Se, há algumas gerações, uma gravidez depois dos 40 anos era considerada exceção, hoje cada vez mais mulheres têm optado por adiar a maternidade. Seja para priorizar a carreira, por considerarem necessário encontrar um parceiro ideal ou por simplesmente não se sentirem prontas, elas têm preferido deixar a decisão de ter (ou não) filhos para depois. Há, porém, um fator decisivo nessa equação: o relógio biológico.
Em teoria, nada mudou, já que o corpo feminino continua perdendo fertilidade conforme os anos passam. A diferença está na ciência, que avançou a ponto de tornar mais acessível um procedimento que pode garantir essa opção no futuro: o congelamento de óvulos.
As ginecologistas e especialistas em reprodução assistida Ariane Kira e Rafaella Petracco esclarecem que, assim como todo procedimento médico, é fundamental avaliar caso a caso antes de estimar os possíveis resultados. E pontuam que, antes de qualquer coisa, é feito um check-up na saúde da paciente para conferir se ela precisa tratar alguma comorbidade previamente.
Com tudo OK nesses exames, é realizada uma análise da chamada "reserva ovariana". É a partir daí que os médicos podem prever quantos óvulos, aproximadamente, vão resultar do procedimento e assim informar quais serão as chances que ela terá de engravidar. Na sequência, começam de fato as preparações para o congelamento.
É planejado, conforme as médicas, um protocolo para estimular a ovulação, que inicia em conjunto com o ciclo menstrual. A medicação, com hormônios injetáveis, e o tempo de uso variam. Ao longo da administração dos medicamentos, são feitas ecografias para observar o crescimento dos folículos ovarianos. Esse processo dura de 10 a 14 dias, mais ou menos o tempo de uma ovulação normal.
Passo a passo
O congelamento de óvulos em si é feito por meio de uma ecografia transvaginal, na qual uma agulha é inserida até o ovário para aspirar o líquido onde estão localizados os óvulos. É feito com anestesia, então a paciente está sedada e não sente a dor, garantem as especialistas. Além disso, as complicações são raras.
— Desde tirar uma unha encravada até uma neurocirurgia, tudo tem risco. Mas, em pacientes saudáveis e jovens, praticamente não se vê complicações. Até porque conhecemos essa mulher, que foi previamente avaliada, então temos uma noção da condição de saúde dela — avalia Ariane Kira. — Também é mito que engorda, que incha, são casos muito reservados e específicos.
Entre os possíveis riscos, estão sangramentos, hiperestímulo ovariano e trombose, listam as médicas, que ressaltam novamente a pequena incidência das adversidades e a facilidade de manejar as situações. Elas frisam, ainda, que congelar óvulos não tem relação com desenvolvimento de câncer, também não diminui as chances de engravidar naturalmente e não acelera a entrada na menopausa.
— O ovário é dividido em duas partes. Uma é a poupança, definida desde que a gente nasce. No procedimento, só temos acesso à outra parte, que são os óvulos produzidos naquele mês. Se não forem aproveitados, vão ir fora de qualquer forma — explica a Ariane.
Prazo
Não existe uma idade máxima para que o procedimento seja feito, algo como "a partir de tal idade é proibido". Porém, as médicas alertam que, quanto mais tarde fizer, menores serão as chances de engravidar, porque serão menos óvulos e de pior qualidade.
— Não existe um limite, e sim uma consciência do que esperar desse estímulo. Idealmente, é feito até os 35 anos, quando a paciente tem um número adequado e de qualidade. Qual a chance de engravidar com óvulos de 45 anos? Muito pequena. A reserva é muito pessoal, cada mulher tem uma. Mas a qualidade vai sempre estar ligada à idade — avalia Rafaella Petracco.
A individualidade da avaliação é reforçada por Ariane.
— Tem que ser discutido com o médico o custo/efetividade, se vale a pena investir no congelamento. Mas cada caso é um caso — indica.
E até que idade é possível engravidar com os óvulos congelados? O Conselho Federal de Medicina sugere até os 50. Mais do que isso são casos que precisam de uma liberação específica, na qual o médico se compromete com a gestante avançada, como é chamada, pois os riscos aumentam de forma significativa.
Uma vez congelado, congelado está
Uma dúvida recorrente sobre o procedimento é quanto tempo dura um óvulo congelado. Não tem prazo de validade, garantem as médicas. Ele fica armazenado em tanques com nitrogênio líquido a uma temperatura de -196ºC . Antes, passa por inúmeros procedimentos, como a vitrificação, na qual é retirada a água de seu interior.
— Se voltar daqui a seis meses ou 10 anos, não perde qualidade. Não é como se fosse o freezer de casa, não deteriora com o tempo — compara Ariane.
Mesmo com o congelamento, ficam preservadas as características genéticas e a capacidade de gerar um embrião. Através dos processos bioquímicos já citados, a medicina consegue "frear" o estágio de divisão celular sem nenhum prejuízo ao seu desenvolvimento.
Também não existe um número mínimo ou máximo de óvulos congelados por procedimento. O ideal é que a mulher produza o maior número possível, dizem as médicas. Afinal, quanto mais embriões, melhores as chances de gravidez.
— Esse número é muito individual, depende do potencial de cada uma. Pode ser um óvulo, seis, 50. Depende muito da reserva ovariana. Isso também está muito relacionado à idade. Pacientes mais velhas têm menos — explica Ariane.
Organização e segurança
A identificação dos óvulos armazenados na clínica é também uma preocupação das mulheres que buscam o procedimento. As médicas garantem que as "palhetas", onde eles são congelados em nitrogênio, são identificadas com o código de cada paciente.
Além disso, durante o procedimento, o material é checado por pelo menos três pessoas para que não ocorra erro.
Custos
A média de custo do procedimento varia entre R$ 10 mil e R$ 20 mil. Já a taxa de manutenção para que os óvulos continuem armazenados na clínica é algo entre R$ 500 e R$ 1 mil por ano. Os preços mudam de acordo com a medicação utilizada e com o número de óvulos congelados, relatam as médicas.
Casos de desistência
Se, depois de congelar os óvulos, a mulher desistir de ter filhos, ela tem duas opções: descartá-los ou doá-los.
— Esses óvulos podem ser descartados a qualquer momento. Essa é uma decisão da paciente. Só fica sob cuidado da clínica, mas é ela quem decide — reforça Rafaella.
Para doar os óvulos, é preciso ter menos de 37 anos e fazer de forma anônima. Só pode ser feito sem o anonimato caso os óvulos sejam doados para alguém da família, desde que não incorra em consanguinidade. Também é feita uma avaliação de sua condição de saúde e seu histórico familiar de doenças.
*Produção: Luísa Tessuto