O pedido de socorro por mensagem a uma rádio chocou a comunidade dos Campos de Cima da Serra. Uma mulher de 39 anos relatou que era mantida em cárcere privado pelo marido em uma propriedade rural a 24 quilômetros do centro de Bom Jesus. As agressões e ameaças aconteciam há quase duas décadas. Contudo, o suposto agressor foi solto dois dias depois de ser preso em flagrante e poderá responder ao processo em liberdade.
A prisão aconteceu na tarde de terça-feira (23), quando a Polícia Civil apreendeu uma espingarda calibre .44. O Ministério Público (MP) opinou pela prisão preventiva do homem de 45 anos. Na quinta-feira (26), o réu teve concedida a liberdade provisória. Como o procedimento transcorre em segredo de Justiça (o que é padrão em casos de violência doméstica), não são divulgados detalhes do processo.
Procurado pela reportagem diante da repercussão do caso, o juiz Gustavo Henrique de Paula Leite aceitou se manifestar por e-mail. Ele explica que a decisão foi devidamente justificada, sendo que os supostos delitos apresentados — cárcere privado, violência doméstica e posse ilegal de arma de fogo — têm pena máxima inferior a quatro anos de prisão, o que em regra não permitiria a decretação da prisão preventiva. O magistrado também ressalta a excepcionalidade das prisões provisórias neste período da pandemia.
Por outro lado, o juiz Leite destaca que foram deferidas as medidas protetivas solicitadas pela vítima e impostas medidas cautelares diversas da prisão ao suspeito. O magistrado de Bom Jesus afirma que o sistema de justiça está à disposição para auxiliar esta vítima, inclusive pelo acompanhamento da Patrulha Maria da Penha, da Brigada Militar.
O processo agora terá designação de audiência conciliatória, onde ambas as partes são convidadas para dialogar e chegar a um consenso. A Polícia Civil tem prazo de 30 dias para concluir o inquérito policial, onde é investigada a relação do casal e outros crimes que não ficaram comprovados no momento do flagrante. O testemunho da mulher aponta para inúmeros casos de agressão nos últimos anos — inclusive aos filhos — e até estupro.
O promotor Raynner Sales de Meira afirma que recebeu a decisão de liberdade provisória na quinta-feira (25) e ainda analisa os autos para decidir uma próxima manifestação.
O que diz a lei
Conforme o artigo 148 do Código Penal, privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado, é um crime com pena de um a três anos de reclusão. Se a vítima for cônjuge ou companheiro do acusado (como é o caso de Bom Jesus), a pena é aumentada para dois a cinco anos de prisão.
O artigo 148 ainda prevê que a pena seja ampliada para dois a oito anos de reclusão se o crime de cárcere privado causar grave sofrimento físico ou moral a vítima em razão dos maus tratos. Há projetos de lei que tramitam na Câmara de Deputados para aumentar a pena de cárcere privado e qualificar este crime como tortura quando acontece contra mulher.
Já a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, prevê pena de três meses a três anos de detenção para quem causar lesão contra cônjuge ou familiar em ambiente de relação doméstica.
Onde buscar ajuda
- Polícia Civil: 197
- Brigada Militar: 190
- Central de Atendimento à Mulher: telefone 180