Duas filhas adultas, três décadas de casamento, uma vida financeira estável, um pé na aposentadoria. Aos 51 anos, Andrea Beatriz Rosa de Souza se preparava para curtir a maturidade quando foi acometida por um enjoo persistente. O médico desconfiou de uma gastrite devido ao estresse e receitou medicações. Andrea foi à farmácia, mas saiu de lá com um teste de gravidez. O resultado improvável veio: estava grávida da terceira filha.
— Não acreditei. Tinha trocado o anticoncepcional por causa da idade, pensando na menopausa. Brincamos que a tal gastrite se chamava Helena (risos) — conta a servidora pública aposentada, hoje, com 55 anos.
O caso de Andrea é considerado raríssimo – menos de 1% das tentantes na faixa dos 50 anos conseguem engravidar naturalmente. Mas a gaúcha integra um grupo que vem crescendo: o das mulheres que se tornam mães numa fase mais madura da vida. De acordo com o registro de nascidos vivos disponível no DataSUS, do Ministério da Saúde, 412 bebês com mães acima de 50 anos nasceram em 2019, a maior taxa registrada nos últimos cinco anos. Pode parecer pouco, mas o número segue a tendência de alta que também se confirma entre aquelas de 45 a 49 anos – 5,3 mil deram à luz no mesmo período.
— Não é mais uma surpresa uma mulher de 50 anos ou mais procurando o consultório para engravidar ou mesmo já estando grávida. Gestações espontâneas são bem raras, então muitas optam pela fertilização — explica a ginecologista e obstetra Gioconda Lucatel.
Os motivos para postergar a maternidade são muitos. Algumas planejam focar na carreira e decidem virar mães num momento de maior estabilidade financeira, outras querem aproveitar para viajar e estudar. Há ainda as mulheres que enfrentam a infertilidade e passam anos em busca do positivo, ou aquelas que só descobrem o desejo de se tornarem mães mais tarde.
Nesta reportagem, três gaúchas abrem o jogo sobre a experiência de maternar após os 50 anos. Andrea se tornou mãe no susto e vive uma relação bem diferente com a caçula, Helena, que tem mais de 20 anos de diferença das irmãs. Viviane Santana Dias, 49 anos, está grávida do primeiro filho e se tornará mãe no ano em que completa 50 – ela tenta driblar a ansiedade, controlar seus medos e lidar com o preconceito. Já Deisi Regina da Cruz, 62 anos, decidiu pela adoção de um menino para realizar o desejo da maternidade tardia: aos 58, virou mãe solo de Wesley, 12 anos. Elas contam, sem filtros, quais os grandes desafios de suas jornadas, revelam os altos e baixos e reafirmam sem hesitar: não há idade limite para se tornar mãe.
Mudança de planos
Depois que se recuperou do susto da gravidez inesperada aos 51, Andrea procurou ajuda para levar uma gestação tranquila. Segundo os médicos, quanto maior a idade da gestante, mais chances de uma gravidez de risco, com complicações e probabilidade do bebê apresentar síndromes (saiba mais na página 8). No caso da servidora pública, a gestação transcorreu sem problemas, e Helena veio ao mundo extremamente saudável.
O que martelava na cabeça de Andrea era o seguinte: afinal, até que momento estaria presente na vida da filha em razão de sua idade?
— Foi a primeira coisa que pensei. Tenho medo de não dar tempo de incutir na Helena os valores que as irmãs mais velhas têm. Ao mesmo tempo, isso me faz focar em aproveitar cada momento — conta.
Para ela, a experiência de maternar hoje é completamente diferente do que há 30 anos. A geração é outra, mais agitada, impaciente, com acesso à tecnologia. A servidora pública não acha que falte pique para acompanhar a pequena, embora se defina como mais permissiva.
— Mudei a estratégia para encarar isso. Claro, o fato de eu estar mais velha impacta, me sinto mais cansada. Só que me considero mais madura, tenho mais experiência para tomar algumas decisões — avalia Andrea. — Hoje, também me cobro menos, sabe? Não é que deixo ela fazer o que quer, mas a rigidez que tinha não tenho mais. Não tem fórmula para criar filho, um é diferente do outro.
Logo que a caçula nasceu, a servidora pública contou com a ajuda das filhas mais velhas na rotina com Helena e cansou de ser confundida como avó da menina por aí. Uma hora, deixou de dar explicações:
— Não devo satisfações, e nunca ouvi uma crítica direta. Mas, claro, a gente sente aquele espanto na cara de alguns, muitos nos olham como se fosse uma irresponsabilidade. Isso nunca me abalou.
