Enquanto aguarda a chegada de Sofia, em fevereiro, a bióloga Helen Tais da Rosa, 29 anos, prepara-se para amamentar a filha. A gaúcha faz uso de medicamentos específicos para induzir a produção de leite e estimula o peito com bomba de lactação três vezes ao dia. Toda essa preparação é necessária porque não é ela quem está gestando, mas sim sua esposa, a ginecologista e obstetra Elisa Tetelbom.
Juntas há cinco anos, as duas adiaram o sonho da maternidade em razão da pandemia, mas, neste ano, decidiram dar seguimento aos planos. Procuraram uma clínica de fertilização especializada e transferiram o óvulo de Helen (fertilizado com o sêmen de doador anônimo) para o útero da Elisa. Com a confirmação da gravidez, chegaram à conclusão de que ambas querem amamentar.
— Ainda não sabemos como será na prática, mas esperamos que ela sinta que todas suas necessidades são supridas pelas duas mães — afirma.
A lactação induzida é um processo para gerar leite humano em pessoas que não estejam gestando - como casais homoafetivos, mulheres trans e mães que vão adotar. A jornalista Ana Fritsch, 44 anos, se encaixa nesse último grupo. Ao decidir adotar a filha, Alice, hoje com quatro anos, não cultivava expectativa de conseguir amamentar, mas também achou que não seria impossível.
Quando pegou Alice no colo pela primeira vez, a gaúcha logo ofereceu seu peito como gesto de acolhida para a pequena, então recém-nascida.
— Foi muito incrível. Não sei se ela tinha fome, sei que até doeu o meu seio — relata.
Nesse momento, se deu só a sucção - o leite ainda demorou cerca de uma hora e meia para começar a sair. Mas, quando veio, emocionou a nova mãe:
— Eu fiquei muito surpresa, foi muito lindo. O maior milagre que podia ter acontecido.
Como induzir?
Cris Machado, consultora internacional de lactação e dona do perfil @plantao_materno no Instagram, explica que, no início da gestação, o organismo passa por uma série de sequências hormonais que induzem a hipófise, glândula do cérebro, a produzir leite.
— O estímulo é produzido no cérebro, depois que vira leite nas mamas. Então, pessoas que estão induzindo farão um processo que vai mimetizar essa gestação — esclarece.
Os protocolos mais longos, que começam cerca de seis meses antes da chegada do bebê, são os que costumam dar melhor resultado. Nestes, são usados medicamentos hormonais, como pílulas contraceptivas específicas, e galactagogos, que são indutores de prolactina, o hormônio que faz a produção do leite. Tudo, é claro, com acompanhamento médico. Além disso, precisa utilizar bomba de lactação.
Também há meios mais curtos, em que vão entrar só galactagogos e bomba. É possível ainda colocar o bebê direto ao seio e, muitas vezes, complementar o processo de amamentação com fórmula.
A ginecologista e obstetra Clarissa de Andrade Amaral afirma ainda que a sucção, além de estimular a produção de leite através da liberação da prolactina, libera o hormônio ocitocina, responsável pela ejeção do leite. O chamado "hormônio do amor" é estimulado principalmente pelo afeto que se forma no momento da amamentação.
Há diferença no leite?
Na gestação, a placenta libera um hormônio chamado lactogênio placentário, que dá origem ao colostro, o primeiro leite produzido, que não existe na indução de lactação porque, como não há placenta, não há lactogênio placentário. Cris explica que isso não é um prejuízo.
— Sabemos que o colostro é um leite riquíssimo em anticorpos, chamado de vacina natural, mas entre uma lactação em que não haja colostro e a entrada direto de fórmulas, é óbvio que um aleitamento com leite humano vai ser sempre superior — diz a profissional.
Qual a chance de dar certo?
Com os dados científicos existentes sobre o assunto até o momento, os processos de indução à lactação no geral têm tido considerável sucesso.
— Não quer dizer, necessariamente, produção para aleitamento exclusivo por seis meses. Significa produção de alguma quantidade de leite, que pode ser que precise ser complementada — explica Cris.
Para a profissional, a prática torna a amamentação mais democrática.
— Com essas novas possibilidades de lactação, o aleitamento é ampliado para diversas configurações familiares.
*Produção: Luísa Tessuto