“Oi, meu nome é Daiana, e por muitos anos me senti insuficiente, inadequada e fracassada”. Com uma dose extra de sinceridade, a jornalista gaúcha Daiana Garbin começa assim seu novo livro, A Vida Perfeita Não Existe (160 páginas, R$ 39,90), que acaba de ser lançado pela editora Sextante. É mais um capítulo da jornada de autoconhecimento que a escritora compartilha para ajudar outras mulheres a lidarem melhor com suas vulnerabilidades – que vão desde as conhecidas brigas com o espelho até a sensação de que jamais serão felizes ou boas o suficiente. A tal eterna incompletude.
Há cerca de quatro anos, Daiana largou a carreira como repórter de TV para dividir seu processo de cura no canal do YouTube Eu Vejo. Com o livro de estreia, Fazendo as Pazes com o Corpo (2017), ganhou projeção nacional ao abrir o coração sobre as mais de duas décadas convivendo com distúrbios alimentares. Como tantas, não se achava bonita – chegou a se endividar com cirurgias plásticas na busca pelo corpo perfeito. Hoje, entende que a perfeição não é um objetivo saudável para a silhueta e nem para a vida.
Agora, mergulha nas próprias incertezas e angústias – e também nos relatos de mais de três mil leitores que compartilharam suas histórias com ela – para discutir a incessante corrida pela felicidade idealizada. Afinal, dá para ser feliz o tempo todo? Daiana entrega: mesmo com a carreira a mil, um livro best-seller no currículo, um casamento duradouro com o apresentador Tiago Leifert e, mais recentemente, a espera do nascimento da primeira filha, Lua, não se sente completa o tempo todo:
– Nunca estaremos plenas, completas, sem medo ou inseguranças. A sensação de plenitude não existe. Enquanto estivermos vivas, estamos em construção, em transformação. Estamos mudando – afirma, em entrevista por telefone com Donna. – Não existe essa vida perfeita que a gente almeja.
Ela admite: vez ou outra, ainda se cobra muito. E são esses aprendizados, que começam com um olhar mais afetuoso para si mesma, que compartilha no papo a seguir.
Seu segundo livro nasceu a partir dos depoimentos de leitores e de entrevistas com especialistas. Como foi o processo?
Comecei a receber depoimentos em que as pessoas falavam de um ódio ao próprio corpo, de uma relação de rejeição com a autoimagem. Essa dor falava da sensação de inadequação, de vergonha de ser quem é. Comecei a perceber que essas sensações eram presentes em quase todos os depoimentos. Quando a gente adoece com a imagem corporal, com a relação com a comida, pensamos que nosso corpo é o problema. Que, se tivéssemos outra imagem corporal, não teríamos dores. A verdade é que a dor principal não é essa, e passa pelos sentimentos que abordo no livro. O que mais me gerava vergonha é o sentimento de inveja, por isso começo com ele.
Você fala sobre o seu próprio caso: mesmo com a carreira em alta, ainda se apegava aos “fracassos”. Como foi olhar para si mesma e entender isso?
Foi um processo longo de autoconhecimento e de criar intimidade com dores, fantasmas, desejos e sensação de vazio. Quando a gente baseia a vida em um modo odioso, que é o que eu fazia, fica muito difícil e dolorosa. Você baseia a sua felicidade em tudo o que não tem e tudo o que não é. Desqualifica a si mesma todos os dias. É o que os especialistas chamam de empobrecimento do eu. Normalmente, é o caminho para vários adoecimentos emocionais: depressão, transtorno de ansiedade e até transtornos alimentares. Fiz quatro anos de tratamento, mas sigo na análise. Agora que vou me tornar mãe, apareceram outros medos, que nunca senti antes. Nunca estaremos plenas, completas. A sensação de plenitude não existe para nós. Só é pleno aquilo que está acabado. Enquanto estivermos vivas, estamos em transformação.
Não acredito que exista a pessoa perfeita, a mãe perfeita e muito menos a vida perfeita
DAIANA GARBIN
JORNALISTA E ESCRITORA
Você fala sobre a eterna busca por estarmos completas para sermos felizes. Como ficar bem enquanto os pedacinhos estão sendo encontrados?
A gente aprende a ser mais feliz quando entendemos que a vida é feita de episódios de felicidade. Nossa vida é neutra na maior parte do tempo. Não temos grandes alegrias ou tristezas na maioria dos dias. Altos e baixos fazem parte de uma vida feliz. Mas a gente pensa que vai encontrar uma felicidade esfuziante que não temos hoje.
Você fala sobre como contar sua história ajudou a aliviar seus medos. Como foi abrir o coração?
Quando lancei o livro, recebi muitos xingamentos. Mas precisei entender que as ofensas falam do que a pessoa está sentindo. Talvez tenha uma dor muito parecida, e está impossibilitada de olhar para aquilo, então alivia me ofendendo. Foi isso que aprendi trabalhando com internet: as pessoas são agressivas porque estão expressando nada mais do que o ódio a si mesmas. Uma pessoa que está de bem com a própria vida e se sente confortável sendo quem é não precisa agredir ninguém. Mas tem a parte maravilhosa que é receber os relatos, as mensagens de apoio e o mais bonito para mim: quando alguém diz que, por causa do meu livro, percebeu que estava doente e procurou ajuda.
