O professor de pós-graduação em Sociologia da UFRGS José Carlos dos Anjos nutre expectativa de que os protestos anti-racismo nos Estados Unidos continuem com legitimidade e provoquem mudanças efetivas contra o racismo estrutural. Em entrevista ao Estúdio Gaúcha, na noite desta terça-feira (2), Anjos destacou que a adesão de diversas pessoas ao movimento ao redor do mundo ajudam a dar voz aos manifestantes e provocar transformação:
— Enquanto eram apenas os negros a protestarem, e os brancos não racistas assistirem com uma simpatia distante, as possibilidades de se efetivarem mudanças eram relativamente pequenas, com uma minoria enfrentando uma maioria consolidada.
Os EUA entraram no oitavo dia de protestos contra o racismo, despertados e impulsionados pela morte de George Floyd, 46 anos, homem negro que morreu sufocado por um policial branco nos Estados Unidos enquanto estava rendido. O professor da UFRGS diz que esse fato, parecido com outros em um passado recente, “capitalizou o sentimento o sentimento generalizado de injustiça”.
— A partir daí, se trata de um protesto com uma base moral tão sólida, só comparável ao movimento dos direitos civis na década de 1960. Então, certamente, efeitos institucionais vão acontecer e isso significa uma vitória importante na luta contra o racismo.
Ao explicar o impacto do movimento nos Estados Unidos para todo o mundo, Anjos lembra que é um fenômeno global, que atravessa fronteiras:
— Precisamos pensar que o fenômeno não é nacional. Nunca foi. Ele eclode como um fenômeno de globalização quando se implantou o tráfico de escravos. Na Austrália, aborígenes foram segregados, estigmatizados. Existe uma relação entre o nosso ser moderno e como o racismo se estruturou. O processo de expansão europeia configurou o fenômeno da divisão dos seres humanos em questões raciais. Não é apenas solidariedade ao que aconteceu nos EUA. A mesma coisa no Brasil: a polícia brasileira é tão racista, do ponto de vista institucional, quanto a norte-americana. As pessoas sabem que esse fenômeno tem presença em suas realidades nacionais. É um levante contra isso que se estruturou em cinco séculos. O fenômeno de construção social foi estruturado pelo racismo — afirmou.
Para o professor, a crise provocada pela pandemia do coronavírus também é imprescindível para explicar o levante antirracista.
— Além disso, vivemos um momento de fortes incertezas em relação a tudo que estruturou isso. As pessoas estão hoje, mais do que nunca, com sérias dúvidas, incertezas, quanto às possibilidades de que esse sistema possa proteger a humanidade, carregando tanta injustiça e desigualdade. São dois fenômenos que se juntam: o racismo como estrutural na modernidade e esse sistema, que se globalizou, demonstra pouca capacidade de proteger os humanos, o nosso ambiente — declarou.