Se você não fosse veterinário, gostaria de fazer o quê? É manicure, mas queria ser professora de matemática? Escolhas e renúncias. Volta e meia reflito sobre talentos que ficaram sem uso porque oportunidades e acasos nos levaram para outro caminho.
Não que estejamos insatisfeitos, mas aquilo que fazemos para ganhar a vida não esgota nossas aptidões. Você daria um bom caminhoneiro? Uma boa advogada? Um jardineiro? Uma campeã de triatlo?
Fui uma publicitária que sonhava em ser escritora – bingo! Mas ainda me pergunto como é que teria sido minha vida se eu tivesse optado pelas outras duas profissões que me seduziam.
Atriz era uma delas. Dar voz ao autor(a), ser por algumas horas a personagem por ele(a) inventada e ainda reconhecer algo de si mesma no papel. Um mix de alta potência, o palco como plataforma de lançamento de três vidas unificadas, ou mais de três. Ser a maestrina de personas variadas. Imagine o alcance existencial disso.
Mesmo quando não há tanta gente envolvida, ainda assim é um trabalho gigante. Assistindo ao monólogo O Pior de Mim, de Maitê Proença, senti o quão fundo se pode ir atuando e não atuando ao mesmo tempo (o fingidor fingindo que é dor a dor que deveras sente). A história é dela, o texto é dela e é ela que se entrega, no palco, a uma plateia de voyeurs, todos flechados pela comoção. Em silêncio, no escuro do teatro, é como se estivéssemos numa sessão de terapia, cada um vasculhando os próprios abismos.
Aliás, é a outra profissão que me fascina: psicoterapeuta. Desconhecidos entram em seu consultório precisando contar o que não contam nem para si mesmos. Buscam absolvição ou confirmação de culpa, mesmo que nem uma coisa nem outra se justifique. Exorcizam seus traumas, analisam suas reações, procuram livrar-se de obsessões e adequar-se ao status quo (ou desconstruí-lo). Imploram por receitas que os ajudem a lidar com o imponderável da vida. Emoção transbordante entre quatro paredes. Posso estar idealizando, mas o terapeuta me parece um privilegiado: além de tratar, ele alimenta-se das narrações de seus pacientes e, através delas, se cura também.
São profissões que mergulham em fantasias, segredos e interrogações alheias, que têm acesso à profunda humanidade de estranhos, recebendo os respingos que ajudam a compreender a similaridade da nossa esquisitice universal.
Porém, nem atriz, nem terapeuta: caí no mundo das letras, onde a troca é igualmente pulsante: quem sou eu e quem é você, o que temos em comum? Também interpreto, crio, escuto, me comovo e ativo gatilhos em desconhecidos. Talvez eu não tenha me afastado tanto assim das minhas outras supostas habilidades. É a mesma vocação: da solidão, extrair multitude.