É inegável o avanço da legislação quanto à proteção de mulheres e a garantia de direitos dos mais vulneráveis nos últimos anos, mas neste sábado (7) data em que se completam quinze anos da Lei Maria da Penha, pare e pense em quantas mulheres foram espancadas, só hoje, no Brasil. Não precisa ir longe. Você que está lendo esse texto certamente conhece alguém que já foi violentada, física ou psicologicamente, simplesmente por ser mulher. Isto se a vítima não tiver sido você. Em qualquer que seja o caso, eu sinto muito.
A vizinha que apanhou do marido. A amiga que teve coragem de se separar depois de meses de agressões. A influencer que levou um soco no rosto desferido pelo DJ famoso em frente ao bebê.
Ou a Juraci, minha colega de trabalho na RBS, que foi morta com uma facada pelo ex-companheiro em frente à filha, em Porto Alegre. Filha que, anos depois, também se tornou vítima de violência e, com uma coragem resgatada do fundo da alma, conseguiu se reerguer e decidiu dedicar seus estudos ao tema da violência de gênero, a fim de proteger mulheres para que não encerrem suas vidas com o mesmo fim trágico que a mãe.
É essa a realidade que expõe um comportamento celebrado durante séculos, de uma sociedade que se orgulhava (ou se orgulha?) de colocar mulheres como casta inferior aos homens, reforçando um raciocínio machista absolutamente equivocado. Por essa ótica, mulheres deveriam somente servir aos maridos e não poderiam trabalhar. Quando puderam, passaram a ganhar menos que os homens. E quando, enfim, conseguem alcançar postos de destaque são preteridas por conta da licença-maternidade, taxadas de agressivas, silenciadas por outros colegas e outros poréns.
Aliás, você sabia que até o ano de 2002 uma mulher poderia ser devolvida pelo marido caso ele descobrisse que esta não era mais virgem? Sim, 2002, o ano em que ganhamos o penta. Tudo previsto na legislação brasileira.
É nos detalhes cotidianos que o preconceito de gênero se revela. O mesmo preconceito que é, sim, responsável pela manutenção de índices altíssimos de violência que ainda não conseguimos reduzir, a despeito dos inúmeros esforços. Cabem palmas à luta incansável de mulheres como a própria Maria da Penha, que dá nome à lei que aniversaria hoje, e tal como a filha da Jura, fez do seu caso pessoal um motivo a mais para reivindicar justiça.
Aliás, você conhece a história da Maria da Penha?
O agressor não era um vilão desses toscos desses que a gente vê num filme ruim. Era o marido, pai das filhas, que prometeu ser fiel, amar e respeitar na saúde e na doença. Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia. O resultado: lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda. Penha ficou paraplégica. O marido inventou uma história pra polícia e, bem, ficou por assim mesmo.
Quatro meses depois, quando Maria da Penha voltou para casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, o marido a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho. Parece absurdo. E é.
Daí a necessidade de continuarmos insistindo na discussão deste tema para que uma cultura que coloca as mulheres em condição inferior possa finalmente ser modificada. As penas precisam ser mais duras, sim. Os agressores precisam ser julgados e condenados, também. Mas não podemos mais admitir que um homem se sinta autorizado a espancar uma mulher, sob nenhuma circunstância.
Caso contrário, vamos continuar chorando a perda de mulheres que simplesmente reivindicavam o direito de existir. É imperativo continuar lutando.
Ajuda
P.S.: A filha da Jura, citada nesta coluna, está dedicada à pesquisa do tema e precisa de ajuda para custear seus estudos. Quer ajudar? Me escreva: kelly.matos@rdgaucha.com.br
"Estou encaminhando esse e-mail, pois desde que a perdi e também fui vítima da violência em 2014, não desisti de seguir com a força que ela me criou e hoje estou estudando o tema de políticas para proteção de mulheres e meninas no mundo. Mesmo com toda a minha situação de violência e trauma, prossegui meus estudos me formando UFRGS em 2019, participei de vários voluntários e consegui receber honrarias em conferências em universidades como Harvard e MIT, além de ter participado como delegada da 23# Assembleia da Juventude nas Nações Unidas.
Graças a esses espaços, passei e iniciei no ano passado um mestrado em comunicação na Université du Québec à Montréal (UQAM), em que estudei neste primeiro ano de maneira totalmente remota, por conta da pandemia. Meu programa custa $43 mil dólares, já recebi duas bolsas de excelência ($20 mil dólares), mas ainda preciso juntar $8778,95 mil dólares (em torno de R$ 36.200,00), para pagar as mensalidades deste primeiro ano até o dia 20 de setembro.
Como você conheceu todo o trabalho e dedicação da minha mãe na Zero, e agora sabe brevemente que eu estou levando o legado e nome dela em meus estudos e propósito de carreira, gostaria muito de poder contar com o seu apoio em forma de doação para que eu consiga realizar o meu sonho de trabalhar com políticas e ações de proteção a igualdade de gênero no nosso país".