O baixo Rio Branco, extensão do Bom Fim, é um bairro simpático, ainda com muitas casas, a maioria antigas. Não sei se está certo chamar de baixo Rio Branco. É que o quadrilátero delimitado pela Ramiro, Vasco, Mariante e Protásio é bem diferente do Rio Branco mais chique que atravessa a Goethe.
O baixo Rio Branco viu os bares e restaurantes se multiplicarem nos últimos tempos. Não faz muito, a prefeitura andou fechando vários deles por causa do barulho, mas agora estabelecimentos e vizinhos parecem ter se acertado. Duas das ruas do bairro, a São Manoel e a Miguel Tostes, foram duramente atingidas pelo temporal de 16 de janeiro. Mais de um mês depois, as carcaças das árvores que vieram abaixo continuam lá. Eu sei porque moro na Miguel.
E foi voltando para casa de táxi no sábado passado, perto do meio-dia, que vi ao vivo a cena que ganhou os noticiários nacionais: um homem preto, algemado e subjugado por dois policiais na traseira da viatura aberta, cercado por pessoas que filmavam e gritavam para os PMs não machucarem o rapaz. O taxista foi rápido na conclusão.
- Olha aí, ó. Mais um que fez bobagem.
O rapaz preto repetia, eu que chamei vocês, eu que sou a vítima. Mas é certo que não estava sendo tratado como vítima.
A história foi sendo contada por partes. Uma mulher disse que o rapaz preto, motoboy, havia sido agredido por um homem. Outra falou que o tal homem volta e meia brigava com os motoboys que ficam na esquina da Miguel Tostes aguardando pelos chamados dos aplicativos. Verdade, ali é um ponto de concentração dos entregadores. Antes do vendaval de 16 de janeiro, uma banquinha que hoje jaz, destruída, fazia um pouco de sombra. Agora eles esperam no sol.
No fim, o caso ficou bem conhecido por todos. Sérgio - um homem branco de 71 anos, de calção, sem camisa e com um canivete na mão -, desceu do seu apartamento e foi brigar com os motoboys, incomodado com a conversa dos entregadores ao meio-dia de sábado. Não exatamente um horário de repouso.
Everton, 40 anos, doravante chamado de Trabalhador, se aproximou para falar com Sérgio – doravante chamado de véio mesmo -, foi ofendido e tomou uma canivetada no pescoço. Chamou a polícia e acabou preso por “estar alterado”.
Podia terminar assim, como tantas vezes termina, mas havia muitas testemunhas em volta. No que parece ter sido uma atitude para sossegar quem protestava contra a injustiça, o véio descamisado, que até então conversava, sorridente, com um dos PMs, foi orientado a subir e se vestir para ir à delegacia. Se as testemunhas não exigissem, sequer teria sido algemado. Enquanto o Trabalhador foi empurrado para dentro do camburão, o véio sentou no banco de trás de um dos carros da PM e se foi, tão confortável quanto possível na situação criada por ele.
Na mesma semana, uma mãe negra com sua filha pequena foi cercada pela polícia e teve o celular apreendido por filmar uma abordagem violenta em Bento Gonçalves. Já os estudantes do 3º ano do Colégio Anchieta que interromperam a Nilo em passeata – protestando contra o quê? – tiveram escolta da Brigada Militar.
O governador disse que os fatos serão apurados, mas que não se pode ter preconceito com a polícia. Na realidade, é a polícia que não pode ter preconceito contra os pretos.
Você e eu, que somos brancos: o que mais a gente pode fazer além de morrer de vergonha?