Primeira providência de quase todo gaúcho que se vê em São Paulo por alguns dias: fazer a ronda nas exposições do MIS, Masp, IMS e todas as outras siglas que nos permitem explorar as possibilidades - as imensas possibilidades - que cabem nas salas dos centros culturais e dos museus. Fruir a beleza, o inesperado, o perturbador, o desconhecido, coisa boa para os olhos e para a alma.
Ao sair de uma exposição, de um filme, de um livro, de um show, de um espetáculo, de uma experiência artística, enfim, dá aquela urgência de dividir o que se viu. E até o que não se entendeu. Dividir faz com que a sensação continue, fique mais forte, até. Embora a pobre cultura ande em baixa nesses dias, é ela quem abre algumas janelas que já estão dentro das pessoas, às vezes ainda fechadas, em outras só emperradas. Não faz muito, na frente do Theatro São Pedro, um flanelinha perguntou sobre o que tratava a peça em cartaz. Explicamos por cima, mezzo sem paciência, mezzo achando que o rapaz não ia entender, e a cada frase nossa ele fazia novas perguntas. Não fosse a última sessão na cidade, era de comprar um ingresso para que ele pudesse assistir. Boas intenções que já não adiantam, sou dessas.
Para aproveitar a maré, joguei na Mega Sena assim que acordei. Acabo de ver que não acertei nenhum número. Volto para Porto Alegre mais dura do que saí, mas no lucro. Esta é a vida visível.
Foi na primeira tarde em São Paulo, na saída de uma exposição, a Avenida Paulista lotada. Não estranhei um empurrão mais forte, uma multidão daquelas só poderia andar assim, aos trancos. A mochila navalhada vi no hotel, o bolsinho da frente tristemente vazio. Havia sumido o óculos de leitura que, para mim, faz uma falta danada, e que deve ter ido para a lixeira mais próxima. Foi-se também o óculos de sol quase novo. A carteira com os cartões e os caraminguás ficou a salvo, melhor guardada na outra parte da mochila. Fui sortuda, no fim das contas.
Estava lutando contra a minha hipermetropia de grau 2 para trabalhar quando chegou uma mensagem no Instagram: "Achei tua CNH na Paulista". Eu tinha colocado a carteira de motorista no bolsinho da mochila ao embarcar, e nem lembrava. Ia dar falta dela quando pegasse o avião de volta. Ou se levasse um atraque da polícia, nunca se sabe.
A Gabi, que encontrou minha CNH, também fez a gentileza de me encontrar em um café para devolver a habilitação descartada na avenida. Dela só sei que trabalha o dia inteiro e estuda de noite, que já teve os documentos roubados e que usava uma camiseta de caveira. É quase certo que nunca mais vamos nos ver, e que eu não vou esquecer dela. Pessoas que se importam com pessoas, nada melhor para devolver o alento que anda meio perdido.
Continuando com a minha fase de sorte, assisti A Vida Invisível em pré-estreia naquela noite. E até hoje, quase uma semana depois, sigo pensando no filme escolhido pelo Brasil para disputar uma indicação ao Oscar. Parasita, o sul-coreano que venceu o Festival de Cannes, é excelente, mas acho que dessa vez a gente leva.
Na saída, ainda sob o impacto do filme, e para continuar falando sobre ele, pedimos um café. O atendente entregou o meu mal fechado. Virou inteiro em mim quando peguei. Podia ser queimadura, mas ficou apenas na sujeira. Por algum problema inesperado na máquina, o cappuccino saiu frio. Era mesmo o meu dia de sorte.
Para aproveitar a maré, joguei na Mega Sena assim que acordei. Acabo de ver que não acertei nenhum número. Volto para Porto Alegre mais dura do que saí, mas no lucro. Esta é a vida visível.