Produtividade científica. Duas palavras que acompanham quem decide investir na carreira acadêmica e precisa empilhar artigos em revistas, participações em congressos, mostrar engajamento em grupos de estudo e por aí vai – trabalho que não se restringe às horas em sala de aula ou no laboratório. E quando os filhos chegam, a situação complica: é comum uma queda na produção das cientistas justamente no ano da licença-maternidade, o que torna o currículo menos competitivo.
Foi pensando nisso que um grupo de mães do projeto Parent in Science se mobilizou para transformar a plataforma Lattes em um espaço mais justo – e o pedido foi atendido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
– A queda na produção não é um fator de capacidade, mas de um afastamento natural por um período. Criamos a hashtag #MaternidadenoLattes, estruturamos uma carta e mandamos para o CNPq no ano passado. Tivemos apoio de mais de 30 sociedades científicas. Agora, o conselho acatou a sugestão e prometeu a mudança no currículo para os próximos meses – explica Fernanda Staniscuaski, coordenadora do Parent in Science, professora da UFRGS e mãe de Bruno, seis anos, Samuel, três, e Gabriel, de cinco meses.
Na prática, mães e pais terão um campo específico na plataforma para indicar a data de nascimento e de adoção de filhos – a informação será facultativa e sigilosa, portanto, não estará disponível para quem acessar o currículo on-line. Pâmela Mello Carpes, professora da Unipampa e uma das entusiastas do movimento, explica a importância do dado não ser público e nem obrigatório:
– Há mulheres que acham que pode prejudicar dizer que tem filho, atrapalhar ao buscar uma posição. É uma situação real e preconceituosa, mas acontece mesmo. Por isso o CNPq optou pelo sigilo, só o avaliador da instituição vai saber que ela não foi simplesmente improdutiva, não vai ser prejudicada nas seleções de financiamento ou bolsas. E se, mesmo assim, a pessoa não se sentir à vontade, simplesmente tem a opção de não preencher.
Os dados preliminares da pesquisa realizada pelo Parent in Science apontam que 59% das cientistas entrevistadas perceberam o impacto da maternidade como negativo para a carreira de pesquisadora, e 22% encaram como bastante negativo. Além disso, 51% afirmam que são as únicas responsáveis pelo cuidado da criança, sem ajuda de companheiros ou familiares. Apenas no fim de 2017 entrou em vigor uma lei específica para garantir às cientistas com bolsas de apoio à pesquisa o direito à licença-maternidade sem perda do auxílio financeiro. Avanços muito recentes, destaca a professora Fernanda:
– Foi importante trazer dados para discutir a questão de maternidade e ciência com o grande público. Muita gente dizia que dava, que a licença-maternidade não impactava na produção. Claro que há exceções, há quem tem uma rede de apoio imensa, mas não é o caso da maioria. Foi um marco não dependermos mais de portarias para garantir a licença e termos isso previsto em lei, mas as alunas de graduação, da iniciação científica, ainda não estão contempladas. Há muito o que discutir ainda.
Nos dias 16 e 17 de maio, quem se interessa pelo tema pode ampliar o debate no II Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência, em Porto Alegre, organizado pelo Parent in Science. Haverá palestras, mesas-redondas e um espaço de recreação infantil para mães e pais garantirem a participação no evento com os filhos.
II Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência
- Dias 16 e 17 de maio (quinta e sexta-feira)
- Sala II do Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110), em Porto Alegre
- Inscrições até 30 de abril no site parentinscience.com
Pedimos a opinião das leitoras no Grupo de Mães Donna do Facebook. É importante incluir a licença-maternidade no Lattes? Quais os prós e os contras?
"Tem os dois lados. Positivo, pois vão entender uma eventual lacuna no currículo. Negativo, já que vão pensar duas, três vezes antes de selecionar para bolsa, vaga etc., porque sabem que a mulher tem filho e podem achar que isso vai atrapalhar. Quem é mãe sabe que a rotina muda, principalmente no início, mas que é sim possível continuar pesquisando, escrevendo, produzindo igual ou até melhor que antes, pois os filhos nos dão muita vontade de viver."
Ellara Valentini, 34 anos, advogada, pós-graduada e mestra em Direito, de Canoas
"Acho que será mais uma forma de estigmatizar as pesquisadoras mulheres. Tive minha filha enquanto fazia mestrado e era bolsista CNPq. Na época, não havia licença-maternidade. Para não perder a bolsa, não pude parar de frequentar as aulas. Só faltei a semana que em ela nasceu e tive que fazer trabalho para compensar. Na época, o diretor da pós me aconselhou a desistir. Eu era conhecida como 'a grávida'. Nas entrevistas para a pós era perguntado para as candidatas mulheres se elas pensavam em engravidar e que não era aconselhado. Se a pessoa dissesse que sim, não era chamada."
Clarissa Xavier, 41 anos, doutora em Ciência da Computação, de Porto Alegre
"Como mãe, professora e pesquisadora acho válido, não somente no Lattes como no currículo profissional. Tanto para nós quanto para os pais. Sei de todo o estigma e tabu que há sobre maternidade x mercado de trabalho, porém, se queremos mudança, devemos trazer o assunto à tona e não 'esconder' com medo de possíveis represálias ou menores chances. Acredito que quanto mais 'normalizarmos' a maternidade e a paternidade, maiores as chances de torná-las aceitáveis e presentes no mercado, seja qual for."
Juliana Saboia, 35 anos, professora de Administração e consultora de carreira, de Porto Alegre
"Vejo como fundamental. Passei por três gestações, sendo que em duas delas tinha bolsa de pós-doutorado e não tive licença-maternidade (se desejasse, seria sem remuneração com extensão de prazo). A pressão por concluir no prazo, sendo produtiva e ao mesmo tempo uma mãe presente era um desafio que não sei como superei. E a recolocação quando acabou a bolsa e tinha um bebê de seis meses? Hoje estou empregada, feliz, deixo as crianças com o marido e dou aula todas as noites. Sem um marido parceiro, não conseguiria!"
Camila Bolzan de Campos, 40 anos, psicóloga e professora de Psicologia, de Bento Gonçalves
"Meu currículo Lattes tem um vácuo claro e acentuado no primeiro ano do meu filho, que coincidiu com o final da minha tese. Acho justo e correto inserir o dado sobre a licença-maternidade que realmente usufruí e me permitiu dedicação total a ele por quatro meses. Ser "taxada" como pesquisadora e mãe, para mim é positivo, e quem for atento verá que minha produtividade aumentou após o primeiro ano dele. Aquela lógica que as mães conhecem: otimizar o tempo, priorizar o que é importante. Enfim, eu incluirei a informação sobre a licença maternidade no meu currículo, porque vejo como mais uma forma de visibilizar que mulheres-mães também produzem."
Daniela Schmitz, 39 anos, professora universitária, de Porto Alegre