Tenho verdadeira paixão por banhos gelados. Não sei se porque me devolvem a energia depois de um dia cansativo ou me acordam para uma maratona de reuniões que poderiam ser um e-mail. A verdade é que foi durante um deles que tive uma epifania: entre espumas de xampu e sabonete, me dei conta, pela primeira vez e de forma totalmente consciente, que nunca fui feliz com o corpo que tenho. Nunca.
A água já nem estava mais tão fria assim quando uma espécie de curta-metragem passou pela minha cabeça. Eu, com seis anos, tendo que avisar em cada lugar que ia - casa de tio, vó, amiga, etc, - que estava de dieta. No recreio, eu com frutas e as gurias com bolachas recheadas. Eu lembrando de como amava aquela combinação estranha do bufê de sorvetes lá de Tramandaí, que tanto frequentei nas férias: banana, creme, calda quente de chocolate, fios de ovos, chantilly. E como sentia uma tremenda culpa depois de comer algo que me deixava tão feliz.
Odiar o meu corpo não vai fazer ele mudar, nunca fez."
Venho de uma família italiana que servia pizza como aperitivo para um domingo de macarronada. Ou seja, a comida sempre foi celebração. Mas algo que deveria ser prazeroso para mim é, até hoje, um dos maiores problemas da minha vida. Explico: tenho um transtorno alimentar. Desenvolvi bulimia quando entrei na faculdade. Digo que tenho porque é como se fosse um vício. Acho que nunca estarei 100% curada, mas uso ferramentas para me manter em segurança.
Minha péssima relação com a comida e com a minha aparência é algo que me acompanha desde que me entendo por gente e desde quando entrava nas lojas de roupas. Mesmo sem minha mãe dizer o tamanho da minha saia, as vendedoras já alertavam que nada ali caberia em mim. Definiram que eu era gorda e, quase que automaticamente feia, sem que eu perguntasse a opinião de alguém. Bom, de certa forma isso colou em mim feito tatuagem. Não é à toa que tenho mais de 40.
Corta para o final do meu banho gelado. Enrolada na toalha - e ainda refletindo sobre como eu provavelmente contei mais calorias do que orgasmos em toda a minha vida -, parei para observar com calma umas gorduras aqui, ali e ali também. E nas estrias e nas manchinhas de tantos anos de exposição sem qualquer cuidado ao sol (olha aí Tramandaí de novo!).
Transei com muitos caras e namorei com outros durante esses anos todos em que a luta contra a minha autoimagem e estima se fez presente. Até onde lembro, nenhum deles pareceu se importar genuinamente com as imperfeições que saltam todos os dias aos meus olhos. Mas por anos fiz sexo sem tirar a blusa. Sem deixar a luz acesa. Sem deixar que passassem a mão na minha cintura da forma que eu realmente gosto. Ou que me vissem caminhando totalmente pelada até o banheiro.
Quantos orgasmos perdi, meu Deus, enquanto me preocupava mais em me esconder do que dar ainda mais motivos para o outro querer estar ali. Eles queriam, afinal.
Ainda não me acho uma mulher exatamente bonita. Infelizmente acho que nunca levantarei a bandeira do #bodypositive porque não me sinto confortável na maior parte do tempo, mas acho que depois daquele banho gelado uma coisinha mudou.
Pode ser que agora eu esteja mais perto da turma do #bodyneutrality - ou corpo neutro, como definiu Anne Poirer em um dos seus workshops para pessoas com distúrbios alimentares. Não gosto de muitas coisas no meu corpo, muitas mesmo. Mas sigo em frente. Decidi seguir o baile.
Hoje vou para a academia não para ficar sarada, mas porque é um dos meus remédios para depressão e insônia. Hoje tenho me alimentado melhor e escolhido melhor ainda o que coloco no prato, pensando em como isso pode influenciar o meu bem-estar emocional. Não vou mentir se disser que vira e mexe tenho algumas crises, mas se for contar, elas já não enchem uma mão no mês.
Nunca é tarde para aprender alguma coisa nova e, beirando os 33 anos de idade, eis um novo ensinamento: odiar o meu corpo não vai fazer ele mudar, nunca fez. Já pesei 53 e 83kgs - em nenhuma das vezes estive satisfeita.
Trabalhar a minha mente e a forma de enxergar as coisas, ah, isso sim tem feito toda a diferença. E é isso que tem me forçado a ser mais gentil comigo mesma. E até mais paciente.
Hoje eu enxergo as minhas celulites como companheiras. Talvez essa seja a minha verdadeira revolução.
Jordana Laitano é publicitária, produtora de conteúdo, feminista, entusiasta das conversas de bar e das histórias de amor. Escreve semanalmente sobre sexo e relacionamento em revistadonna.com.