A ponte pênsil de Torres. Quem não se benzia antes de passar por ela é um forte. Com filho pequeno, atravessar a ponte era obrigação, um passeio tão esperado pela criança quanto subir nas pedras da Guarita. Eu ia sem olhar para baixo, odiando cada engraçadinho que pulava para balançar o coreto e os demais passantes. Lembro bem de um aviso, proibida a travessia de bicicletas. Não sei se ele ainda estava lá, talvez sim, tanto que o último desaparecido deixou sua bici estacionada em Torres.
No tempo em que eu atravessava a ponte com a minha criança apenas para chegar ao outro lado e voltar, as bicicletas atravessavam também. Fiscalização zero. Talvez agora a coisa estivesse mais controlada. Já se passou muito tempo desde que atravessei a ponte pela última vez. Nem sei se já havia a outra, de concreto, a 500 metros da velha atração, oferecendo uma opção mais segura para quem desejava ir de Torres a Passo de Torres, e vice-versa.
Pensar que a ponte pênsil podia virar, até a madrugada de segunda passada, parecia delírio de mãe apavorada. Só as mães são felizes, disse Cazuza. São, nada. Mãe sempre pensa no pior, não por síndrome de urubu, mas para que ele não aconteça. Como se o medo pudesse evitar alguma tristeza na vida.
A mãe do Brian. Até a entrega dessa coluna, o menino de 20 anos ainda não havia sido encontrado. A jovem mãe dele, de apenas 38 anos, não arredava pé do lugar das buscas. Desde muito cedo, quando os repórteres começaram a cobrir a notícia, ela já estava lá, esperando seu menino aparecer. Com certeza, todas as mães esperavam com ela.
E a chuva. O que choveu nesse Carnaval? Estávamos em uma casa de praia no alto de um morro. Em Santa Catarina, as casas de praia sempre ficam no alto dos morros, acho que para o vivente valorizar ainda mais o mar depois da longa caminhada para chegar até ele. Cada vez que a TV mostrava os desabamentos no litoral de São Paulo, eu envelhecia um pouco.
Da nossa sacada, horizonte tapado por nuvens, só dava para ver a terra descendo com a chuva, quase em câmera lenta. Mansa. Mas até quando?
São Sebastião, a cidade mais afetada do litoral de São Paulo, praticamente submergiu.
Até a manhã de terça eram pelo menos 40 mortos. Em alguns trechos, a rodovia Rio-Santos desapareceu. Uma rodovia desaparecer. E há quem diga que nada disso é consequência dos desmandos do homem contra a natureza.
Enquanto isso, um ser nefasto como o é o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, sujeito que fez o que pode pelos interesses dos exploradores ilegais na Amazônia e que contribuiu tenazmente para o triste desmatamento recorde da floresta, se elege deputado federal por São Paulo e ainda pode ser indicado por seu partido para a presidência da Comissão do Meio Ambiente.
É deboche, só pode. Não é cômico, é trágico.
E o homem ainda quer ser candidato a prefeito em 2024. A destruição começa nos gabinetes. Depois vem a devastação. O mundo é frágil como a ponte pênsil de Torres. Já passou da hora de tomar outro caminho.