Andrea amamentou a filha até os dois anos – diferente de suas duas primeiras gestações, quando seguiu com o aleitamento por apenas quatro meses. Em abril, a servidora pública se aposentou e decidiu embarcar num sonho antigo com o marido: morar em Santa Catarina. Agora, a ideia é experimentar uma relação com a filha que o trabalho não permitiu há três décadas. Ela quer participar de mais atividades na escola, acompanhar os passeios e as programações abertas aos pais em horário comercial. Outro plano é seguir de olho nas contas pensando no futuro: pela frente, há ainda inúmeras mensalidades de colégio, faculdade e custos que uma criança demanda.
— Tivemos que readequar nosso projeto de vida. Ter uma filha aos 50 não é o mesmo do que aos 25, ainda mais sem planejar. Sinto falta dos meus momentos. Mas, no fundo, sei que a Helena me escolheu como mãe, é um papel que tenho para cumprir — afirma Andrea.
Em busca do positivo
Quem entende sobre a necessidade de reajustar os planos quando o assunto é a maternidade é a contadora Viviane Santana Dias. Ser mãe estava no topo dos seus objetivos, mas, antes, era preciso riscar outros itens da lista, como uma vida profissional consolidada e uma situação financeira estável. Foi aos 36 anos que decidiu engravidar. Procurou sua ginecologista, fez controle de ovulação e nada do positivo vir. Descobriu que tinha mioma no útero, cistos no ovário e precisou passar por cirurgia. Mesmo depois disso, nada da gravidez acontecer. Por volta dos 40 anos, optou pela reprodução assistida. Entretanto, esbarrou num ponto importante, a situação financeira. Um procedimento de fertilização pode chegar a cerca de R$ 30 mil.
— Era o meu objetivo. Entendi que precisava me organizar para correr atrás do sonho de gestar e ser mãe — conta ela, que mora em Cachoeira do Sul e está grávida de cinco meses.
Nesse caminho, Viviane viveu o preconceito na pele. Ouviu de um médico: “Mas o que tu queres sendo mãe com essa idade?”. Com o apoio da família e dos amigos, engoliu o choro, respirou fundo e seguiu em frente. Procurou a clínica de reprodução e deparou com outra barreira: o envelhecimento de seus óvulos em razão da idade. Com o risco aumentado para alterações genéticas e pouca chance de sucesso na fertilização, Viviane e o marido optaram pela ovodoação – quando se utiliza óvulos de uma doadora anônima para realizar o procedimento. A primeira tentativa de fertilização não deu certo. Em março, aos 48 anos, ela tentou de novo e o positivo veio.
— Foi uma corrida contra o tempo. Agora, estou na expectativa do nascimento. São muitos questionamentos, fico pensando até quando vou conseguir acompanhá-lo, é inevitável. Ao mesmo tempo, é o momento perfeito para eu ser mãe, emocionalmente, financeiramente, tudo — explica a contadora.
A professora universitária conta que preparou seu corpo para gestar. Alimentação saudável, rotina de exercícios, apoio psicológico, busca de informações e por aí vai. E esse quadro clínico saudável é essencial para o desenvolvimento de uma gestação segura nessa faixa etária, explica o médico Carlos Link, certificado em reprodução assistida. A partir dos 35 anos, a gravidez já deve ser acompanhada com maior cuidado e, aos 50, a necessidade é de atenção redobrada.
— Há mulheres de 50 anos muito bem clinicamente, fisicamente, e isso é importante. Mas é preciso explicar também que o ovário não evolui conforme a qualidade de vida, ele segue envelhecendo. A maioria das pacientes nessa faixa não têm mais reserva ovariana e, quando veem a questão da qualidade do óvulo e dos riscos, encontram na ovodoação um caminho. Elas querem a maternidade, e querem da forma que traz mais chances de sucesso – avalia Link, que é diretor técnico da Clínica ProSer.
No caso de Viviane, a experiência da gestação carrega outros desafios. Ela revela que não teme “não ter pique” para acompanhar o bebê ou da condição financeira daqui para frente. Mas confessa que faz as contas e se questiona: será que estará aqui para acompanhar a fase adulta do filho? Para lidar com a ansiedade, tenta focar no presente e no acolhimento da rede de apoio. E também se agarra na experiência de vida que adquiriu até aqui:
Há mulheres de 50 anos muito bem clinicamente, fisicamente, e isso é importante. Mas é preciso explicar também que o ovário não evolui conforme a qualidade de vida, ele segue envelhecendo
CARLOS LINK
médico certificado em reprodução assistida
— Aprendi que precisamos viver mais os momentos. Meus princípios e valores são outros hoje. Mais nova, pensava muito em acumular, em crescer profissionalmente. Hoje, quero focar no maternar. Menos correria, e mais serenidade.
