Eles chegaram molhados, famintos e assustados em uma terra desconhecida, dividindo espaço com dezenas de outros animais, uma assombrosa algazarra nunca antes vista em suas vidas. E agora, o que fazer? Os lares temporários (LT) e os adotivos têm sido uma poderosa ferramenta para esvaziar um pouco os abrigos e dar espaço para que os outros animais, especialmente os adoecidos, possam receber o tratamento necessário para a sua recuperação.
Após 15 dias do início das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, muitos já deixaram de ser tristes e abatidos e passaram a revelar seus verdadeiros temperamentos. Ainda que sejam dóceis, carinhosos e brincalhões, nem todos têm para onde ir, pois perderam a casa e o tutor de forma definitiva.
Os esforços de resgatistas, veterinários e voluntários não podem ser em vão. Para uma criatura de quatro patas chegar a algum lugar, dezenas de pares de mãos se envolvem para dar uma chance a eles. O trabalho de todos só fará sentido se todos os animais forem tratados de forma digna e humanitária, e os LTs são a maior expressão de solidariedade para com o bem-estar dos animais sobreviventes.
Mas, como escolher? E o que esperar de um animal tão traumatizado quando ele chegar na casa de outra pessoa? O bom andamento deste processo dependerá, em boa parte, do cruzamento de informações sobre o perfil da família e do mascote escolhido. É importante que os voluntários e candidatos a lares temporários estejam bem alinhados, para que sejam apresentados animais cujo perfil tem mais chance de dar certo com aquele grupo de pessoas. A seguir, confira 20 dicas que precisam ser levadas em consideração durante uma visita a um abrigo.
1) Esteja preparado para a possibilidade de seu adotado não ser requisitado por ninguém, razão pela qual o LT se tornará permanente. Da mesma forma, entenda que, se o antigo tutor encontrar seu pet, é importante que ele seja entregue, por mais apaixonado que você esteja pelo bichinho. A função de Lar Temporário é exatamente essa: cuidar dele até que as coisas se ajeitem e o tutor possa tê-lo de volta.
2) Decida se você vai se dar melhor adotando cachorro ou gato, pois existem abrigos que albergam apenas uma espécie animal.
3) Se você já tem um pet, leve isso em consideração. Não leve um cão reativo se você tem um gato morando livre e solto na sua casa. Lembre-se de que você não sabe da história pregressa do resgatado, que pode mostra-se pouco à vontade na presença de outros animais.
4) Pergunte sobre o comportamento dos animais a um voluntário, que já conhece há dias os abrigados. Não perca tempo com animais grandes e agitados se você não possui esse perfil. Podem surgir problemas de adaptação, inclusive a do próprio mascote, razão pela qual a escolha tem de ser a mais acertada possível.
5) Existem alguns abrigos que não liberam mães sem os seus filhotes, irmãos ou animais que foram escolhidos da mesma casa. Alguns resgatistas tiveram o cuidado de avisar que os animais foram recolhidos juntos e houve casos em que essa informação seguiu até os abrigos. Essa particularidade é interessante e facilita o manejo dos voluntários quando os pets já estão acostumados uns com os outros. Apesar da confusão, eles seguem juntos, o que os deixa mais tranquilos e facilita a adaptação. Da mesma forma, o tutor pode ter a feliz de notícia de encontrar todos os seus pets no mesmo lugar.
6) Antes de dizer que o seu apartamento é pequeno e que só cabe um cachorro bem pequenininho, saiba que um cão grande e idoso pode ser uma escolha bem mais acertada. Os mais velhos costumam dormir bastante e isso facilita a adaptação , principalmente se você é daqueles que fica muito tempo longe de casa.
7) Tenha cuidado ao se aproximar dos animais nos abrigos, até mesmo daqueles bem nanicos. Isso também vale para os gatos. Mascotes pequenos parecem inofensivos, mas não é bem assim.
8) Abrigos pets não são playground para as crianças. Todos foram montados às pressas e os animais podem fugir inesperadamente. Alguns animais podem realmente oferecer riscos, e as crianças devem ficar o tempo todo de mãos dadas com os responsáveis.
9) Evite contato oro-nasal com esses animais por um longo tempo. Alguns abrigos conseguiram se organizar no sentido de administrar vermífugos e anti-parasitários aos pets, mas é necessária uma segunda dose, e nem todos tiveram tempo de receber a medicação. Peça orientação para acabar com todos os possíveis vermes que estejam nesse mascote. Isso vale também para ectoparasitas.
10) Saiba que é possível ou até mesmo trocar o seu protegido se as coisas realmente ficarem ruins. É necessário um período de adaptação. Alguns são imediatos, enquanto outros podem necessitar de mais tempo e paciência, até que o animal entenda quem são seus tutores a partir de agora.
