Larissa Roso
Mariana* estava em uma universidade de Porto Alegre onde busca, regularmente, dois serviços ofertados à comunidade. Pela primeira vez, tivera de levar junto a filha, de cinco meses, que dormia no sling. As reações que percebeu a sua volta a impressionaram.
“Me parece que as pessoas abominam bebês em um ambiente de faculdade. Para minha surpresa, as pessoas faziam cara de nojo para mim o tempo todo!”, desabafou Mariana em uma postagem no Grupo de Mães Donna, no Facebook.
A certa altura do total de quatro horas em que teve de permanecer no campus, a mãe de 33 anos precisou trocar as fraldas do bebê. Entrou em mais de um banheiro – percebeu a acessibilidade para cadeirantes, a sinalização de piso para cegos, mas nada de fraldários. Não quis improvisar um trocador no balcão de uma pia com medo de que a menina batesse a cabeça na superfície dura. Acabou por se acomodar em um canto no gramado, embaixo de uma árvore.
“É um espaço público ou não? Eu estava lá para receber um serviço que é aberto à comunidade em geral e me senti muito mal”, escreveu Mariana, que interrompeu a faculdade quando engravidou.
– Se fosse um dia de chuva, não sei como faria – disse ela em entrevista a Donna. – É um machismo da sociedade inteira. Você vai a vários lugares e não tem trocador. A mulher tem que ficar presa dentro de casa?
Mulheres que conciliam a maternidade com a rotina acadêmica – e, em boa parte das vezes, também com a atividade profissional – se identificaram com a postagem e também relataram suas experiências na rede social. A porto-alegrense Ana Carolina Figueiredo Kersch, 34 anos, relembrou um episódio da época da graduação em Direito em uma instituição de Santa Catarina. “Infelizmente eu já fui convidada a me retirar da sala por estar com uma criança de colo... As faculdades dificultam bastante o acesso. Os professores, a própria instituição de ensino e muitos alunos fazem questão de dificultar, excluir as mães de várias maneiras”, relatou.
No episódio em questão, Ana Carolina conta que a filha, então com dois meses, “conversava”, emitindo sons, durante a explicação de uma professora. A docente solicitou que a estudante se retirasse, pois não estava conseguindo se concentrar na apresentação da matéria devido ao barulho. Envergonhada e não querendo tumultuar o andamento da disciplina, a universitária saiu, observada por toda a turma. A professora, recorda a aluna, também parecia estar se sentindo desconfortável com a situação. Ao final do período, Ana Carolina a procurou:
– Trago minha filha para a aula não porque eu quero. Se pudesse, ela estaria com alguém de confiança. Trago porque preciso.
A professora argumentou que a presença do bebê estava prejudicando a aula. Raiva foi outro dos sentimentos experimentados pela jovem na época.
– Eu pagava por um serviço e tive de passar por esse tipo de constrangimento. A gente estava tendo uma aula de Direito, e eu, tendo os meus direitos violados – avalia.
Ana Carolina reclamou da conduta da professora junto à secretaria do curso. Nunca obteve retorno. Percebeu que, após o episódio, a professora passou a se esquivar do contato direto com ela. Quando podia evitar ter de sair com a filha rumo à faculdade, a mãe não a levava, mas a menina teve de permanecer nas aulas em diversas outras vezes. A aluna escolhia os assentos ao fundo, próximos à porta, tentando não atrapalhar e garantindo que seria possível sair com rapidez caso a menina chorasse.
Ao retornar da licença-maternidade, Ana Carolina conversou com os colegas, informando que, eventualmente, precisaria levar a filha para o curso. Em princípio, parecia ter havido compreensão. Mas alguns alunos – mulheres, em sua maioria – também começaram a reclamar da criança e pediam silêncio. Tratava-se de uma turma de pessoas mais velhas, relembra Ana Carolina, que incluía muitas mães e avós. A estudante viu seu desempenho prejudicado. Era uma aluna entre boa e ótima antes da gestação, e seu histórico comprova que se tornou apenas mediana depois da chegada do bebê.
– Entendo que não é um ambiente para criança. Cada vez mais, fala-se em inclusão, mas a gente tem que incluir também a mãe. Tem muitas mães que são sozinhas e não têm uma rede de apoio – constata a hoje advogada, que decidiu concluir a formação no Rio Grande do Sul depois de se separar do marido.
Professora e pesquisadora dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia da Unisinos, Tagma Donelli destaca que as mulheres são muito cobradas em relação à maternidade. Quando se tornam mães, as pressões não diminuem: “Não vai terminar a faculdade?”, “Já voltou para o trabalho?”, “E o doutorado?”.
– É uma cobrança múltipla. A maternidade é vista como se atrapalhasse a vida da mulher, que muitas vezes se vê obrigada a escolher. Deveríamos combater isso. Ela deveria poder conciliar as atividades. Quando se torna mãe, já vem a cobrança de voltar a ser quem ela era antes. Ter um filho transforma as pessoas. Não dá para ser quem você era antes de ter filho. E a sociedade cobra muito isso – avalia Tagma.
Quando o bebê ainda é muito pequeno, período em que necessita de vigilância constante e alimentação a intervalos curtos de tempo, é comum ouvir pelos corredores, exemplifica a professora, comentários do tipo “Ai, que horror, por que não deixa em casa?”. Ela julga fundamental que haja empatia e sensibilidade por parte de quem está no entorno das mães:
– Que se coloquem não só no lugar da colega, mas do bebê. Naquele momento, ele precisa estar perto dela.
