Em meio à pandemia de covid-19 no Brasil, uma a cada quatro mulheres a partir de 16 anos afirma ter sido vítima de algum tipo de violência nos últimos 12 meses, segundo pesquisa divulgada nesta segunda-feira (7) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O levantamento também aponta que o país registrou, em média, oito mulheres agredidas fisicamente por minuto.
Os dados integram a terceira edição da pesquisa quantitativa "Visível e Invisível — A vitimização de mulheres no Brasil", realizada a cada dois anos pelo Instituto Datafolha, a pedido do Fórum, que desta vez teve financiamento da Uber. O balanço reuniu 2.079 entrevistas feitas em 130 municípios de pequeno, médio e grande porte, entre os dias 10 e 14 de maio.
Segundo o levantamento, 24,4% das participantes relataram ter sofrido violência no último ano — índice que equivaleria a cerca de 17 milhões de mulheres no Brasil. Comparado à edição anterior, o resultado manteve-se estável, apesar de ter crescido a percepção de que a violência de gênero aumentou no período. Em 2019, a prevalência indicada foi ligeiramente maior, de 27,4%, mas a diferença está dentro da margem de erro de três pontos porcentuais da pesquisa.
Uma das hipóteses para explicar esse empate técnico passa por entender como a crise sanitária impactou no contexto das mulheres.
— Em comparação a 2019, há uma queda de 29% para 19% da violência praticada nas ruas, mas ao mesmo tempo subiu de 42% para 49% nos domicílios — analisa Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum e uma das cinco pesquisadoras que conduziram o estudo. — Já aqueles casos em bar, balada, faculdade quase desaparecem agora, por causa da pandemia.
Em sete a cada 10 ocorrências, o autor é uma pessoa conhecida — principalmente companheiros (25,4%) ou ex-companheiros (18,1%). Esta edição da pesquisa, no entanto, detectou aumento da participação de familiares, como pais, mães, irmãos e filhos, entre os agressores.
— Os dados levam a crer que violência está, cada vez mais, dentro da casa das pessoas — avalia a diretora-executiva do Fórum.
Estudiosos do tema são unânimes em afirmar que a violência contra mulheres tende a acontecer em escalada. Via de regra, ela se inicia com ofensas no dia a dia e pressões psicológicas que evoluem para espancamentos ou até feminicídio.
De acordo com o levantamento, a forma mais comum é a ofensa verbal, apontada por 18,6% das entrevistadas. Pela projeção, isso totalizaria 13 milhões de mulheres que foram alvo de insultos, xingamentos ou humilhações no último ano no Brasil.
Já 6,3%, ou o equivalente a 4,3 milhões, afirmaram ter sido alvo de agressão física, com tapas, empurrões ou chutes. Para 2,4% das mulheres brasileiras (1,6 milhão na projeção), a violência atingiu formas mais graves, como espancamentos ou tentativas de estrangulamento.
Por sua vez, 5,4% foram vítimas de ofensa sexual ou tentativa forçada de manter relação e 3,1% sofreram ameaças com faca ou arma de fogo. Esses contingentes equivalem a 3,7 milhões e 2,1 milhões, respectivamente.
— Nem todo caso de violência contra mulher deve ser resolvido pela polícia — diz Samira. — Igreja, família, amigos, equipamentos de assistência social, atendimento psicológico são etapas importantes para a proteção e acolhimento. A rede de apoio precisa estar atenta, porque nem sempre a mulher consegue sair da situação sozinha. Agora, dependendo do nível de gravidade ou quando a violência se torna um padrão, é preciso sim buscar alternativas na polícia e na Justiça, o que boa parte das mulheres ainda deixa de fazer.
Os dados comprovam a fala da pesquisadora. Segundo o estudo, a reação mais comum após sofrer agressão mais grave é, na prática, "não fazer nada". Essa foi a resposta de 44,9% das vítimas. As alternativas que aparecem logo na sequência foram procurar ajuda da família (22%) ou de amigos (13%). Só 12% prestaram denúncia em delegacias especializadas e 7% acionaram a Polícia Militar.
Entre as que optaram por não tomar providência, 32,8% alegaram que poderiam resolver o conflito sozinhas e 16,8% julgaram que o caso não era importante a ponto de envolver a polícia. Para 13,4%, a justificativa foi medo de represália do agressor.
Falta de autonomia financeira é o principal fator de exposição à violência
O levantamento aponta, ainda, que a violência é mais prevalente entre mulheres jovens, pretas e divorciadas. Questionadas na pesquisa, as vítimas apontam a ausência de autonomia financeira, quadro que se agravou durante a pandemia, como o principal fator de vulnerabilidade.
Entre as vítimas, 25,1% afirmaram que estão expostas à violência porque perderam o emprego ou não têm possibilidade de trabalhar para garantir renda própria.
— Isso é um elemento importante para endereçar políticas públicas e pensar em mecanismos específicos — diz Samira. — Se a mulher tem autonomia financeira, ela pode romper a relação. Mas, quando depende financeiramente do parceiro, ela acaba relevando ou procurando justificativas para as agressões. Afinal, o mais importante é colocar comida na mesa.
Segundo a pesquisa, a maior parte das vítimas tem entre 16 e 24 anos (35,2%), índice que vai decaindo na medida em que as faixas etárias avançam. Para as mulheres com 60 anos ou mais, o indicador é de 14,1%.
No recorte por cor, a prevalência é maior entre mulheres pretas (28,3%), seguida de pardas (24,6%) e brancas (23,5%). Já na análise por estado civil, a violência foi sofrida por 35% das mulheres divorciadas, 30,7% das solteiras, 17,1% das viúvas e 16,8% das casadas.
— O momento de ruptura é quando a mulher está exposta a maior risco. O caso típico de feminicídio no Brasil é o da mulher que se separa e o parceiro não lida bem com isso — analisa a diretora-executiva do Fórum. — Mas há outro elemento: muitas vezes, romper o relacionamento amoroso não significa estar livre, principalmente se a relação envolver filhos e houver algum tipo de interação com o agressor. A separação é um passo importante para afastar a violência do cotidiano, mas é preciso que ela esteja acompanhada de outras medidas para garantir a segurança da mulher.