Nos últimos anos, movimentos que impulsionam a democratização da moda ganharam cada vez mais força. Um deles é a iniciativa nascida em uma das tantas ruas nomeadas com uma letra do alfabeto que compõem o bairro Bom Jesus, conhecido como Vila Bonja, na Capital. Batizada de Agência Compromisso, a recrutadora idealizada em 2019 pelos jovens Marina Schmitt, 23 anos, Luiz Henrique de Lima, 28, e Cristian Klippel, 28, tem entre os seus objetivos promover a empregabilidade de pessoas da periferia na indústria fashion.
Desde os processos que se escondem nos bastidores da criação até o glamour das campanhas publicitárias, a ideia é dar visibilidade e mostrar que a Bonja também está na moda.
— Moradores da periferia são grande parte dos consumidores. Precisamos quebrar esse estigma e dizer para a menina que mora ali no beco, que mora na beira da sanga, que a moda também é sobre ela — explica Marina, diretora da agência, que, assim como Luiz Henrique e Cristian, é neta da líder comunitária Marli Medeiros, falecida em 2018.
Por meio do negócio, os três trazem novas facetas para a causa liderada pela avó, que incentivou a geração de empregos na Bom Jesus através do trabalho com a reciclagem. Fazendo a ponte entre o mercado fashion e os talentos da comunidade, a Compromisso contabiliza conquistas: pelas ruas e becos da Bonja, hoje circulam corpos que moldaram peças que figuram nas vitrines, ilustradores de estamparia, maquiadora e fotógrafo de produções de moda e modelos de campanhas publicitárias.
Oportunidades
Entre a safra de novos profissionais da moda nascidos e criados no local está a modelo Amanda Nonato, 19 anos. Apaixonada pelo universo fashion, sonhava em fazer disso uma profissão, mas as barreiras sociais pareciam um empecilho.
— Sempre tive vontade, mas achava que era distante. É difícil surgir uma oportunidade quando você mora em lugares como a Bom Jesus. As pessoas não veem esse futuro para você — revela.
Recrutada pela agência, Amanda estampou uma campanha pela primeira vez para a Renner e descobriu que também pode estar na moda. Hoje, investe em criar conteúdo no Instagram (abaixo) e trabalha no lançamento de uma marca de roupas autoral, com peças desenhadas e confeccionadas artesanalmente por ela.
— Entrar no site de uma loja e estar ali a sua foto é algo surreal, parece um sonho. Me mostrou que posso conseguir, que onde moro não vai influenciar — conta.
Para a diretora da agência, histórias como a de Amanda são o combustível para o trabalho. No caminho da inclusão da periferia no mercado fashion, a estrada passa também pela superação da ideia de que quem vive nas favelas precisa de ajuda, e não de oportunidades.
— Viemos do processo de sair de um olhar de caridade, de solidariedade, e trazer a responsabilidade social. As pessoas da periferia passam por sufoco, mas não são pobres coitados — ressalta Marina, destacando que a iniciativa visa construir relações profissionais, não assistencialistas. — Esse é um movimento em que todo mundo ganha e avança — completa.
Collab já nas lojas
Entre os espaços já conquistados pelo projeto está a criação de uma coleção que integra o selo de moda responsável da Youcom. Por intermédio da Compromisso, seis artistas moradores da Bonja e de comunidades do entorno foram contratados para contribuírem com o time da marca na concepção de uma collab, composta por uma t-shirt e uma jaqueta jeans, lançadas recentemente.
— Quem faz parte dos processos de criação? Essa é uma provocação para discutirmos sobre diversidade na moda para além de colocar um modelo negro, um modelo ruivo e um modelo branco nas campanhas — pontua Marina.
Entre os ilustradores envolvidos na concepção da coleção – Clayton Lacerda, 25 anos, Dimitri Oliveira, 24, Henrique Lopes, 27, Henry Neckel, 24, Lucas Veiga, 29, e Luiza Câmara, 22 –, três tiveram seus trabalhos transformados na estampa final das peças. Os itens, que já estão disponíveis para compra em lojas físicas e no e-commerce da Youcom, terão 10% do valor de venda revertidos para ações em benefício da comunidade.
Na campanha, são os próprios ilustradores que fazem as vezes de modelo. Da maquiagem à fotografia, a equipe envolvida também foi composta por profissionais da Bonja. Na prática, além de transformar a moda em oportunidade para a periferia, o impacto foi sentido também na autoestima de quem participou do processo que levou as roupas às vitrines.
— Todo mundo me falava que tenho talento, mas eu sempre custei a acreditar. Precisou realmente desse projeto para eu conseguir acreditar no meu trabalho — conta Henrique, morador da Bom Jesus cuja arte é uma das que estampa a coleção e o rosto as fotografias do projeto. — Meu foco agora é trabalhar com a arte. Estou tocando projetos para continuar nesse ramo da moda, criar estampas para marcas e até algo próprio — projeta ele, que pela primeira vez conseguiu se enxergar como artista.