Entrar no cinema sem ter muita ideia do que vai assistir é, hoje, algo raro: as informações nos alcançam onde quer que estejamos, até em férias. Pois consegui proteger o meu descanso da habitual avalanche de notícias e, ao voltar de viagem, nada sabia a respeito de Queer. Resultado: o filme me deixou pasmada.
Despido do requintado papel de James Bond, o ator Daniel Craig hipnotiza a plateia ao interpretar um homem gay, adicto de drogas pesadas, que perambula pela cidade do México, nos anos 1940, em busca de algum rapaz para passar a noite, até que encontra um ex-oficial da Marinha que se transforma em seu novo vício.
O desejo obsessivo é um tema caro ao diretor Luca Guadagnino, que não só extraiu alta performance de Craig, como enquadrou pinturas em cada cena – percebi algumas pinceladas de Edward Hopper nas duas primeiras partes do filme. Já a última parte tem uma linguagem própria, que destoa e perturba: é quando o personagem encasqueta de buscar uma erva nativa na selva amazônica, cujas propriedades teriam o poder de desenvolver a telepatia – comunicação sem voz.
É o prólogo alucinógeno do filme, e perturba não só porque entra no terreno das bruxarias, mas porque escancara o descontrole da paixão. Em estado de fixação por outra pessoa, quantas vezes não desejamos ter acesso ao que ela pensa e sente? Quantas vezes as palavras revelam-se inúteis, e até inimigas, criando um fosso entre dois corações? Entrar na mente do outro seria a viagem sensorial extrema, à prova de mal-entendidos. A comunicação oral não tem dado conta do recado. Andamos todos dependentes de legendas.
Em meio ao ruído universal, em que todos falam e ninguém se escuta, impera a solidão, produto de casais que não vibram na mesma frequência, nem dominam o mesmo idioma emocional: as línguas entram em ação, mas resultam em declarações mudas. Ao final das tentativas de entendimento, cada um retorna para casa sozinho, com as perguntas trancadas na garganta e as dúvidas presas ao cérebro. O coração precisa sair pela boca, ou nada feito.
A telepatia, em uma concepção idealizada, conseguiria a supressão de todos os obstáculos, a fim de conectar as almas. Mas tente fazer isso num bar. Só mesmo embrenhando-se na essência um do outro, afastados das distrações barulhentas e dos apelos da razão.
Queer é um filme que causa incômodo. À primeira vista, parece perverso e frio, até que vai nos envolvendo (de novo, mérito de Daniel Craig, despudoramente entregue à sofreguidão do personagem) e, por fim, nos mostra que estranho, mesmo, se tornou o amor, esse sentimento alardeado pelo tanto que se promete em nome dele, mas que, quando nos atravessa com profundidade, se acomoda no silêncio.