No calendário da televisão brasileira, janeiro é mês de estreia do Big Brother Brasil. Mesmo que você não seja fã do reality show da Globo – com estreia da nova temporada prevista para o dia 25 na RBS TV – deve saber que a última edição quebrou recordes de audiência, foi marcada pela união feminina e por levantar debates sobre igualdade de gênero e racismo. E o discurso de algumas participantes foi tão potente que segue reverberando até hoje, como é caso da ginecologista e obstetra Marcela Mc Gowan.
Ela não venceu a disputa – quem levou o prêmio foi outra médica, Thelma Assis –, mas se destacou ao promover a parceria feminina e ao propor um papo franco sobre sexualidade. A paulista de 32 anos ainda abriu o jogo sobre sua relação de altos e baixos com a autoestima e suas inseguranças com o corpo. Um ano depois da exibição do programa, ela continua compartilhando suas reflexões e seus projetos para os 6 milhões de seguidores no Instagram. Deixou a medicina de lado, por ora, para se dedicar à comunicação: estreou duas temporadas do programa Prazer, Feminino, disponível no YouTube do GNT, comanda o podcast Ponto M e faz sucesso com seus posts sem filtro no projeto Segunda da Autoestima.
– A exposição (no BBB) foi libertadora, não tenho mais o que esconder – afirma Marcela.
A seguir, você confere um bate-papo com a médica que ainda revelou uma novidade para 2021: vai lançar seu primeiro livro.
A última edição do BBB ficou marcada pela união feminina em torno de alguns temas, como o machismo. As mulheres precisam se unir e agir cada vez mais em redes de apoio?
A união é imprescindível. Um dos grandes problemas que enfrentamos é que fomos convencidas de que todas nós somos rivais. Isso nos afasta. Estando longe, não conseguimos nos apoiar por algo maior. Muitas vezes, perdemos mais tempo achando picuinha entre nós do que olhando para o que importa. Não quer dizer que vamos nos dar bem com todas as mulheres, que nunca teremos problemas. Quer dizer que, em linhas gerais, quanto mais unidas conseguirmos ficar, melhor para nós.
No reality, você falou muito sobre autoestima, autoimagem e sexualidade. Fora da casa, se consolidou como uma influenciadora que aborda esses temas. A mulher precisa amar seu corpo para ter mais prazer?
A sexualidade acaba esbarrando muito na autoestima e na autoimagem das mulheres. Isso porque aprendemos a atrelar o direito ao prazer e à sexualidade com isso. É algo que vemos ao longo a história, através da mídia, da publicidade. O medo do corpo, a insegurança da imagem, isso acaba atrapalhando muito. Para relaxar e ter prazer, desfrutar da vida sexual, a mulher precisa estar presente ali. Se você estiver com a cabeça na imagem corporal, vai estar encanada com uma das milhares de coisas que nos ensinaram a nos encanar. O que vai resolver é a informação. Sempre indico ler sobre o tema e recomendo O Mito da Beleza (de Naomi Wolf). E indico muito o que eu chamo de "unfollow e follow terapêutico". É seguir nas redes sociais pessoas que tragam a mensagem que você quer. Isso me ajudou muito. É um processo consciente, contínuo. Ninguém está pronta e novas questões vão surgindo. Despertar e estar mais consciente é doloroso no início, porque você tem a consciência do que passa e das opressões, mas é muito libertador no sentido de tomar as rédeas da sua vida.
A visibilidade que ganhou após o reality ajudou você a lidar com as inseguranças com relação ao corpo?
Ajudou muito nesse processo. No começo, foi difícil. Quando soube que tinha chances de ir, entrei numa noia. A referência de BBB que eu tinha era das mulheres gostosas, um corpo padrão. Achei que podia me sentir mal com meu corpo. Depois, quando estava lá dentro, nem pensei nisso. Quando sai, me toquei e pensei: já foi. Tinha muita vontade de me libertar disso e, antes do BBB, estava nesse processo, mas ainda tinha muitas questões com as fotos que postava. Só postava se estivesse assim, assado, com tal efeito. Não queria mais viver assim. Ia viver com medo de ser fotografada na praia e ser totalmente diferente do que no Instagram, ia ter que lidar com essa mentira que conto para mim. O BBB me ajudou nesse sentido.
O BBB 20 será lembrado como uma edição que levantou debates, por exemplo, sobre a igualdade de gênero. Como você se vê no meio dessa discussão e como voz ativa?
Ter a oportunidade de fazer com que outras pessoas escutem o que acho importante é um presente. Hoje em dia, quem tem grande influência e não a utiliza para informar, ajudar outras pessoas, as mulheres no meu caso, porque é algo importante para mim, não está influenciando direito. Podemos falar de coisas mais rasas, de foto bonita, mas temos o dever de usar nosso espaço para comunicar coisas importantes. E isso aconteceu no BBB, na última edição. Foi a primeira vez que chegaram na casa de muitas pessoas alguns assuntos que, talvez, elas não tivessem acesso de outra forma. É muito importante usar essa visibilidade para falar do que realmente importa.