Você se identifica com o conceito do body neutrality?
Gosto porque quando a gente está presa na imagem corporal, na sensação de “sou obrigada a amar a forma do meu corpo”, continuamos presas a este corpo. Ele é uma parte da sua identidade e você pode ser feliz e livre mesmo não gostando dele. Talvez nunca goste de determinadas partes do seu corpo, mas é o nosso instrumento para a vida. Não tem que ser bonito apenas, porque não é um enfeite. Enquanto resumirmos o nosso corpo a uma imagem que precisa ser bonita, vamos permanecer em sofrimento.
Você fala sobre o desejo de ser amada, que atinge muito as mulheres.
Mudei um pouco a minha opinião, sabe? Acho que os homens sofrem igualmente. O desejo de ser amado, de se sentir acolhido e amparado é do ser humano. O que mais queremos é que alguém nos olhe, nos valorize, nos reconheça. Junto com isso, vem o desejo de ser reconhecido e admirado. Grande parte do nosso sofrimento vem quando você não se sente assim. Você acaba se submetendo a relacionamentos abusivos ou que não são saudáveis na ânsia de preencher isso. Homens e mulheres têm sofrimentos diferentes, mas que estão presentes da mesma forma. Não há como ser feliz em um relacionamento se você não gosta de si mesma. Vai continuar trocando de parceiro e buscando que o outro diga qual o seu valor. Isso é muito doloroso. É a gente que tem que aprender nosso valor.
Na pandemia, muitas mulheres estão reavaliando questões estéticas. Você acha que será um legado?
A pandemia vai contribuir para que a gente possa aprender a ter mais paciência com nós mesmas, autocompaixão, empatia com todo mundo. Estamos entrando em contato com dores com as quais não estávamos acostumadas. Isso pode ser uma grande fonte de sofrimento ou de aprendizado. Estamos vivendo um momento de autoconhecimento, de olhar para o nosso vazio, para tudo aquilo que a gente dava um jeitinho de escapar, inclusive nas relações familiares e de casais.
Mas, por outro lado, muitas se culpam por ter engordado.
É a primeira vez que enfrentamos uma pandemia. É natural que, muitas vezes, por ansiedade ou medo, a gente coma mais. Precisamos aprender a ter mais autocompaixão. É até natural que algumas pessoas estejam descontando a insegurança na comida. Comer é uma válvula de escape para muitas dores, e não seria diferente agora. Não é a hora de tantas autocobranças, inclusive com o corpo. Quando a pandemia começou, pensávamos em ler um livro por semana, fazer os cursos de Harvard que são de graça, aprender francês, assistir a documentários… E ficamos tão angustiadas que não fizemos nada disso. Essa cobrança excessiva com produtividade na quarentena, com fazer dieta ou manter o corpo x ou y, tem o efeito contrário: você fica mais ansiosa. Buscamos anestésicos, e muitas vezes a comida faz esse papel.
Em um dos vídeos do canal, você fala sobre as diferenças entre o que estamos sentindo e o que é postado nas redes. Como lida com isso?
Sou uma pessoa crítica às redes sociais. Acredito que a gente precisa usar menos. Tem um lado maravilhoso da conexão, de dividir vulnerabilidades, de conseguir informação. Mas há um lado negativo, que é a cultura do narcisismo e do espetáculo. E isso nos aprisiona na necessidade de expor a nossa vida para que o outro me diga que estou feliz. E se preciso que alguém me diga que estou feliz, é porque não estou de fato (risos). Aprendi que precisava usar as redes cada vez menos, só Instagram e YouTube para o trabalho. Mostro pouquíssimo minha vida pessoal, e as pessoas cobram: “posta foto da barriga, do quartinho”. Não vou postar, porque são momentos tão meus, tão íntimos, que quero curtir.
A maternidade romantizada está em xeque. Como você está se preparando para lidar com isso?
Tenho muitos medos e inseguranças, mas tudo o que aprendi nos últimos anos me ajudou para esse momento. Sei que vou errar, mas vou fazer tudo com o maior amor do mundo, tentando acertar. Espero ser uma mãe suficiente, a melhor que eu puder ser. Não acredito que exista a pessoa perfeita, a mãe perfeita e muito menos a vida perfeita.
Como alguém que enfrentou tantos transtornos com a imagem, o que você quer ensinar para a Lua?
Pretendo ensinar minha filha que o corpo é nosso instrumento de vida, e não um objeto a ser exposto ou ser contemplado. Desde muito cedo, não devemos fazer comentários sobre o corpo de outras mulheres na frente das crianças, das meninas. Não ensinar que isso engorda, é proibido ou é errado, e, sim, que ela tem que comer frutas e verduras para ter energia para brincar. A relação com a alimentação e o corpo se estabelece desde os primeiros anos de vida. Sei que, diante do sofrimento que tive, talvez falhe em alguns momentos, e estou me preparando para isso. Mais do que isso, pretendo ensinar minha filha a ser uma mulher forte, corajosa e batalhadora. Que a gente possa falar cada vez menos sobre corpo, aparência e estética com nossas meninas.