Diagrama da Mandala Lunar
Ane Meira Mancio, especial
Você sabe quantos dias tem seu ciclo menstrual? Percebe exatamente como seu corpo reage a cada fase? Se você ficou na dúvida, talvez esteja na hora de se conhecer melhor. É o que recomenda a Ginecologia Natural, movimento que ganha força no país, combinando autoconhecimento e tratamentos naturais.
A Ginecologia Natural se propõe a ensinar as mulheres a se observarem, tanto física quanto emocionalmente, para que aprendam a se cuidarem sozinhas, dispensando consultas ginecológicas em excesso e medicamentos convencionais. Para isso, apostam no emprego das ervas medicinais e nos ensinamentos antigos de cura. Lembra daquela receita de banho de assento ou de um chá da avó para acalmar os sintomas do que elas chamavam de “incômodos mensais”?
O movimento quer pacificar a relação da mulher com o seu corpo ao mostrar que o ciclo menstrual e os fluidos são necessários e fazem parte da essência feminina. Essa compreensão só seria alcançada com o olhar atento sobre o corpo: tocá-lo, senti-lo. E, o mais importante, sempre trocando impressões e experiências com outras mulheres.
– É uma demanda que as mulheres estão sentindo de largar anticoncepcionais, resgatar conhecimentos sobre o autocuidado e a saúde natural. A ideia é retomar o conhecimento do corpo, da fertilidade, da sexualidade – diz a antropóloga Naíla Andrade, que, na Capital, junto com as amigas Ieve Holthausen e Victoria Campello, criou a Mandala Lunar, uma agenda para anotações com um diagrama.
Ao preencher esse diagrama, a mulher consegue relacionar percepções físicas e sensoriais com o ciclo menstrual e com os ciclos da Lua. A primeira edição, em 2016, era um calendário de parede.
– Fizemos uma impressão bem pequena, pensando em pessoas próximas, nos círculos de estudos de que participávamos, mas ele se espalhou rapidamente pelo país, e a gente abriu as vendas online – conta Naíla.
A edição de 2018 – com tiragem esgotada e aguardando reimpressão – é um diário robusto que, além da mandala, traz imagens e textos sobre as fases da Lua e suas influências sobre a Terra e o corpo feminino com conteúdos voltados às mulheres. Com a mesma intenção de difundir o autocuidado, na Bahia surgiu o Manual de Ginecologia Natural e Autônoma, um guia gratuito para download concebido a oito mãos pela relações-públicas e terapeuta holística Jaqueline de Almeida em parceria com as educadoras Maíra Coelho e Laís Souza e com a ilustradora Luma Flôres. Após se conhecerem em uma oficina sobre o assunto, Laís apresentou às colegas uma agenda artesanal em que acompanhava seu ciclo. Dela, nasceu a intenção de fazer algo que pudesse ser compartilhado com mais pessoas.
– Fomos vendo a necessidade de incluir outras informações, como atentar para o ciclo lunar, coletores menstruais, métodos de percepção da fertilidade, uso de plantas e alimentos, autoexame ginecológico, além de textos pessoais sobre nossos processos. Disponibilizamos a versão digital para as mulheres urbanas, mas pensamos também em viabilizar uma versão impressa para mulheres indígenas, quilombolas, nas comunidades e em assentamentos – projeta Jaqueline.
Após seu lançamento, as autoras divulgaram o link para download do manual nos seus perfis (um dos posts registra mais de 10 mil compartilhamentos). A repercussão foi imediata:
– Não imaginávamos que teria uma visibilidade tão grande, pensamos talvez em atingir só mulheres de Salvador ou da Bahia. Gente de fora do país entrou em contato pedindo autorização para traduzi-lo para espanhol, francês e alemão. A gente só pensa que massa que ganhou o mundo. Tem sido gratificante, só por ter se espalhado tanto de uma maneira tão bonita – garante.
