- Minha esposa está grávida de gêmeos e eu vou amamentar.
A educadora Marcela Tiboni não perdeu uma oportunidade de dizer a frase acima durante a gestação de Melanie Graille, que carregava os dois filhos do casal. Fosse entre amigos, nas redes sociais ou na fila do pão, anunciar que estava se preparando para produzir leite mesmo sem estar grávida era um jeito de evidenciar a sua condição.
- Todo mundo tratava a Mel como mãe porque a gestação estava no corpo dela. Mas, comigo, ninguém falava. Poder contar sobre o meu processo de amamentação me incluía no diálogo sobre a maternidade - diz Marcela, que recentemente lançou o livro Mama, um relato de maternidade homoafetiva (à venda apenas no site da editora Dita Livros).
A obra foi mais uma forma de elaborar sua maternidade. Marcela observa que também existe uma pressão externa. Do ponto de vista dos outros, é como se “a amamentação validasse a maternidade”, afirma.
O aleitamento materno é um exemplo da genialidade da natureza humana. Um bebê pode se desenvolver adequadamente mamando de forma exclusiva no peito até os seis meses. Mas esse mesmo organismo genial pode ser "enganado".
É a partir da simulação de uma gravidez que começa o processo de indução da lactação em mulheres que não engravidaram. Primeiro elas ingerem hormônios para que o corpo “compreenda, quimicamente, que está gestando”, explica Ana Thais Vargas, ginecologista obstetra de Marcela. A educadora também tomou medicamentos galactogogos, cujo efeito colateral é o aumento de prolactina, hormônio responsável pela produção do leite.
Na sequência, é hora de estimular mecanicamente as mamas. Marcela começou com este protocolo aos cinco meses da gestação de Melanie. Depois de 70 dias, suspendeu os hormônios e iniciou a ordenha das mamas com a bomba.
- Fazia até cinco vezes ao dia, por quase dois meses. Nos primeiros dias, só doía. Mas, em uma semana, saiu uma gota - lembra.
Quando Iolanda e Bernardo nasceram, o freezer da família já tinha meio litro de leite materno congelado. Maravilhada com o resultado, Marcela não deixava de se perguntar se os filhos aceitariam o seu peito. No dia 5 de outubro de 2018, ainda na sala de parto, descobriu que sim.
Iolanda e Bernardo mamaram no seu peito desde o primeiro dia de vida. Como a situação era nova no hospital, foi preciso pedir autorização, o que provocou indignação num primeiro momento.
- Como assim eu não poderia amamentar meus filhos? - Marcela pensou na época.
Logo entendeu que, quando uma mulher amamenta uma criança que não é seu filho biológico, o risco de transmitir doenças é maior. É o que se chama amamentação cruzada, prática contraindicada pela Organização Mundial de Saúde. Para estar apta a alimentar os bebês, Marcela fez exames prescritos para gestantes.
Sobre a sensação de amamentar pela primeira vez, a educadora conta que tinha “curiosidade” de saber como seria ter o leite sugado sem o incômodo da bomba.
Durante toda a gravidez, nem eu mesma me colocava no papel de mãe. E eu também não era o pai. Foi quando coloquei os bebês no peito que senti: agora eu sou mãe!
MARCELA TIBONI
- Foi bonito e, ao mesmo tempo, estranho. A mulher grávida passa por muitas mudanças no seu corpo. Um bebê mamar no seu peito faz parte dessa transformação. Para mim, era diferente. Durante toda a gravidez, nem eu mesma me colocava no papel de mãe. E eu também não era o pai. Foi quando coloquei os bebês no peito que senti: agora eu sou mãe!
Até hoje, com 10 meses, os gêmeos mamam nas duas mães. Como o casal não produz leite suficiente para os dois, é preciso complementar com fórmula infantil. Para evitar a mamadeira - um terceiro bico diferente que poderia causar confusão nos pequenos -, usam o processo da relactação. O líquido é oferecido por meio de uma pequena sonda colocada externamente no peito da mãe para que o bebê abocanhe o seio junto. Assim, pelo movimento de sucção, o mecanismo também ajuda a manter a produção natural do leite.
Mães adotivas
A relactação com a sonda é utilizada também em mães adotivas ou aquelas que queiram retomar a amamentação depois de um período suspenso, por motivo de doença por exemplo. No caso de quem adota, o contexto é diferente da experiência de Marcela. Kely Carvalho, fonoaudióloga e consultora pelo Conselho Internacional de Avaliação de Consultores em Lactação, observa que, sem saber quando o bebê adotivo chegará, a mãe não tem tempo suficiente para realizar todo o protocolo. Além disso, bebês que chegam com mais de oito semanas têm menor chance de amamentar.
O mais comum é, com a chegada do bebê, já partir para a relactação com a sonda, caminho que costuma ser mais longo até a produção natural se estabelecer. Em alguns casos, o médico pode prescrever os medicamentos galactogogos. Kely explica que há diferentes protocolos e nenhum deles garante resultado, seja de produção ou de volume.
A presidente da Associação Gaúcha de Consultoras em Aleitamento Materno, Cristina Machado, esclarece que nem sempre é possível que uma mãe amamente seu filho não-biológico exclusivamente com o leite materno - e que essas mulheres não deveriam se sentir pressionadas.
- Temos que nos perguntar o que é sucesso para uma mãe adotiva? Tirar a fórmula ou poder colocar o bebê no peito mesmo com sonda? Há diversas formas de amamentar. Temos que pensar no aleitamento possível.