Volta e meia sinto saudade da dona Celia Ribeiro, uma das primeiras jornalistas a falar de etiqueta no país. Sendo etiqueta, para ela, não um conjunto de regras engessadas e antiquadas para complicar a vida, mas as boas práticas que, a bem da verdade, se traduzem em uma palavra: respeito.
Claro que, se o assunto fosse o jeito mais refinado de servir à mesa, o tipo de roupa para uma ocasião ou a forma de se portar em uma visita aos salões íntimos do Palácio de Buckingham, a dona Celia dava aula. Mas com certeza foi colocar a etiqueta no radar dos comuns dos mortais que fez da sóbria Celia Ribeiro uma senhora pop.
Dona Celia se aposentou em 2016, aos 86 anos, deixando inúmeras colunas e vários livros publicados sobre esse tema natural para ela. Tão natural quanto agradecer, pedir licença, não se comportar de forma invasiva, não buzinar feito o alucinado do fonfom cada vez que o carro da frente quer converter ou estacionar, enfim, viver civilizadamente.
Parece fácil, só que não. Curioso é que as pessoas mais elegantes não costumam ser as endinheiradas. O que tem de endinheirado xingando, furando fila, gritando com prestadores de serviço, destratando todo mundo, olha, é tema para estudos sociológicos. Dentro desse, digamos, extrato, playboys de diferentes idades, inclusive a terceira, se destacam - ao menos na minha experiência.
Sobre lugares onde o tal direito do outro acaba esquecido, a praia é campeã, com as caixas de som na areia invadindo as férias alheias. O cinema também pontua. Os canudões de pipoca, lá pelas tantas, parecem chocalhos tocando em diferentes pontos da sala. As cenas de amor mais tocantes, as tragédias mais comoventes e os crimes mais desafiadores acontecem ao som de crshcrshcrshcrschcrschcrsch. O triste hábito de chutar a cadeira da frente é uma constante, assim como as conversas inconvenientes.
Esses dias, uma senhora que já tinha visto o filme falou em alto e bom tom para a amiga, a respeito de um personagem que aparecia pela primeira vez na tela:
— Esse aí que eu te disse que tem outra mulher e que vai ser assassinado pelo próprio filho, imagina a desgraça.
Um celular tocando ou recebendo mensagens é outra coisa que nunca falta nas salas de cinema, nem nos melhores espetáculos. Mas foi durante o show do Jards Macalé, atração do ótimo Porto Verão Alegre, que um espectador inovou: enquanto Jards e a cantora e percussionista Victória Santos se apresentavam no palco, o sujeito ouviu uma mensagem de voz.
— Fala, irmão, aqui é o Beiço, tudo combinado pra amanhã? Cada um leva seis breja (sic), feitoria?
Mostrando certo savoir faire, o espectador, pelo menos, não retornou para o Beiço na hora.
Também clássico dos shows de Porto Alegre é o sujeito meio manguaçado que não se aguenta e faz sua declaração de amor no meio de uma música, a goela invejável abafando o artista.
— Porto Alegre te ama, véio! Toca aquela que eu gosto!
Mas aí já não entra no terreno da etiqueta, é só falta de noção mesmo.
Até no estádio de futebol, ambiente tradicionalmente mais rústico, seria interessante observar a etiqueta. No último jogo a que fui, uma menina de make em dia, unhas longuíssimas e pintadérrimas e atuação de Garota Verão passou o tempo todo acocorada na cadeira, jogando os braços para cima, impedindo quem estava ao lado e atrás de ver Luisito em campo.
Acho que a dona Celia Ribeiro concordaria, qualquer lugar é lugar para lembrar que você não é a última bolachinha do pacote. Até porque a última bolachinha, convém não esquecer, quase sempre vem quebrada e esfarelenta.
Bom carnaval e lembrem da dona Celia, crianças.