O seu projeto Segunda da Autoestima, no Instagram, faz sucesso entre as seguidoras. O público quer se conectar cada vez mais com mulheres reais?
Quando somos jogados na mídia, a tendência é querer entrar nos padrões do que as pessoas esperam ver. Mas eu pensava: as pessoas me viram lá no BBB, de biquíni, é injusto com elas e comigo ficar postando apenas imagens que não representam a minha realidade. Podemos ficar hiperpadrão numa foto, dependendo dos recursos que se usa, mas não é a realidade o tempo todo. A ideia da Segunda da Autoestima era fazer um mês de fotos, mas sem filtro ou sem pose. E rolou muito, já na primeira vez a galera se identificou demais. Acho que dá um certo alívio estar em casa e ver uma outra pessoa ali assim. A gente pensa: poxa, isso é normal, meu corpo é real e normal, temos corpos diversos.
Você acredita que o prazer feminino ainda é tabu?
Hoje, falamos de sexo, temos mais liberdade, mas ainda é de forma superficial. É muito no registro da performance, principalmente os homens. O foco não é nas sutilezas que envolvem o sexo e a sexualidade em geral: discutir as vulnerabilidades, as dificuldades, falar de prazer feminino. As mulheres são impedidas de falar, não diretamente hoje, mas foram silenciadas durante muito tempo. Falar disso soava errado, que elas eram menos merecedoras de respeito. Ainda falamos pouco do prazer das mulheres, pouco do que todo mundo pensa e ninguém quer falar.
Pensando na saúde da mulher, a ideia de um atendimento mais humanizado tem ganhado força. Como ginecologista, você entende que precisamos falar mais sobre isso?
Entendo a medicina hoje como um processo que engloba o ser humano como um todo. E é um processo compartilhado, não é o médico que sabe tudo e eu obedeço. Precisa ser mais horizontal, as decisões ficam claras para os dois, as pessoas têm acesso à informação para decidir sobre suas vidas. A humanização nada mais é do que dar protagonismo para o paciente, tirar apenas da mão do médico. Na verdade, é dar um passo para trás. Ninguém é contra a tecnologia, não é isso. Sou contra o uso de forma indiscriminada. A cesárea é vista como a coisa mais banal do mundo, e o parto normal como uma coisa bizarra da humanidade. Isso não faz sentido. A pessoa engloba o estado físico, emocional e psíquico, não é só um diagnóstico. E ela tem vontade e capacidade de tomar decisões por ela.
A ginecologia natural vem nessa mesma batida? De olhar a mulher de forma integral?
Não somos só um diagnóstico, não posso ver uma pessoa que tem apenas candidíase de repetição. Não é experimentar todas as pomadas do mundo nela até achar algo que funcione. O que isso quer dizer? Ela se alimenta mal? Tem um fundo emocional? O corpo dela está dando um sinal de algo crônico. Já cansei de atender casos assim. As pessoas trazem as embalagens de tudo o que usaram e nada funciona. Em uma conversa que nem precisa ser muito longa, você já descobre um monte de questões físicas e emocionais, de relacionamento. Também precisamos ter um olhar menos dominador do corpo feminino. Não é o médico que "sabe tudo" que vai saber o que é melhor para mim. O médico é um lugar para tirar dúvidas. Claro, temos rotinas de prevenção, coisas importantes, mas a questão é estar menos dependente do outro sobre a nossa saúde. A ginecologia natural devolve a autonomia para as mulheres.
Você defende a necessidade de falar de diversidade na classe médica. É preciso ampliar esse debate?
Onde colocamos a diversidade, temos um atendimento mais honesto e correto. Você ter vivido a situação é muito diferente. Claro, podemos ter empatia, mas um médico do universo LGBT é diferente. Se tem uma médica lésbica, por exemplo, ela tem as vivências no corpo dela, ela já deve ter sido tratada de uma maneira de que não gostou e isso vai ser refletido no atendimento. A diversidade engrandece em qualquer área da vida, traz olhares diferentes, e isso é abranger todas as realidades. No meio médico, isso é muito importante.
Planeja voltar a atuar como médica?
Desde que saí do BBB, não voltei para atendimento de consultório. Estou focada na área de comunicação. Morro de vontade de voltar a atender, mas acho que é um projeto mais para o meio do ano. Preciso entender como ficaremos como mundo. Amo a parte de comunicação, minha vida já se resumia muito a palestras, a cursos, antes do BBB. Estava trilhando esse caminho e estou muito feliz.
E vem novidades em 2021?
Pretendo manter meu foco na comunicação mesmo. Informações que consigo passar em um consultório atinge menos pessoas do que quando comunico na mídia ou em outros lugares. Então, isso me faz feliz, acho que não conseguirei ficar distante. Estou com o podcast (Ponto M), com o programa do GNT (Prazer, Feminino) e escrevendo um livro. O livro está no início, é o maior desafio para mim. Eu não tinha noção da dificuldade de comunicar através da escrita, um processo complexo. Em 2021, devemos tê-lo em mãos. Vai ser sobre a sexualidade, do ponto de vista da saúde da mulher, autoimagem, essas questões.