Alguns métodos de beleza que fazem parte do cotidiano das brasileiras vêm sendo exportados há anos, ganhando fama e até status de favoritos entre as clientes lá fora. É o caso da Brazilian wax, nome dado no Exterior à depilação supercavada da região íntima, que muitas vezes não deixa um pelo sequer para contar história.
O método se popularizou nos Estados Unidos pelas mãos das J Sisters, sete irmãs capixabas que comandaram um salão em Nova York que viveu seu auge de popularidade nos anos 1990. Outro procedimento que faz sucesso na gringa é a chamada Brazilian manicure, que tem o diferencial de remover as cutículas, pintar os cantinhos das unhas e, muitas vezes, alongá-las com uma naturalidade ímpar.
Os americanos, quando fazem serviços com brasileiros, não querem mais trocar de profissionais.
FERNANDA LINHARES
Empresária
A popularidade está em alta este ano: dê um pulo nas redes sociais e espie os vídeos marcados com as hashtags #brazilianmanicure e #brazilianwax. Há uma infinidade de postagens elogiando a qualidade das técnicas de manicure brasileiras, inclusive na comparação com o método de profissionais americanas ou russas, e outros tantos vídeos de depoimentos ao estilo “a minha primeira Brazilian wax”, em que usuárias comentam o resultado e o nível de dor na hora do puxão com cera.
O sucesso da estética Brazilian lá fora se deve a uma combinação de fatores, na avaliação da superintendente internacional do Conselho Nacional dos Profissionais da Beleza (CNPB) Fernanda Linhares, que é cosmetóloga e fundadora do Wonderful Beauty Group, empresa baseada na Flórida que oferece cursos, assessora e licencia profissionais da beleza para o mercado dos EUA. Entre os motivos estão o fato de o Brasil ser conhecido por sua cultura de valorização da beleza e da estética, e de os profissionais brasileiros terem conquistado a fama de serem habilidosos e detalhistas.
— As técnicas brasileiras, como cutilagem das unhas, alongamento em gel, em fibra e Brazilian wax, são frequentemente inovadoras e de alta qualidade, o que atrai a atenção internacional. Um grande diferencial, por exemplo, é a forma como as manicures brasileiras tiram a cutícula e pintam as unhas, que é reconhecida por necessitar de muita habilidade, enquanto a prática nos Estados Unidos é empurrar a cutícula com a espátula, além de fazer a pintura sem encostar na cutícula. Você termina de fazer a unha parecendo que está há uma semana sem fazer — descreve Fernanda.
Na percepção da empresária, as técnicas de unhas são o procedimento brasileiro mais popular entre as clientes americanas:
— Alguns salões nos EUA chegam a pagar 100% do lucro para a manicure para ela trazer a cliente para o estabelecimento. Os americanos, quando fazem serviços com brasileiros, não querem mais trocar de profissional.
Serviço diferenciado
Há cerca de quatro anos, a gaúcha de São Luiz Gonzaga Angélica Anjos trocou o Brasil pela Nova Zelândia. Depois de uma dificuldade inicial em se colocar no mercado por conta da barreira da língua, a esteticista encontrou nichos em que o trabalho dos brasileiros do ramo da beleza é valorizado naquele país. Hoje, a profissional de 33 anos comanda seu próprio espaço na cidade de Hamilton, onde oferece depilação com a técnica de sugaring – uma cera feita com açúcar, mel e limão –, lash lifting, extensão de cílios e design de sobrancelhas, incluindo design simples, aplicação de tinta e brow lamination.
— A procura é boa. Acho incrível o quanto as pessoas daqui (Nova Zelândia) gostam de se depilar, principalmente fazer Brazilian wax, um dos serviços que mais faço. Também as sobrancelhas, tenho muitas clientes que gostam do jeito que nós, brasileiras, fazemos, que é com mais naturalidade. É um design com curvatura, que mostra que a pessoa fez alguma coisa, mas que ao mesmo tempo não entrega “Meu Deus, está na cara que ela acabou de fazer a sobrancelha e está estranho”— explica Angélica.
O hábito de buscar se aperfeiçoar frequentemente, fazendo novos cursos e elaborando novas técnicas também é um dos trunfos dos profissionais brasileiros ,segundo a esteticista. Angélica também elogia os cursos realizados no Brasil, que tendem a demandar muito mais horas de prática do que os que realizou no Exterior, geralmente focados em teoria.
— O pessoal daqui muitas vezes faz um único curso e segue nesse padrão a vida toda. Já o brasileiro está sempre querendo aprender uma técnica nova, traz para cá algo que aprendeu no Brasil, renova com algo diferente que encontrou aqui. Nossa mão de obra é valorizada no Exterior porque fazemos as coisas muito bem-feitas. No quesito sobrancelhas, o comentário é de que as profissionais locais afinam demais ou usam o mesmo padrão para todo mundo. Elas não tentam consertar sobrancelhas de acordo com o rosto da pessoa, não fazem uma análise personalizada como as brasileiras. Esse é o nosso principal diferencial — destaca.
Isso é uma prática de soft power, de vender uma imagem positiva e arquetípica de determinada comunidade.
TALITA TRIZOLI
Pesquisadora
O outro lado da moeda
Se a presença da palavra Brazilian na lista de serviços oferecidos pelo salão de beleza ou no rótulo de alguns cosméticos tem se mostrado uma estratégia eficaz para vender mais e atrair clientes – o que, de quebra, contribui para o emprego de brasileiros fora do país –, por outro lado esse link entre Brasil e beleza pode ser uma faca de dois gumes. Isso porque ajuda a reforçar um estereótipo de mulher brasileira, como explica Talita Trizoli, pesquisadora na área de artes e feminismos no Brasil:
— Esse codinome de manicure e de tipos de depilação ligados à identidade brasileira no Exterior vem atrelado a um projeto antigo de vender o sujeito brasileiro, principalmente a mulher. Vem desde a época da ditadura militar. É uma espécie de soft power que saiu pela culatra porque, se por um lado amplia-se o flanco para uma indústria que movimenta milhões e que toca no lugar da fragilidade feminina por conta do imperativo de beleza, é claro que também implica uma perspectiva pejorativa sobre as mulheres, que é a hipersexualização e a redução da identidade feminilizada à dimensão da beleza e do sexo.
Ser uma sociedade que valoriza a aparência contribui para o mercado da beleza e para sua exportação, como fazem outros países, detalha Talita, como a França e a Coreia do Sul:
— Essa construção da ideia de que “a mulher brasileira é vaidosa e bonita porque se submete a protocolos estéticos aos quais você, cliente estrangeira, também pode se adequar” é novamente a cultura do imperativo da beleza, que encontra nesse mercado uma chance de lucrar. Mas é importante ressaltar que isso não é uma exclusividade da cultura brasileira. Durante muito tempo e ainda hoje existe uma construção mítica do que é a “beleza francesa”, a “beleza italiana” e, mais recentemente, a “beleza coreana”. Isso também faz parte de uma prática de soft power, de vender uma imagem positiva e arquetípica de determinada comunidade.
Agradecimentos
- Unhas: Renata Phaelante
- Cabelo e Maquiagem: Roberta Phaelante
- Extensão de Cílios e Sobrancelha: Kamila Batista
- Instagram: @esteticabeautystar