Lá no início dos anos 2000, elas começaram ensinando como se maquiar em blogs na internet. Com a ascensão de redes sociais como Instagram e YouTube, tempos depois, muitas influenciadoras de beleza conquistaram o público ao compartilhar dicas de maquiagem e cuidados com a pele em tutoriais caseiros.
Essa proximidade com as seguidoras, que encontravam alguma identificação com a pessoa do outro lado da tela, criou uma base de confiança que rapidamente se traduziu em um mercado poderoso, no qual a resenha de um produto por uma influencer passou a ser tão valiosa quanto o marketing tradicional.
As marcas do segmento logo perceberam o potencial dessas figuras digitais e começaram a investir em parcerias. Com isso, influenciadoras do ramo da beleza começaram a lançar suas próprias linhas de maquiagem, tornando-se empresárias de sucesso e inovando o mercado estético. Nomes como Bianca Andrade e Bruna Tavares são algumas referências nesse nicho. No entanto, uma das pioneiras desse fenômeno começou sua trajetória em terras gaúchas.
Luciane Ferraes, mais conhecida como Lu Ferraes, iniciou a carreira como maquiadora profissional em 1998, atendendo clientes em salões de beleza em São Sebastião do Caí, sua cidade natal, onde voltou a morar há dois anos. O ponto de virada ocorreu quando decidiu compartilhar, em 2010, seus conhecimentos em um blog com resenhas de produtos de beleza e tutoriais de make.
Depois disso, ampliou a criação de conteúdo para o seu canal no YouTube – que hoje soma 1,16 milhão de inscritos – quando a plataforma ainda estava em seus primeiros anos. Tudo isso em uma época em que as blogueiras não contavam com equipes profissionais para as produções de vídeos e engajamento nas redes sociais.
Queria que elas soubessem o caminho, que se sentissem parte daquele universo da maquiagem
LU FERRAES
Maquiadora, influenciadora e empresária
Antes de se tornar uma influenciadora e empresária, a gaúcha – que tem mais de 690 mil seguidores no Instagram e 34 mil no TikTok – também atuou como consultora em laboratórios de maquiagem em 2007, analisando produtos e suas fórmulas, algo inédito para uma maquiadora até então, e, em paralelo, também ministrava cursos e palestras pelo Brasil sobre o tema, expandindo ainda mais as suas habilidades.
A paixão pela maquiagem, contudo, não parou por aí. Unindo todo o conhecimento adquirido enquanto trabalhava como consultora, alinhado com a sua profissão de origem, Lu decidiu criar, em 2012, a sua própria marca de make: a LFPro, que inicialmente surgiu como Luciane Ferraes Professional make-up e ficou restrita ao Rio Grande do Sul. No ano seguinte, foi lançada em todo o país.
— A LFPro foi a primeira marca 100% digital criada por uma influenciadora no Brasil. Nós vendíamos apenas online, um modelo que hoje é comum, mas que desbravamos lá em 2012. E, desde então, a gente vem consolidando esse modelo de negócios — afirma a empresária.
Além das makes, hoje a LFPro também conta com produtos de skincare, aqueles de autocuidado para a pele. Com sede física da empresa em São Leopoldo, a fabricação dos itens da linha ocorre em laboratórios do Distrito Federal, Minas Gerais, Santa Catarina e no interior de São Paulo e Rio Grande do Sul.
Atestado de sucesso
Atualmente, é comum acompanhar influenciadoras lançando suas próprias linhas, muitas delas começando ao lado de grandes empresas do setor.
Entre elas, Niina Secrets, personalidade digital com mais de 3,6 milhões de seguidores no Instagram, fez uma parceria com a Eudora – do grupo O Boticário –, enquanto a ex-BBB Bianca Andrade iniciou com a empresa francesa Payot, em 2018, antes de investir na sua própria marca.
Para Lu, a iniciativa dessas influenciadoras virou uma tendência recente no mercado de cosméticos e é um atestado de sucesso. Entretanto, ela alerta que não basta ter grandes números nas redes: é preciso ter know-how.
Ser uma marca independente é desafiador. A ilusão de que o sucesso depende apenas de números é o maior erro que uma influenciadora pode cometer. Se você não tiver conhecimento do modelo de negócios, te associa com quem tem
LU FERRAES
Maquiadora, influenciadora e empresária.
Casada há 18 anos com um marido low profile, como brinca, que também trabalha na LFPro, Lu hoje divide os seus conteúdos nas redes sociais entre dicas de beleza, lifestyle, negócios e maternidade. Mãe de Heitor, de seis anos, a empresária também se preocupa com o fato de as novas gerações estarem se tornando figuras públicas online cada vez mais cedo.
Em conversa com Donna por videochamada, Lu Ferraes fala sobre sua trajetória e como tem observado a transformação do mercado de beleza por conta das marcas lançadas pelas influenciadoras digitais.
O que a motivou a criar um canal no YouTube?
Foi por causa do Duda Molinos (maquiador gaúcho falecido em 2019). Vi ele ensinando as mulheres a se maquiarem em um programa de TV e pensei “Que incrível, eu posso fazer isso também”. Na época, não se faziam tutoriais de internet. Quando comecei, em 2010, foi com o propósito de ensinar e sigo nele até hoje.
Como encontrou o seu estilo de se comunicar nas redes sociais?
Nunca criei um personagem. Na minha cabeça, estava falando com as minhas clientes, porque eram pessoas que já me conheciam, não tinha como ser diferente do que já era. Isso me deu um norte. Só depois fui entender as proporções que aquilo estava tomando, pois estava alcançando pessoas de Goiânia, do Rio de Janeiro, de São Paulo.