Como docente, Tagma passou por diversas situações em que teve “convidados” em suas salas de aula. Ela costuma não ignorar a presença da criança – pelo contrário, valoriza-a – e a apresenta para o grupo: “Olha, pessoal, hoje temos visita!”. No caso dos filhos que já conseguem interagir, ela tenta incluí-los na conversa: “Veio conhecer a escola da mamãe?”. Apesar de pedir que as alunas fiquem à vontade, a professora percebe que elas têm dificuldade para relaxar, geralmente escolhendo um lugar no fundo e pedindo para o filho ficar calado.
– Elas já esperam encontrar um ambiente hostil – observa Tagma.
Durante a divulgação de um curso de extensão sobre psicologia do desenvolvimento infantil, no inverno, uma ex-aluna comentou que não poderia comparecer por ter de cuidar do filho. Tagma consultou a administração da universidade e, depois do ok, passou a pensar em como receber o pequeno nas dependências do campus. A sala reservada para a atividade seria ao lado de uma sala livre, para brincadeiras e troca de fraldas. O curso acabou não saindo, mas já ficou combinado que os próximos programas contarão com essa oferta.
Tagma destaca que, apesar da infância ser valorizada em nossa sociedade – ocupando um posto muito diferente do que teve em outras épocas, quando era quase invisível –, ainda há separações bem marcadas: espaço para adultos, espaço para crianças.
– A criança tem necessidades diferentes do adulto e condições diferentes para lidar com o meio onde está. Não espero que uma criança de dois dias frequente o mesmo ambiente dos adultos. Tem que respeitá-la de acordo com sua faixa etária. Mas a exclusão de alguns ambientes onde ela poderia circular se dá pela nossa dificuldade enquanto adultos de olhar para a criança como criança. Olhamos para a criança com olhos de adulto. Se conseguíssemos entendê-la melhor, ela também teria ambientes mais inclusivos. O adulto hoje está pouco disponível. A vida moderna é uma correria, é preocupação, é trabalho, e tudo isso exclui as crianças – afirma a pesquisadora.
Mãe de duas meninas, de seis anos e meio e cinco anos, Mirian Hausmann, 27 anos, procurou saber, no começo do semestre, se poderia levar as filhas à faculdade nos sábados em que haveria aulas do curso de Gestão em Saúde na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Ficou receosa com uma eventual resposta negativa da coordenação, mas logo veio o sinal verde. A estudante ainda não usufruiu do benefício, mas acredita que, se houver um ambiente adequado para as crianças passarem o tempo, ela as levará à universidade em algum momento.
Mirian é integrante de um grupo que está fazendo um levantamento do número de mães e pais matriculados na instituição para reivindicar trocadores nos banheiros, espaço lúdico e local para amamentação, entre outras demandas.
– Tive uma colega que amamentava e não tinha um lugar para ficar com o filho. Nos revezávamos para ficar com o nenê no colo para ela prestar atenção na aula. Ele era o nosso mascotinho – recorda Mirian. – Nossa universidade tem alunos bem jovens. Os professores acabam construindo um ideal de aluno e, quando deparam com o diferente, com o aluno que precisa trazer (o filho para a aula), não sabem como lidar com a situação.
A primeira reação é dizer que universidade não é local de criança.
*O nome foi trocado a pedido da entrevistada.
O acolhimento nas universidades
Duas das maiores universidades do Estado foram consultadas sobre as instalações de seus campi (existência de trocador ou fraldário e algum espaço específico para mães e bebês) e se alunas e alunos têm permissão para levar seus filhos às aulas quando necessário.
A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) informou em nota que planeja instalar, em 2019, banheiros com trocadores, que poderão ser usados por estudantes e famílias que frequentam o campus. A instituição não dispõe de local específico para o aleitamento, mas estuda a possibilidade da implantação de um e salienta que não é necessário que as alunas peçam autorização para amamentar em sala de aula, ainda que oriente que as estudantes procurem a coordenação do curso para um melhor acolhimento da mãe e do bebê. Quanto aos filhos que precisam acompanhar os pais em atividades nas faculdades, “a universidade trata o tema caso a caso, pois sabe que existem exceções. A presença de crianças em sala de aula não é proibida, apenas é preciso respeitar o andamento da aula, em consideração aos outros alunos”.
No momento, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) não dispõe de trocadores nem fraldários. Para auxiliar os estudantes com filhos, a entidade mantém a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis. Um dos benefícios oferecidos é o auxílio-creche, que consiste no pagamento mensal de R$ 250 por filho. Atualmente, segundo a assessoria de imprensa da UFRGS, 160 estudantes (responsáveis por um total de 181 crianças) recebem esse valor. Há ainda a oferta de serviços como auxílio-saúde e auxílio-transporte. Quanto à necessidade de levar crianças para a sala de aula, a universidade garante promover o acolhimento integral de mães, pais e filhos.
Datada de abril de 1975, a lei 6.202 prevê que, a partir do oitavo mês de gestação e ao longo de três meses, a gestante possa receber o conteúdo das disciplinas em casa. Em situações excepcionais, conforme o texto, esse período de repouso poderá ser estendido, antes e depois do parto, mediante apresentação de atestado médico à direção da escola que a mãe frequenta. A lei também assegura o direito à prestação dos exames finais.
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