Na sexta da semana anterior, vi as imagens nauseantes do policial que se ajoelhou sobre o pescoço de George Floyd por quase nove minutos, sem compaixão diante dos apelos do detido: "Não consigo respirar!". Horas depois, George estaria morto, e os Estados Unidos explodiam em convulsão por mais um ato criminoso de racismo.
Na mesma noite, assisti ao documentário sobre o genial Quincy Jones, que iniciou carreira como trompetista e virou o maior produtor musical de todos os tempos, responsável pelas orquestrações dos discos de Frank Sinatra e de álbuns históricos como Thriller, de Michael Jackson. Ele colocou a música negra no mapa, abrindo portas para todos os gêneros, incluindo o hip hop.
Amigo íntimo de Ray Charles, admirado por Mandela, Obama, Oprah e outros expoentes da raça, Quincy Jones virou lenda e, aos 87 anos, mereceu esta retrospectiva emocionante. Mas sua infância não foi um passeio de carrossel.
Viu a mãe ser arrancada de casa numa camisa de força quando tinha sete anos. O pai era um delinquente. Criado na rua, Quincy queria ser um gângster quando crescesse – era a única realidade que o menino conhecia. Por sorte, um dia ele chegou perto de um piano e descobriu que podia ser outra coisa.
O que ainda estamos esperando? Sejamos empáticos, vamos dar um sentido profundo às nossas vidas.
Em 1951, aos 18 anos, excursionou pela primeira vez com uma banda de jazz composta só por negros. O racismo era tão intenso que o motorista do ônibus tinha que ser branco para poder comprar comida para a trupe – negros não podiam entrar em restaurantes.
No início dos anos 1960, artistas como Sammy Davis Jr e Harry Belafonte faziam grande sucesso em Las Vegas, mas tinham que jantar na cozinha, pois negros eram proibidos de frequentar os salões. Quando Sinatra soube, ameaçou não cantar mais na cidade se os cassinos mantivessem a segregação, e só então a situação melhorou.
A situação melhorou?
Melhorou, mas a cena brutal que aconteceu em Minneapolis (e que ocorre de diferentes formas no Brasil, diariamente) ainda exige muita mobilização. O silêncio não move nada. É preciso, sim, junção de vozes, povo na rua, tudo isso que assusta, mas que transforma. E arte, o tempo inteiro.
O documentário sobre Quincy Jones está focado em sua brilhante carreira, mas estão ali, também, as fissuras de uma sociedade escravagista que ainda tem muito a evoluir antes de se definir como civilizada. Quincy não é apenas um artista, mas um artista negro, e como tal, sabe que a luta deve ser constante, ou o preconceito continuará evidenciando nossa falência moral.
O que ainda estamos esperando? Sejamos empáticos, vamos dar um sentido profundo às nossas vidas, valorizemos mais músicos do que gângsters. Só assim respiraremos aliviados, sem ter nenhuma vergonha atravessada na garganta.