"Sim, pensamos em fechar". É assim que começa uma publicação compartilhada no perfil do Instagram do Coletivo 828 - um espaço que reúne grifes autorais e sustentáveis no bairro que desponta como o novo centro de arte, estilo e design de Porto Alegre, o 4º Distrito. Nas redes sociais, os desabafos de comerciantes dos mais diversos setores sobre as dificuldades de manter as portas abertas após os percalços ocasionados pela pandemia têm sido comuns. O coletivo, entretanto, decidiu contar aos clientes os desafios que enfrentam nos bastidores e pedir ajuda para seguir funcionando em seu espaço físico.
A ideia é que a comunidade possa contribuir e, em troca, receba alguns benefícios pela ajuda. Por R$ 45, você adquire um kit de incensos naturais. Com R$ 100, um máxi lenço. Ainda há as opções de vale-presente, nos valores de R$ 150, R$ 250 e R$ 400, que englobam todas as marcas que fazem parte do coletivo. O objetivo da ação é garantir pelo menos três meses de operação da loja física, que fica na Rua Álvaro Chaves, 231.
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Ana Castria, uma das fundadoras e atual gestora do Coletivo 828, conta que foi grande a dificuldade quando o negócio teve que ser adaptado ao formato digital.
— Sempre tivemos um espaço físico, que antes era em outro endereço, e agora mudou para um novo, ainda mais amplo, mas calcado na experiência física da compra, e não voltado para a tendência. Tivemos que nos adaptar rápido e amplamente porque tínhamos uma experiência de compra baseada na vivência. Era sobre o espaço compartilhado com as marcas, com as pessoas. Também trazíamos um pouco de educação sobre consumo na venda. Esse era o nosso atrativo — explica.
Com as restrições, o espaço criou um canal de comunicação online e agora conta com um catálogo digital. Mesmo assim, a empresária ainda encara o processo inverso - de incentivar a cliente a comprar de casa, sem conhecer quem está por trás da confecção do produto - um grande desafio.
— Sempre contamos com a presença das designers na loja justamente por essa força da fala. Sei quem fez, quem costurou, como e de onde veio essa matéria-prima, qual é minha responsabilidade com a confecção dessa peça. Nunca tínhamos conseguido esse caminho de desconectar do físico — relata.
O lançamento do novo espaço, mais amplo, estava marcado para o dia 27 de março do ano passado. A inauguração, é claro, ainda não ocorreu. Mesmo assim, elas optaram por manter o espaço físico, mas não sem grande esforço. Conforme as bandeiras de distanciamento controlado do Estado permitem, o Coletivo 828 abre, sem muitas movimentações e contando com a grande metragem e o alto pé direito do galpão como formas de manter o ambiente seguro e adequado às medidas de prevenção à covid-19.
— Optamos por continuar justamente porque avaliamos que esse é o nosso DNA. Se a gente perdesse isso no período de pandemia, estaria criando um novo negócio, e não é uma coisa temos vontade neste momento. Ou a gente consegue manter, ou guarda esse projeto, engaveta, pelo período que precisar. Mas optamos por continuar tentando até a última energia. Manter o espaço físico aberto para que, quando a gente retorne, não perca o que já construiu: toda essa cultura do espaço, de receber as pessoas, de ter muitas marcas, de ter um aglomerado de coisas acontecendo, workshops, conversas, encontros. De compartilhamento mesmo — reflete.
A decisão de abrir a situação difícil enfrentada pela loja nas redes sociais e pedir ajuda veio de uma autoavaliação: por que justo o coletivo, um espaço criado a partir de colaboração, não poderia contar com a mobilização da comunidade? Mesmo acostumado em ser o "elo entre as marcas, o alicerce para sustentar o espaço de união", o Coletivo se percebeu no limite de energia e recurso para seguir funcionando. Ana avalia que a reação do público foi "extremamente positiva".
— Ficamos superfelizes e acho que vamos conseguir. Esses três meses sustentam a gente voltar a ter movimento. Somos positivas, acreditamos que em três meses consigamos tomar outras ações que ajudem, como vendas e serviços que possamos oferecer no espaço. Como sociedade, acredito que vamos evoluir, estamos vacinando, alguma coisa vai acontecer — opina.
"Nós podemos fechar"
Assim como muitas marcas de moda gaúchas, a grife Ada, que tem como pilares do negócio o slow fashion e o feminismo, também sofreu com os impactos da pandemia. Lançada em 2016 pelas sócias Camila Puccini e Melina Knolow, a label produz suas peças sob demanda e levou um susto com as incertezas do início do ano passado. Na época, com a produção em pausa, por conta dos fornecedores, e parte da equipe em casa, a marca lançou a campanha #AjudeaAdaaExistir nas redes sociais, que incentivava a compra de seus produtos pelo site. Assim, as empreendedoras conseguiram pagar as contas e garantir o salário das funcionárias por quatro meses.
— Nossa principal preocupação era que o estoque que tínhamos de matéria-prima estava baixo demais e com poucas opções. Como os fornecedores tiveram que fechar, e nós tínhamos acabado de fotografar todos os lançamentos até julho (de 2020), entendemos que precisávamos fazer o dinheiro girar com o que tínhamos no ateliê. Colocamos todos os lançamentos no ar, e aplicamos descontos diversos em diferentes sessões — conta Melina. — Pensamos: "Vamos pegar esse cash, honrar nossas contas por quatro meses e o salário das meninas, tirar dinheiro da publicidade, e contar com o orgânico, com as pessoas que nos apoiam, para fazer esse movimento continuar girando".
Com a ajuda de parceiros, as poucos foram se estabilizando. Para Melina, a mobilização e o senso de comunidade foram fundamentais no processo. Hoje, a produção funciona porque é pequena, com no máximo três pessoas trabalhando no espaço. Porém, no último mês, a situação voltou a ficar difícil. Dessa vez, o problema foi justamente no digital, principal alternativa de venda em tempos de pandemia.
— Além da situação financeira, que todos estamos passando, tivemos um bug no nosso Instagram que tirou o link do nosso site, e isso quebra completamente o processo de compra — relata.
Por conta deste problema na plataforma, as vendas da marca caíram em 90% e elas precisaram reativar a campanha, contando novamente com a ajuda das clientes fiéis. Em uma publicação no Instagram, avisaram: "Nós podemos fechar". Em seguida, colocaram todo o site com desconto de 25% e pediram ajuda: "Caso você estivesse pensando em comprar, e possa comprar, algo da Ada, pedimos de coração que faça agora, ou talvez essa possibilidade poderá não mais existir".
Confira a postagem
Novamente, a mobilização surpreendeu, e Melina conta que elas estão "metade preocupadas com a situação, mas metade confiantes, porque está acontecendo um senso de comunidade muito bonito".
— As pessoas estão sendo incríveis. Tem clientes que estão colocando o link do nosso site no perfil pessoal delas. Tem muita gente compartilhando a campanha, o post, mostrando fotos usando as peças, contando a história da pessoa com a marca. E as vendas também estão alavancando. Então a gente está bem confiante de que vai conseguir passar por essa.
Para a empreendedora, o segredo do sucesso está na honestidade da marca com o público.
— As pessoas abraçam a ideia justamente por compartilharmos nossas vulnerabilidades. Não vou dizer que isso foi fácil... Dizer que a gente pode fechar foi bem doloroso. Optamos por realmente ser transparentes e falar o que estava acontecendo para tentar achar uma solução, em vez de daqui um mês falar: "Bom, estamos fechando as portas e queimando estoque".