Como enxerga a criação de conteúdo na internet atualmente? Qual é a melhor rede social para trabalhar?
A criação de conteúdo, hoje em dia, é muito mais rápida. Com o Instagram e o TikTok, a gente abre a câmera do jeito que a gente está, cria e posta. O YouTube te demanda muito mais energia: precisa gravar, editar, subir e, às vezes, demora para carregar.
A criação de conteúdo não é mais meu braço de negócios, mas é meu fortalecimento de imagem. Hoje estou onde minha audiência está. Acredito que tudo se deve à mudança de comportamento da audiência, que fez com que os criadores de conteúdo também começassem a se moldar.
Qual é o perfil do seu público?
Converso basicamente com mulheres entre 25 e 45 anos, um público que estuda e trabalha, que não tem tempo a perder e não gosta de enrolação. A minha audiência tem poder de consumo e não vai cair em conversa de qualquer produto milagroso. O público é um reflexo daquilo que você mostra ser. Sou uma pessoa muito prática, vejo que elas também acabam sendo assim também.
Quais foram os primeiros produtos lançados da LFPro?
Foi um kit de 12 pincéis profissionais que, na época, só tinha de marcas importadas e inacessíveis para a maioria das mulheres. Fizemos para suprir essa necessidade do mercado nacional.
Quando comecei a maquiar, comprava pincel de artesanato, cortava as cerdas e deixava de acordo com as minhas necessidades. E esse foi meu primeiro gatilho, então desenhei um kit de pincéis e achei um fornecedor especializado. Em duas horas vendemos o previsto do estoque para seis meses.
Grandes negócios vêm com grandes responsabilidades. E a internet é um grande negócio.
LU FERRAES
O que você acha que impulsionou esse movimento de influenciadores criarem suas próprias marcas de maquiagem?
Chegou num limite em que o próximo passo (de uma influenciadora) é ter uma linha de produtos para traçar uma trajetória profissional. Como empresária, sinto que fica aberta uma brecha muito grande no mercado, porque, como marca, tenho cada vez mais dificuldade de contratar. Porque os influenciadores tendem a ter a sua relevância associada a suas próprias marcas. É uma força do movimento digital. Hoje, as gôndolas das perfumarias, por exemplo, são ocupadas também por esses produtos digitais.
Quais diferenças você percebe entre a linha de maquiagem lançada por uma influenciadora e a de marcas tradicionais?
A gente tem uma vantagem de comunicação orgânica privilegiada, coisas que as grandes marcas não têm, que é uma pessoa representando nas redes sociais. Consigo contar a história do meu produto, trazer a narrativa que pensei quando o desenvolvi. O que muda é que você pode gostar do meu conteúdo, mas também de outra influenciadora.
Quando você encontra o seu viés de comunicação, trazendo bons produtos e informação certa para seu cliente, é muito mais fácil. Isso qualquer um pode fazer. Somos marcas de um nicho específico.
Você criou o seu canal no YouTube com 28 anos. Hoje em dia, as influenciadoras estão começando cada vez mais cedo. O que acha disso?
Digo que as influenciadoras digitais de hoje são as paquitas da minha época: todo mundo queria ser. O que acho perigoso, pois, como você cobra responsabilidade de influência de mini-influenciadores? Bato muito nessa tecla: o que você está falando na internet? Não é uma terra sem lei. É um lugar que precisa ter influência positiva, precisa ser uma pessoa que inspira outras. Como é que explica isso para uma criança?
Como mãe, o que você acha do seu filho querer seguir seus passos?
Quando meu filho fala que quer criar um canal no YouTube, falo que ele tem que aprender a ler, a escrever e a se defender. Quando ele fizer tudo isso, a gente conversa. A meu favor, digo que comecei com 28 anos, então, por que vai começar agora? Não precisa ter pressa. Grandes negócios vêm com grandes responsabilidades. E a internet é um grande negócio.
Conheça outras influenciadoras que investiram em marcas de maquiagem
Alice Salazar
A gaúcha também está entre as primeiras personalidades digitais a lançar marca própria no segmento de beleza e negócios na internet. Alice começou a publicar tutoriais de make em 2010. Em 2017, apresentou ao público sua linha de cosméticos. Atualmente, tem 40 lojas espalhadas em todo o Brasil.
Bianca Andrade
A carioca fundou, em 2018, a Boca Rosa Company. Lá, maquiagens e produtos capilares eram desenvolvidos em parceria com a Payot, com quem encerrou o acordo de colaboração no ano passado. Em 2024, Bianca deu início a uma fase independente da sua companhia.
Bruna Tavares
A jornalista lançou, em 2012, produtos cosméticos com seu nome pela Tracta. Quatro anos depois, desenvolveu sua própria linha com o laboratório Farmaervas. Já ganhou prêmio de empreendedora de beleza pelo Geração Glamour e foi incluída na lista da Bloomberg Linea de pessoas mais influentes da América Latina. Em 2024, abriu a BT House, espaço físico da sua marca em São Paulo.
Mari Maria
A influenciadora fez de um pincel em formato triangular o primeiro lançamento da sua marca, criada em 2017. A linha completa, com base, paleta de sombras, batom, iluminador, entre outros, foi lançada só em 2019. Foi a única brasileira apontada em uma lista pela plataforma Cosmetify como uma das 10 influenciadoras de beleza mais bem pagas do mundo.