A única dor que Viviane carrega é a falta que sua mãe irá fazer no papel de avó. Mas já anunciou que, caso dê à luz uma menina, fará uma homenagem.
— Vou dar o nome da minha mãe, que era Heloísa. Ela sempre foi uma avó presente com meus sobrinhos. É a única coisa que lamento da minha gravidez quase aos 50 anos, a falta dessa convivência — conta.
Adoção solo
Deisi Regina da Cruz também planejou a maternidade tardia, só que por outro caminho: a adoção. A analista administrativa, assim como Viviane, desejava que o filho tivesse a oportunidade de conviver com os avós, mas sabia que, talvez, o tempo não permitisse. No caso dela, mais do que a vontade de construir uma relação saudável em família, havia outro motivo especial: seu pai foi adotado ainda criança, e isso a inspirou a escolher a adoção.
— O avô era colorado e gostava de ver o jogo sozinho. Desde que o Wesley chegou, chamava o neto para ver junto. Eles conviveram por pouco tempo, meu pai já faleceu, mas foi muito bonita a relação, eles tinham uma conexão, uma experiência que era só deles — conta Deisi, 62 anos.
O plano era ser mãe depois dos 40. Só que, quando ela alcançou essa idade, estava a mil no trabalho. Foi apenas depois dos 50 que o desejo da maternidade aflorou de fato.
— Sempre soube que, se fosse ser mãe, seria de um filho adotivo. Nem sei te dizer se posso ou não engravidar naturalmente, porque nunca tentei. Minha ideia era uma maternidade tardia. E esse projeto necessita dedicação — diz Deisi.
Foi por meio de uma reportagem em Zero Hora que ela conheceu o trabalho do Instituto Amigos de Lucas, focado no suporte à adoção. Depois, descobriu como funcionava o apadrinhamento afetivo e virou madrinha de Wesley, de 11 anos. A conexão foi tão intensa que, nove meses depois, o menino já estava morando com ela.
Ser mãe era um dos meus propósitos de vida, e esse desejo não depende de idade. Sem dúvida, é muito difícil. Mas, se a mulher deseja isso, precisa ser respeitada
DEISI REGINA DA CRUZ
mãe de Wesley
— Brinco que foi uma gestação. Nove meses e 15 dias depois que nos conhecemos, virei mãe (risos). O início foi punk, nossa relação teve altos e baixos. E mais: eu sou mãe solo. Tenho o apoio da família, mas a responsabilidade é minha — conta.
Para se sentir mais segura, ela participou de grupos em que pais e mães compartilham suas experiências sobre adoção. Um dos desafios era justamente alinhar suas expectativas para a chegada do filho. E esse deve ser um ponto de atenção para todas as famílias, explica a psicóloga Rosângela de Sant’Anna Dall’Agnol.
— Filhos sempre são idealizados, biológicos ou não. Jogar a felicidade em cima da maternidade ou do filho é um dos maiores prejuízos que se pode ter. A maternidade é lindíssima, mas é desafiadora, tem perrengue. A adoção traz questões específicas, há uma vida pregressa da criança. É preciso diálogo — avalia.
Deisi se esforça para lembrar de momentos em que não tenha se sentido acolhida depois que se tornou mãe. Uma ou outra cara de espanto, alguns comentários dizendo “Que coragem você tem” e deu. Talvez antes sua reação fosse outra.
— Aos 30, teria reagido diferente, ficado insegura. Mas, aos 58, tinha experiência para lidar com isso. Me considero flexível. Só não abro mão da rigidez nos estudos — ressalta.
Aos poucos, Deisi e Wesley foram organizando a rotina. Ela e o filho têm um papo aberto. E a idade da mãe não fica de fora da pauta. A aposentada brinca com Wesley que talvez não esteja aqui quando ele se formar na faculdade. Mas isso não é motivo para desanimar. Ela incentiva o menino a focar no futuro:
— Tento trabalhar a questão da independência. Cozinho, limpo a casa, ele aprende e ajuda. É uma forma de prepará-lo para o futuro. Não posso ignorar o fator tempo, mesmo que ele já seja adolescente. Mas meu filho diz que vou estar com ele até o fim, “bem velhinha” (risos).
Olhando para trás, Deisi ainda se emociona quando lembra da primeira vez em que Wesley a chamou de mãe. O menino atendeu o telefone enquanto ela dirigia e disse: “Agora a minha mãe não pode falar”. Ali, caiu a ficha de que a maternidade era real. E que ser mãe do jeito que ela escolheu valeu a pena, recorda:
— Ser mãe era um dos meus propósitos de vida, e esse desejo não depende de idade. Sem dúvida, é muito difícil. Mas, se a mulher deseja isso, precisa ser respeitada.