Uma pergunta bastante comum a respeito dos animais resgatados na enchente é a razão de haver um número consideravelmente maior de cães se comparado ao de gatos resgatados. Vídeos postados nas redes sociais parecem prestigiar quase que exclusivamente os cães, o que faz com que muitas pessoas se perguntem se tiveram os gatos menos sorte do que os cães nesta inundação.
O número exato de pets mortos em relação aos sobreviventes é impossível de ser obtido, até porque não existem dados anteriores que nos permitam fazer esta comparação. Mas não restam dúvidas de que, quando se trata de águas em movimento e subindo em grande velocidade, tiveram sim os cães o benefício da força — e da habilidade da natação — para procurar abrigo em lugar seguro.
Embora muitos tenham agido mais pelo instinto de sobrevivência do que pela inteligência, é possível concluir que boa parte dos cães resgatados de cima de casas e muros nadaram de um ponto para o outro, conforme as águas subiam, até conseguir se estabelecer em um lugar mais alto e livre da correnteza.
Os gatos, por sua vez, já não puderam contar com a ajuda do fôlego, mas da sorte. Por conta disso, foram resgatados de galhos de árvores, forros de telhados e até enganchados em qualquer material flutuante que pudesse tê-los levado a um local de melhor acesso às embarcações. No que tange o comportamento diante do perigo, cães e gatos agem de forma diferente.
— Enquanto a maioria dos cães se deixa pegar, ou até mesmo correr em direção da ajuda humana, gatos são mais assustados e não é tão fácil convencê-los a sair de onde estão para entrar em um bote — esclarece Andrea Martins Kesller, médica veterinária e uma das fundadoras do projeto AUmaMIA.
No bairro Sarandi, a protetora Lisie Minuzzo, do Projeto Dê uma Chance, sabe bem o que é um gato arredio.
— Mesmo passados 30 dias do início dos problemas, ainda tem gato em forro de telhado e em locais altos onde estamos levando ração até conseguirmos ter acesso e tirá-los de lá quando a água baixar — comenta a voluntária que alberga 61 gatos recolhidos daquela região.
Como ressalta Lisie, a água do Sarandi está demorando muito para baixar e os animais que não se deixam ser capturados ainda precisam receber comida onde estão para não morrerem de fome.
— Temos feito o uso de "gatoeiras", uma gaiola especial que se fecha após o gato entrar nela em busca do alimento, e assim estamos conseguindo tirá-los de áreas de difícil acesso, mas não é fácil lidar com gato assustado — complementa a voluntária.
Por meio de parcerias e doações, os gatos vêm sendo castrados e, na medida do possível, recebem assistência veterinária de clínicas parceiras do projeto como a Pet Home, Sulvet Clínica e Hobby Clínica e Petshop.
— Atendemos gatos em situação deplorável, então tratamos todos eles. Mas quando estão saudáveis, precisamos que eles sejam adotados — lembra Andrea, que atendeu dezenas de felinos resgatados da enchente.
Ela e Lisie disponibilizam as suas contas no Instagram para que os gatos sejam não apenas reconhecidos, mas acolhidos por lares temporários.
— Precisamos desafogar a nossa capacidade de acolhimento, que há muito já foi atingida — relata Lisie, que também conta com a ajuda de clínicas veterinárias de outras cidades para dar conta do sistema.
Daisy Vivian é diplomada pela UFRGS em Medicina Veterinária e Jornalismo. É autora dos livros "Cães e Gatos Sabem Ajudar Seus Donos" e "Olhe-me nos Olhos e Saiba Quem Você É", histórias reais sobre pessoas e seus animais de estimação.