O guia está disponível online para download, porém no momento passa por revisão para correções antes de uma versão definitiva para impressão.
O movimento também busca encorajar as mulheres a superar tabus para encarar e explorar a própria anatomia e suas secreções. Naíla, que também administra no Facebook o grupo Ginecologia Natural, com mais de 15 mil adeptas, destaca que, para superar essas barreiras, “é preciso informação, acesso ao conhecimento, uma mudança de padrões que inclui a união entre mulheres”.
Instrutora de yoga e fotógrafa de partos em Lajeado, Caroline Leipnitz começou a se interessar pelo assunto há cerca de três anos quando adotou o uso do coletor menstrual (copo de silicone medicinal reutilizável que substitui o uso de absorventes):
– Ele me fez ter contato com o meu sangue, me trouxe um processo de “me ver”. Acho que o coletor nos liberta de algumas crenças que a gente tem. Dali, comecei a me conectar com grupos pelas redes sociais, fiz cursos – destaca.
Embora hoje não use mais o diagrama, Caroline afirma que aprendeu a estar atenta ao seu ciclo menstrual:
– Entendo quando estou no meu período fértil, quando vou menstruar. Faço um processo de conexão relacionado com a minha menstruação. Muitas vezes, se sinto necessidade, faço um banho de assento com alguma erva como a camomila ou com um óleo essencial, visualizo minha vagina com espelho, vejo como eu estou – diz a fotógrafa.
No Rio de Janeiro, a ginecologista Bel Saíde, médica pioneira no atendimento a pacientes que procuram um olhar holístico para a saúde da mulher, aliou a sua experiência de 11 anos na medicina convencional com as práticas da Ginecologia Natural.
– Eu também a vejo como um movimento político, não tenho medo de classificá-la como feminista. Está dentro desse contexto da emancipação, do empoderamento da mulher sobre o próprio corpo, que vem junto com lutas como o direito a parir, a abortar, às suas liberdades individuais e sexuais e à autonomia sobre si. Não é só sobre prescrever banho de assento no lugar de creme vaginal – afirma a médica que publicou em 2017 o e-book Ginecologia Sem Hormônios.
Por os tratamentos se apoiarem em terapias alternativas, a Ginecologia Natural – que não é uma especialidade médica regulamentada nem uma subespecialidade reconhecida da ginecologia – é observada com desconfiança por parte da classe médica tradicional. Bel traça um paralelo com a humanização do parto:
– É um movimento que tende a receber muitos ataques, porque vai contra o sistema, fala contra as práticas convencionais. Hoje em dia, o movimento de humanização do parto já é respeitado, embora ainda sofra ataques. Se o SUS um dia vai adotar a Ginecologia Natural? Espero que sim! Que chegue não só a fitoterapia (tratamentos com plantas medicinais), mas também esse olhar integrativo, esse olhar para as emoções, esse olhar para o ser – enfatiza Bel.
Membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Técia Maria de Oliveira Maranhão concorda que o autoconhecimento é benéfico, porém faz restrições ao uso das ervas medicinais:
– Temos uma deficiência de educação para a saúde das mulheres muito acentuada neste país. De uma maneira geral, elas são despreparadas. O ideal é que tivéssemos mulheres mais esclarecidas para usar qualquer medicamento. Mas, para usar outras substâncias que não sejam industrializadas, é preciso saber exatamente os componentes, como eles atuam no organismo, a farmacodinâmica - ressalta, apontando possíveis riscos para o uso irrestrito das ervas.
Técia também recomenda cuidado com o autoexame, mas observa com simpatia o compartilhamento de informações entre as mulheres:
– Ela vai aprender a colocar o espéculo e olhar o colo do útero, mas vai saber interpretar? Será que ela não vai provocar algum machucado? É preciso ter seriedade nessa questão. Agora, sem a educação necessária nós não vamos a lugar nenhum. Precisamos ter uma mulher melhor preparada para se entender e acompanhar o progresso.
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