11) É impossível descobrir como os bichinhos foram acostumados: alguns urinavam na rua, enquanto outros o faziam em determinada área da casa. Isso só será constatado quando for para a casa de alguém, mas alguns voluntários já perceberam que alguns realmente só fazem xixi quando saem para passear.
12) Para quem já tem pets em casa, a aproximação entre os dois animais deve ser lenta e progressiva. Tudo pode dar muito certo, mas a melhor ficar atento e não deixá-los soltos um com o outro sem a supervisão necessária por um bom período de tempo.
13) Não se intimide de voltar para a casa e pensar melhor sobre a adoção. O seu candidato até pode ir para outro lar nesse meio tempo, mas o que não faltam são animais precisando de carinho nesses abrigos.
14) É interessante ficar alguns momentos ao lado do mascote. Visitá-lo quando ele está dormindo é uma estratégia inteligente, pois, nesse momento, se verifica se ele dorme durante a noite ou fica latindo e se agitando. Por conta disso, é bom vê-lo também desperto durante o dia. Maiores são as chances de dar certo quando existe uma simpatia mútua entre o pet e o tutor temporário, e isso também se verifica quando há um número maior de visitas antes de levá-lo para casa.
15) Alguns abrigos disponibilizam grupos de Whatsapp e até telefones de adestradores e veterinários que, de forma virtual, tentam auxiliar os lares temporários em algumas questões. A ONG Paixão de 4 Patas conta com um grupo que é composto por integrantes dos 97 lares temporários. A ferramenta de troca de experiências ajuda os adotantes a compreender melhor o que deve ser feito para facilitar a adaptação dos resgatados.
16) Cada animal é de um jeito, e percebe-se que alguns estão realmente bem perdidos, quer seja pela falta dos antigos tutores, quer seja por nunca terem usado uma coleira na vida. Aliás, animais que não sabem o que é ficar preso são mais indicados para uma residência. Lembre-se de que esses mascotes foram recolhidos de ambientes onde há muitas casas, razão pela qual a maioria é composta por animais de médio a grande porte.
17) Saiba que, mesmo revestido de toda a boa vontade, seu protegido pode fugir de você na primeira oportunidade. Esses animais seguem confusos e alguns ainda pensam em procurar pelo antigo lar. É importante ficar atento.
18) A não ser que você tenha a necessidade de ter cães mais voltados para a segurança do patrimônio, nem pense em levar uma fera para casa, porque as chances de acidentes são consideráveis. Não confunda solidariedade com arriscar a própria integridade. A maioria dos mascotes pode ser adotado, mas uma parte, infelizmente não terá essa chance por serem animais reativos, que podem oferecer riscos a outras pessoas.
19) Pode acontecer de um animal resgatado ficar doente no lar temporário. Se for o caso, contate o abrigo onde se realizou a adoção. Aqueles que seguem com veterinários no local poderão te auxiliar. Existem, também, muitos profissionais que estão prestando assistência gratuita aos resgatados. Procure sair do abrigo já com o telefone dessas pessoas.
20) Explique para os vizinhos que você está com um mascote resgatado da enchente em casa, e que ele está em processo de adaptação Alguns podem te ajudar a dizer como está o comportamento dele quando fica sozinho.
Saiba ainda que, dependendo do lugar onde esteja o pet, ele poderá sair de lá levando tudo o que necessita, e isso inclui cama, cobertor, guia, coleira, comida e até medicamentos. Foi assim com Thiago Nóbrega Garcia e Camila Corrêa Selao. Eles e a filha Helena, 8 anos, receberam o cão, apelidado de Morceguinho, assim que ele saiu da internação do Aubrigo Scooby, um espaço montado no estacionamento do Shopping Iguatemi.
— Nunca tivemos cachorro, mas queríamos mostrar para a nossa filha a necessidade de contribuir e assim permitir que essas pessoas possam ajudar mais animais — disse Camila, a tutora temporária de Morceguinho.
— Como o cachorrinho era para uma criança, tiveram o cuidado de nos mostrar um bem dócil para a Helena — complementaou Thiago, já com o cãozinho no colo.
A família recebeu orientações e segue tirando dúvidas em um grupo de WhatsApp criado para atender a essa necessidade.
— O trabalho é extremamente cansativo, mas vale cada minuto quando a gente vê uma família disposta a levar um "pacotinho de amor" para casa — comemorou Gabriela Becker da Silveira, uma das médicas-veterinárias que está realizando trabalho voluntário no Aubrigo.
Daisy Vivian é diplomada pela UFRGS em Medicina Veterinária e Jornalismo. É autora dos livros "Cães e Gatos Sabem Ajudar Seus Donos" e "Olhe-me nos Olhos e Saiba Quem Você É", histórias reais sobre pessoas e seus animais de estimação.