No começo, era o êxtase. Tínhamos um corpo ágil, os dias pareciam intermináveis e o sol era uma certeza. As praias não ficavam superlotadas, era fácil localizar os amigos. A turma funcionava como um microcosmo, sabíamos os telefones uns dos outros de cor. Ouvíamos música boa e o futuro era assunto para depois.
A paixão, não. A paixão era urgente. As garotas ainda virgens se perguntavam, entre risos nervosos: quem será a próxima a transar? Encontrar a alma gêmea era como ganhar na loteria, mas não se colocava o destino na mão da sorte — não aparecesse a pessoa certa, seria com outra. As exigências do mundo adulto que esperassem, estávamos todos ocupados em amar, desamar e amar de novo.
Quando assisti à série FIM, de Fernanda Torres, no Globoplay, fui arrebatada pela nostalgia dos romances incendiários dos anos 1960/1970 e por tudo mais. Kombis, Fuscas e Opalas colorindo as ruas, pessoas fumando à mesa do almoço, crianças nem de longe recebendo o tratamento majestoso de hoje. Foi em outra vida, quase tinha esquecido. Tudo tão maluco e tão sentimental.
A série apresenta o recorte de uma geração machista e apaixonada, numa época em que uma coisa não contradizia à outra. Não se toca em política. Há uma cena acanhada sobre racismo, outra sobre especulação imobiliária, mas não se fala em dinheiro, arte, violência, ecologia, guerras, teatro, censura. O mundo se estende da praia até a garçoniere, e vai do bar ao cemitério. Todas as emoções cabem neste quadrilátero.
Quando chegam os conflitos com os filhos, as crises conjugais e os sonhos frustrados, estamos no meio da história. Nossos corações endurecem. Somos convocados para luta. A causa é boa: um mundo melhor.
Mais igualitário, menos poluente, politicamente correto, tecnológico, avançado, produtivo. A modernidade exaure. Cadê os amigos, a farra, a pulsão amorosa que atravessa olhares? Tarde demais. Fomos reprogramados para faturar e responder WhatsApp de trabalho até no domingo. E a pergunta agora é: quem será o próximo a morrer?
A série é extraordinária em todos os quesitos técnicos, e nos sensoriais também: resgata silêncios, fiascos, lágrimas, os beijos, a febre, o troço – aqueles troços sem nome que a gente tinha.
Fica claro que o que importa, no fim das contas, é o abalo, a comoção que faz latejar. Batimentos cardíacos intensos, a pele arrepiada e trêmula. Tudo aquilo que, hoje, controlamos com medicamentos, em prol da longevidade e da saúde mental. Eu sei, é prudente ter juízo, Deus é testemunha de que tenho me esforçado, mas antes que este texto acabe e que a vida se esgote, levanto aqui um brinde à loucura e ao sentimentalismo dos nossos inícios, quando não tínhamos tempo de temer a morte.