um ciclo de violência doméstica, principalmente quando se pensa no abuso psicológico. Por isso, muitos casos acabam virando estatística sem terem chegado às autoridades.
A violência doméstica quase nunca começa com as tentativas de feminicídio ou lesão corporal, mas passa pela violência psicológica, ameaças verbais. Não podemos normalizar essas condutas.
DELEGADA JEISELAURE ROCHA DE SOUZA
Diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher do RS
— A violência doméstica quase nunca começa com as tentativas de feminicídio ou lesão corporal, mas passa pela violência psicológica, ameaças verbais. Não podemos normalizar essas condutas. Elas têm que procurar ajuda no início e ganhar a medida protetiva pois, estatisticamente, diminui as chances de perder a vida – diz a titular da Delegacia da Mulher de Porto Alegre.